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Chile tem oportunidade histórica de renacionalizar o cobre com nova Constituição

Representante de Allende no comitê de nacionalização do metal, Orlando Caputo denuncia o grande lucro de US$ 35 bi obtido pelas mineradores apenas em 2021
Leonardo Severo
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

“Em pesquisa recente, a maioria dos chilenos manifestou-se favorável à renacionalização do cobre, a mesma que os monopólios estrangeiros tanto temem. Afinal, os lucros das grandes mineradoras foram de US$ 35 bilhões somente em 2021. Com esses imensos recursos, poderíamos duplicar o orçamento da saúde, moradia e educação”.

A afirmação é do economista Orlando Caputo Leiva, representante do presidente Salvador Allende (1970-1973) no comitê executivo da Corporação Nacional do Cobre (Codelco), instituição responsável pela gestão da nacionalização das empresas Chuquicamata, El Salvador, El Teniente e Minera Andina. O especialista lembrou que a própria pesquisa seria melhor administrada pelo Estado ou pelas corporações foi feita “após uma campanha agressiva do Conselho Mineiro, da sociedade empresarial [cartéis estrangeiros], da direita e da mídia contra a nacionalização”. Conforme Caputo, é preciso que os convencionais constituintes reflitam sobre o “salário do Chile” – como Allende qualificava o cobre – antes de votarem neste final de semana, já que estão diante de uma “definição histórica crucial e transcendental: eliminar a ‘concessão plena’ e restaurar a nacionalização ou apoiar a desnacionalização anticonstitucional iniciada na ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e concluída nas últimas décadas”.

Representante de Allende no comitê de nacionalização do metal, Orlando Caputo denuncia o grande lucro de US$ 35 bi obtido pelas mineradores apenas em 2021

Leonardo Severo
Orlando Caputo, representante do presidente Salvador Allende no comitê de nacionalização do cobre, faz duras denuncias

“A base fundamental do neoliberalismo está na suposta ‘modernidade’ e em atacar o mundo do trabalho, suspendendo a legislação trabalhista e atacando as aposentadorias para que uma parte dos salários se transformassem em fundos de investimento das grandes empresas. A outra é a desnacionalização do cobre. Estes são três elementos centrais. Todos os que se opõem à nacionalização estão favorecendo e impulsionando o neoliberalismo e o assalto às nossas riquezas”, sublinhou.

Em Carta Aberta aos Convencionais Socialistas e à Frente Ampla, Caputo recordou a mensagem de Allende, de dezembro de 1970, ao apresentar a Reforma Constitucional ao Congresso Nacional, de que de agora em diante “a riqueza chilena pertence aos chilenos, que com base nela construirão uma nova vida e uma nova sociedade”. E Allende acrescentou: “a importância que esta nacionalização tem para a existência livre, independente e soberana do país exige que seja solenizada com a adoção de uma decisão no mais alto nível jurídico concebível, aquele em que é o próprio soberano, o povo, atuando como Poder Constituinte, que expressa sua vontade. Assim, queremos enfatizar, destacar, em nível nacional e internacional, que temos uma clara consciência do que significa a nacionalização, e se o nascimento da independência política é marcado por uma Carta Fundamental, acreditamos ser essencial que o nascimento do Chile, a independência econômica também está registrada na Constituição”.

Desta forma, Allende atribuiu um papel fundamental à Resolução 1.803 das Nações Unidas em relação à soberania permanente sobre os recursos naturais e principalmente de um mineral do qual o país detém 30% das reservas mundiais.  Assim, apontou Caputo, o presidente expressou que “o direito dos povos e nações à soberania permanente sobre suas riquezas e recursos naturais deve ser exercido no interesse do desenvolvimento nacional e do bem-estar do povo do respectivo Estado”. “A violação dos direitos soberanos dos povos e nações sobre suas riquezas e recursos naturais é contrário ao espírito e aos princípios da cooperação internacional e da busca da paz”, disse.


Nacionalização aprovada por unanimidade

Diante desta convicção, em 11 de julho de 1971 foi aprovada, por unanimidade, a Reforma Constitucional que nacionalizou o cobre, expressando categoricamente que “O Estado tem o domínio absoluto, exclusivo, inalienável e imprescritível de todas as minas”.

Discursando ao país, citou o economista, Allende destacou: “Hoje é o dia da dignidade e da solidariedade nacional. É o dia da dignidade porque o Chile rompe com o passado; ergue-se com fé no futuro e inicia o caminho definitivo da sua independência econômica, o que significa a sua plena independência política”.

Por isso, nas palavras de Caputo, nada mais significativo do que falar à Pátria desde Rancagua, a Praça dos Heróis. “Aqui sente-se o ontem e o passado, o heroísmo de quem lutou e sacrificou a vida para nos dar sentido e conteúdo como povo. Aqui a imagem de O'Higgins está presente e aqui podemos dizer ao pai do país que somos seus herdeiros legítimos, e que foi o povo que venceu esta batalha pela independência e dignidade nacional”.

“Ministro de Pinochet, Piñera afirmou no início da década de 80 que o cobre se tornaria obsoleto e que o Chile deveria explorá-lo ao máximo e no menor tempo possível”

Recordando que “a ditadura de Pinochet tanto fez para destruir todo o legado de Allende”, o economista denunciou que “a desnacionalização inconstitucional só foi possível quando seu ministro José Piñera, no início da década de 1980, afirmou que o cobre se tornaria obsoleto e que o Chile deveria explorá-lo ao máximo e no menor tempo possível”. “Como o Estado era subsidiário, para incentivar as grandes mineradoras globais, José Piñera criou a ‘Concessão Plena’, que entrega os novos depósitos à propriedade privada e, em caso de nacionalização, o valor atualizado dos rendimentos futuros deveria ser pago. Com esses dois incentivos, poderia garantir que as empresas estrangeiras maximizariam a produção no menor tempo possível”.


The Washington Post comemorou entrega

O entreguismo descarado foi comemorado de forma explícita pelo The Washington Post, principal jornal da capital norte-americana, que resumiu a opinião de uma das grandes transnacionais interessadas no cobre chileno: “É bom demais para ser verdade”.

A tentativa de resistência por parte de forças democráticas, como a de Radomiro Tomic, avaliou Caputo, estava sufocada. Tomic percorreu o país alertando que “a partir de agora não será o Estado chileno, mas sim os interesses estrangeiros, em grande parte concorrentes do Chile em todas as fases do processo de mineração e industrial do cobre, que terão poder decisório efetivo sobre produção e comercialização do cobre chileno no mercado mundial. A Codelco será encurralada. Como negar que quem controla o cobre controla o Chile? Eles apenas desnacionalizaram as maiores e melhores reservas de cobre do mundo, com base na suposição absoluta e irremediavelmente falha de que o cobre se tornaria obsoleto”.

Levantamentos oficiais assinalam que o aumento da produção no Chile foi superior ao aumento das importações mundiais de todos os países do mundo. “O que foi afirmado por José Piñera foi cumprido: a produção aumentou ao máximo e no menor tempo possível. O resultado criou grandes danos ao Chile. O preço médio anual, no período 1996-2003, caiu cerca de 82 centavos de dólar por libra. Nesse período e a esse preço, foram vendidas 33 milhões de toneladas de cobre fino. Esse valor estimado a um preço médio das últimas décadas, mais que duplica o que as mineradoras estrangeiras pagaram de 1994 a 2019, que chega a 47 bilhões de dólares”, descreveu Caputo.


“Desnacionalização tem sido prejudicial”

“Em vez de grandes lucros, desnacionalização e exploração estrangeira do cobre, o resultado tem sido prejudicial ao Chile em termos econômicos diretos, à natureza, aos trabalhadores e às cidades mineiras”, revelou.

Na avaliação do economista, a superprodução e os danos ao Chile e à desnacionalização estão intimamente relacionados ao contraponto que Allende apontou em mensagem ao Congresso em dezembro de 1970: “Temos interesse em cuidar da nossa reserva e tirar o máximo proveito dela, conforme a necessidade. Eles estão interessados em retirar a maior quantidade de cobre, pelo menor preço e no menor tempo possível”.

E Caputo retoma as palavras de Allende: “O Chile precisa de preços altos para suas matérias-primas. Os preços baixos são convenientes para os monopólios reduzirem os custos de suas fábricas de processamento. É conveniente para o Chile ter mais elaboração no país, integrar a economia nacional, conseguir mais emprego, mais processos industriais, mais salários, mais tributação, mais compras no país”. Infelizmente, revela o economista, “a desnacionalização significou um retrocesso da produção de cobre refinado (99,9% de cobre), para concentrados de cobre, que possuem apenas 30% de cobre”.

“Os monopólios não querem a industrialização do cobre no Chile, querem o país sem o grande valor que sua produção agrega ao preço do metal”  

Como esclareceu o presidente da nacionalização, “os monopólios não estão interessados que se industrialize no Chile, para que o país fique sem o grande valor que sua produção agrega ao preço do metal. Isso significa que a imensa atividade industrial e comercial e altos salários permanecerão na metrópole”. Com a nacionalização, reiterou Caputo, “foi proposta a máxima industrialização do cobre no Chile, e uma indústria nacional fornecendo milhares de insumos para a mineração nacional e para outros países mineradores”.

A nacionalização foi muito bem-sucedida e tem sido reconhecida, até mesmo por historiadores de direita, assevera Caputo, frisando que, “agora, a renacionalização tem ainda melhores condições de avançar, uma vez que a maioria das empresas conta com profissionais chilenos em suas principais posições operacionais, além de um grande aumento de profissionais e técnicos nas diferentes especialidades necessárias”.   


“Nova era do cobre”: preços altos

“A nível da economia mundial, iniciou-se uma mudança transcendental: a substituição do petróleo como base energética para o funcionamento da economia mundial, pelo cobre e pelo lítio. Em revistas especializadas, fala-se da ‘Nova Era do Cobre’. Preços de cobre em 4,23 centavos. em 2021 eles expressam essa situação, que durará vários anos. É muito provável que o ciclo dos preços do cobre se modifique, – e se ocorrer -, será de preços altos”, celebrou Caputo.

As projeções são de que as exportações de cobre e seus subprodutos para 2022 podem ser semelhantes ao total do Orçamento do Estado chileno para todos os Ministérios. “Os lucros totais das mineradoras privadas podem ultrapassar US$ 35 bilhões, de acordo com a metodologia do Banco Mundial que apontamos em nossos trabalhos recentes. No entanto, a tributação é muito baixa porque está relacionada não às vendas, mas aos lucros, que as empresas reduzem por meio de muitos mecanismos para pagar menos impostos”, condenou. Sendo assim, exemplificou Caputo, o Conselho de Mineração reconheceu que nos últimos anos, até 2020, a tributação era de 6% das vendas e o Estado chileno recebia apenas cerca de US$ 220 por cada libra de cobre exportada.

“Reitero que estamos diante de uma oportunidade histórica: honrar Allende, renacionalizar o cobre, industrializar nossa maior riqueza e romper definitivamente com os nós da submissão ao estrangeiro”, concluiu Orlando Caputo.



As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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