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Chilenos exigem reajuste nas aposentadorias e fim do sistema de capitalização

Milhares de manifestantes disseram um sonoro não à reforma que o presidente Sebastián Piñera quer implementar
Leonardo Wexell Severo
Santiago

Tradução:

Com faixas, cartazes e camisetas condenando o sistema de capitalização implantado pela ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), e identificando as Administradoras de Fundos de Pensão (AFPs) com “Abuso, Fraude e Pobreza”, uma multidão tomou as ruas de Santiago e das principais cidades do Chile neste domingo para exigir o aumento imediato de 20% nas aposentadorias e um “novo modelo previdenciário digno, com redistribuição solidária”.

“Não quero que o meu futuro seja igual ao presente da minha avó”, denunciou uma jovem, erguendo bem alto sua cartolina. “Parem de nos roubar, acabem com as AFP”, reforçou uma outra. Como elas, milhares de manifestantes disseram um sonoro não à reforma que o presidente Sebastián Piñera quer implementar, mantendo o figurino neoliberal ditado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial.

“Piñera pretende continuar incorporando medidas que não fazem nada além de manter o respirador artificial deste sistema que está em colapso, o que parece ser uma provocação”, declarou Luis Mesina, porta-voz do movimento NO+AFP, organizador da mobilização, para quem “é hora de vincular, pouco a pouco, passo a passo as lutas dos movimentos sociais”. Entre as pautas que merecem destaque, indicou, está a luta contra o Tratado Integral e Progressivo da Parceria Transpacífico (TPP 11), celebrado recentemente no Chile, que entrega plenas garantias ao capital estrangeiro. Até sua assinatura, o documento permaneceu em segredo, passando por cima do Congresso e da cidadania. “Se aceitarmos que se consume esse TPP”, alertou, “perderemos parte importante da nossa soberania e, consequentemente, nossa reivindicação para retomar a Seguridade Social ficará muito mais complexa”.

A preocupação procede. Neste momento, as AFPs são controladas por companhias transnacionais que especulam com um patrimônio coletivo de US$ 220 bilhões dos chilenos, dinheiro equivalente a 2/3 do seu Produto Interno Bruto (PIB). Dois terços destes recursos, US$ 151,9 bilhões, se encontram, segundo a Fundação Sol, sob o controle de três empresas norte-americanas: Habitat, US$ 57,76 bilhões (27,4%); Provida, US$ 53,03 bilhões (25,2%) e Cuprum, US$ 41,14 (19,5%)

Apitos e tambores

De forma uníssona, apitos e tambores fizeram ressoar o repúdio ao sistema que o governo Piñera quer perpetuar, através da redobrada chantagem aos parlamentares – já que não tem maioria nem na Câmara nem no Senado.

A privatização da Previdência chilena foi implementada em 1981 via capitalização individual, num processo que contou com a participação de José Piñera, irmão de Sebastián, então ministro do Trabalho e Previdência Social de Pinochet.

O fato é que embora tenham prometido taxas de retorno de 70% e inclusive de 100% da remuneração quando chegasse o ano de 2020, hoje as pessoas ficam pobres ao se aposentar. A própria Superintendência de Pensões reconhece que quem se aposentava com US$ 700 tem atualmente uma taxa de retorno de apenas 33% se é trabalhador e de tão somente 25% se é trabalhadora, o que equivale a míseros US$ 231 e US$ 175, respectivamente.

“O grande problema é que esta realidade é invisibilizada pelos grandes meios de comunicação, pelos canais de rádio e televisão, que manipulam grosseiramente a realidade, divulgando mentiras e escondendo verdades”, apontou Luis Mesina. O coordenador do movimento NO+AFP citou como exemplo um recente estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que “desmente de forma contundente que o sistema de Seguridade Social, complementar e solidário como o que defendemos, está quebrado nos países onde foi implementado”. “Os sistemas privados são os únicos que geram desigualdade social, aumento do gasto fiscal e deterioração das aposentadorias, entre os quais o chileno está entre os mais brutais”, assinalou.

“Milhares de chilenos voltaram a marchar e exigir de forma clara e contundente que se ponha fim a esta grande fraude e que seja criado um sistema que garanta benefícios justos e deixe de ser um negócio para os grandes grupos econômicos, para banqueiros e companhias estrangeiras”, declarou Luis Mesina, frisando que “nossa estratégia não é seguir marchando, mas vigiar como votam os parlamentares que se dizem de oposição”. “Os parlamentares não podem se deixar pressionar pela chantagem e devem passar a exigir uma transformação estrutural da Previdência”, frisou.

Para a presidenta da Central Unitária de Trabalhadores (CUT-Chile), Bárbara Figueroa, os parlamentares precisam levar em conta a proposta que foi entregue recentemente pelo movimento popular, “pois foi a única reivindicação feita a partir de uma consulta, de um amplo debate e que tem o peso específico da cidadania e o respaldo das massivas mobilizações”. “Um sistema de pensão justo precisa agora ser incorporado na agenda”, asseverou.

Consolidação da fraude

“Se uma professora tem uma renda de 150 mil pesos e tem que comprar um remédio de 80 mil não lhe sobra nada, sequer para comer. Estas são as aposentadorias pagas por esse sistema. E o projeto levado pelo governo ao Congresso não corrige, bem pelo contrário: consolida este modelo, consolida a fraude, e por isso queremos que seja rechaçado”, explicou o presidente do Sindicato dos Professores do Chile, Mario Aguilar. Na verdade, sustentou, “precisamos construir um sistema previdenciário de verdade, de distribuição solidária”.

Marchando ao lado das lideranças sindicais, estudantis e comunitárias, o deputado Boris Barrera destacou que “somos milhares contra um sistema que empobrece os trabalhadores”.

“Me parece vergonhoso que não tenhamos um sistema que garanta uma aposentadoria digna, que as pessoas terminem vivendo em condições miseráveis”, acrescentou o deputado Tomás Hirsch.

Ao concluir o ato, Luis Mesina reiterou que a iniciativa popular de lei entregue pela NO+AFP “não provoca destruição da poupança interna, não gera desequilíbrios fiscais, baixa nos primeiros cinco anos de sua implementação o gasto público em mais de 1%, não reduz as economias acumuladas individualmente, mas complementa esta poupança e o mais importante: permite de forma gradual num prazo de cinco anos estabelecer uma aposentadoria base, universal, de um salário mínimo”.

Isso é muito importante, esclareceu a vice-presidenta da CUT Chile, Amália Pereira, pois “após a privatização os trabalhadores se aposentam com tão somente 1/3 do último salário”.

O resultado desta situação tem se refletido no agravamento da depressão e do número de suicídios. Conforme o Estudo Estatísticas Vitais, do Ministério de Saúde e do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), entre 2010 e 2015, 936 adultos maiores de 70 anos tiraram sua própria vida. O levantamento aponta que os maiores de 80 anos apresentam as maiores taxas de suicídio – 17,7 por cada 100 mil habitantes – seguido pelos segmentos de 70 a 79 anos, com uma taxa de 15,4, contra uma taxa média nacional de 10,2. Conforme o Centro de Estudos de Velhice e Envelhecimento são índices mórbidos, que crescem ano e ano, e refletem a “mais alta taxa de suicídios da América Latina”.

*Leonardo Wexell Severo ´e colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Leonardo Wexell Severo

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