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ToggleEm uma fábrica de Shenzhen, no sul da China, um robô humanoide é capaz de elaborar automóveis e componentes, enquanto em Pequim, outro baila uma dança folclórica junto com pessoas.
Este avanço, respaldado por algoritmos de aprendizagem profunda, exemplifica a ambição do país de se tornar líder global de inteligência artificial (IA) até 2030, uma meta traçada em seu Plano de Desenvolvimento de IA de Nova Geração.
Ainda é tendência nas redes sociais o assombro com a atuação de 16 robôs da empresa chinesa Unitree, vestidos com jaquetas acolchoadas florais, junto com bailarinos do Instituto de Arte de Xinjiang, no evento de gala televisionado em comemoração ao Ano Novo Lunar.
Representantes da empresa disseram ao Global Times que estes robôs utilizam tecnologia de controle de movimento de corpo completo impulsionada por IA, capaz de lograr articulações, percepção de profundidade panorâmica e de captar cada movimento no entorno.
Segundo um informe de 2023 do Ministério de Ciência e Tecnologia da China, o país asiático abriga 26% das patentes globais em IA, inclusive mais que os Estados Unidos (18%) e que a União Europeia (12%).
Dados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), informam que entre 2014 e 2023 Pequim apresentou mais de 38 mil invenções relacionadas com inteligência artificial generativa, o que representou aproximadamente 70% do total mundial.
Além disso, empresas como Baidu, Alibaba e SenseTime lideram aplicações que vão desde diagnósticos médicos até sistemas de transporte autônomo.
Investimento e estratégia estatal
Segundo a consultora McKinsey & Company, o mercado de IA na China poderia representar uma oportunidade de 600 bilhões de dólares na próxima década.
De acordo com o informe, a necessidade de trabalhadores capacitados nesta tecnologia no gigante asiático aumentará seis vezes até 2030 para alcançar seis milhões, o que indica um crescente investimento em talento e recursos neste setor.
Este impulso se alinha com o plano “Made in China 2025”, que prioriza a autonomia tecnológica.
“A IA não é só uma ferramenta econômica, e sim um pilar de segurança nacional”, explicou Zhang Wei, do Instituto de Automatização de Pequim.
Em Shanghai, o centro de pesquisa Zhangjiang IA Innovation Hub abriga cerca de 500 startups (empresas emergentes com modelo de negócio inovador, geralmente baseado em tecnologia) que desenvolvem soluções para cidades inteligentes.
De janeiro a outubro de 2024, houve pelo menos 69 eventos de financiamento de robôs humanoides em nível mundial, 56 realizados na China, em que foram arrecadados mais de 11 bilhões de yuanes (1,51 bilhões de dólares), segundo dados da GGII, uma consultora para indústrias emergentes com sede em Shenzhen.
Por outro lado, o desenvolvimento de tecnologias de reconhecimento facial em câmaras públicas, que superam 500 milhões de unidades no gigante asiático, é outro dos usos de IA.
Para as autoridades chinesas, trata-se de uma nova forma de proteger os cidadãos, prevenir crimes e melhorar a eficiência social.
Wang Xiaogang, cofundador de SenseTime, indicou neste sentido que a Inteligência Artificial Geral (AGI) deu lugar a um novo paradigma de investigação baseado em modelos potentes.
Brechas e desafios
Apesar dos avanços, a China enfrenta dependência externa em semicondutores, um insumo crítico para a IA.
Segundo dados da Administração Geral de Alfândegas, em 2024 o país importou um total de 549,2 bilhões de circuitos integrados, o que representa um incremento de 14,6% em comparação com o ano anterior.
O valor total destas importações foi de 385 bilhões de dólares, um aumento de 10,4% interanual.
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Já em 2020, o presidente Xi Jinping enfatizou a necessidade de acelerar o desenvolvimento de tecnologias chave e fundamentais para garantir que o controle das cadeias industriais e de fornecimento esteja firmemente em mãos chinesas.
Além disso, o 14º Plano Quinquenal da China (2021-2025) destaca a inovação tecnológica e a autossuficiência como prioridades estratégicas, com um enfoque particular em áreas como os semicondutores e a inteligência artificial.
Impacto social e econômico
Segundo o informe “Global Artificial Intelligence Study: Sizing the Prize” publicado pela empresa de consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC), calcula-se que a inteligência artificial poderia contribuir com aproximadamente 15,7 trilhões de dólares para o PIB global até 2030.
Deste crescimento, projeta-se que a China representará cerca de 26%, o que equivale a um incremento de cerca de 10,7 trilhões de dólares em seu PIB.
No âmbito do trabalho, a automatização criou novos empregos em setores como a programação e a análise de dados, mas também deslocou trabalhadores em indústrias tradicionais.
Na opinião do economista chinês Liu Wei, a IA está redefinindo o mercado de trabalho e o país necessita de políticas de capacitação para que os trabalhadores se adaptem a esta nova realidade.
De fato, um estudo do Banco Mundial intitulado “A IA deve ampliar as capacidades educativas, não as substituir”, menciona que entre 2% e 5% dos empregos correm o risco de serem completamente automatizados devido à inteligência artificial generativa.
DeepSeek, a resposta ao ChatGPT?

No campo dos modelos de linguagem avançados, a China deu um salto significativo com o DeepSeek, um modelo de IA que compete com tecnologias como ChatGPT da OpenAI, e Bard, do Google.
Desenvolvido pela empresa chinesa DeepSeek AI, este modelo se destacou por sua capacidade de processar informação em mandarim e inglês com alta precisão, e isto o torna uma ferramenta chave para empresas e governos.
“DeepSeek não só é um avanço técnico, como também uma demonstração da capacidade chinesa para inovar em IA”, afirmou Zhang Li, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Harbin.
Segundo dados da empresa, o DeepSeek é utilizado por mais de 10 mil companhias na China para tarefas como atendimento ao cliente, análise de dados e redação de informes.
A nível global, a plataforma começa a se expandir em mercados como o sudeste asiático e a América Latina, onde sua capacidade multilíngue e sua adaptabilidade a contextos locais lhe dão uma vantagem competitiva.
Sua principal vantagem está em ser um modelo de código aberto e gratuito, treinado em apenas alguns meses com um orçamento de apenas seis milhões de dólares, 90% menos do que foi investido pela OpenAI.
Rapidamente se situou entre as aplicações mais baixadas na AppleStore e provocou a queda das ações da Nvidia e de outras gigantes tecnológicas dos Estados Unidos.
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Os baixos custos de DeepSeek sacudiram os mercados de valores em 27 de janeiro último e causaram uma forte queda da Nasdaq, de 3%, com a venda de ações que incluíram os produtores de chips e centros de dados ao redor do mundo.
A produtora de semicondutores Nvidia foi a empresa que sofreu o pior golpe, com uma queda de 17% em suas ações ao longo de um dia, a diminuição histórica mais violenta da empresa.
Comparação global: China versus Estados Unidos
A concorrência em IA é intensa. Enquanto os Estados Unidos lideram em inovação básica e desenvolvimento de algoritmos, a China se destaca na aplicação prática e na escalabilidade destas tecnologias.
Além disso, Pequim consegue avanços significativos na criação de modelos de linguagem de grande escala (LLMs) que competem com os estadunidenses em termos de rendimento e eficiência.
Um estudo comparativo de 2024 avaliou modelos de LLM de ambos os países e destacou que, ainda que o GPT-4-Turbo lidere em contextos em inglês, o modelo chinês Ernie-Bot 4 se sobressai em contextos em chinês.
No entanto, os Estados Unidos continuam sendo líder em investimento privado em IA, com empresas como Google, Microsoft e OpenAI na vanguarda.
Segundo especialistas, a China tem vantagem na implementação massiva de IA, mas a nação do norte continua sendo o centro da inovação disruptiva.
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Por outro lado, o governo chinês começou a implementar regulamentações para garantir um uso responsável da IA.
Em agosto de 2023, a China aprovou medidas para a gestão dos serviços de IA generativa e estabeleceu requisitos para os provedores destes serviços, entre eles, a obrigação de evitar a geração de conteúdos discriminatórios e de não utilizar vantagens em algoritmos, dados ou modelos para manipular os usuários.
Desde outubro de 2021, Pequim aprovou a Lei de Proteção de Informação Pessoal (PIPL), que estabelece normas para a coleta, armazenamento e uso de dados pessoais com o objetivo de proteger a privacidade dos usuários.
Além disso, em 2023, a China apresentou a “Iniciativa para a Governança Global da Inteligência Artificial” na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de promover um desenvolvimento seguro, ético e equitativo da IA.
Esta proposta busca fomentar a cooperação internacional em áreas como a regulamentação de algoritmos, a proteção de dados e a prevenção de riscos associados ao uso militar de IA.
Também inclui a criação de um organismo internacional encarregado de supervisionar o cumprimento de normas éticas e técnicas, assim como a promoção de projetos de IA para o desenvolvimento sustentável.
Neste sentido, Xi Jinping enfatizou a necessidade de um enfoque integral e equilibrado na governança global da IA, com princípios que promovam o desenvolvimento sustentável e a cooperação mundial.

Aspirações
A China aspira a se tornar líder global de IA até 2030, com um enfoque em áreas como a IA quântica, os veículos autônomos e a robótica avançada.
Em 2017 a China apresentou o “Plano de Desenvolvimento de Inteligência Artificial de Nova Geração”, com o objetivo de tornar o país líder mundial em IA até 2030. Este plano estabeleceu metas ambiciosas como levar a indústria de IA a alcançar um valor de um trilhão de RMB (aproximadamente 150 bilhões de dólares) até a data.
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