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Niko Schwarz*
Na VII Cúpula das Américas celebrada no Panamá nos dias 10 e 11 de abril, ficou claro para o mundo o destacado papel da América Latina e Caribe, sua unidade essencial, a defesa da independência e a soberania de cada uma de suas nações, seu rechaço às ações agressivas e a ingerência de Estados Unidos, em suma, a consolidação do continente como uma zona de paz, diferente das demais regiões do planeta. Interessa-nos consignar as opiniões vertidas a esse respeito por uma eminência mundial como Noam Chomsky, recolhidas em entrevista realizada em Massachusetts pela jornalista Isabel Kumar, da Euronews, imediatamente depois do evento.
No essencial, Chomsky reafirma um conceito sustentado em sua intervenção durante o Fórum Internacional Emancipação e Igualdade, realizado em Buenos Aires entre 12 e 14 de março, organizado pelo Ministério da Cultura da República Argentina. Na ocasião, também concedeu uma substancial entrevista Ignácio Ramonet, do Le Monde Diplomatique. Todos esses elementos reunidos permitem precisar sua visão global sobre o tema citado.
Aproveitamos a ocasião para consignar também uma síntese de suas opiniões em relação a outros problemas candentes do mundo de hoje.
Sobre América Latina, suas opiniões são categóricas: “Por primeira vez em 500 anos, América Latina deu passos muito significativos em direção à libertação do domínio imperial. Esteve na vanguarda na luta contra o ataque neoliberal”. Em seu conceito, América Latina avança rumo a sua libertação do imperialismo. “Isto inclui passos muito significativos na integração e no enfrentamento de problemas internos extremamente graves, que tinham impedido um crescimento saudável da que deveria ser uma das regiões mais dinâmicas e prósperas do mundo”, sublinhou.
Ao fazer um reconto histórico, recordou que o plano de Estados Unidos para América Latina era acabar com os agrupamentos regionais. Não obstante, essa ordem estabelecida, em que os EUA se impunha como dono do mundo terminou. Esse país “está agora em uma fase de decadência final”. Agrega que “o isolamento de Estados Unidos e Canadá ficou marcado pelos novos agrupamentos regionais” e considerou que o fato de Washington buscar conversações diplomáticas com Cuba implica uma tentativa de não se isolar completamente da América Latina.
Em referencia direta à Cúpula do Panamá, expressa que “a Conferência no pode chegar a decisões de consenso porque os Estados Unidos e Canadá estavam isolados na maioria dos principais temas”. Um deles era a incorporação de Cuba à organização; outro os passos para reverter a guerra antinarcóticos de EUA; o terceiro, o pedido de apoio à Argentina pelo conflito das Malvinas, e novamente Estados Unidos e Canadá estavam sós em sua posição. Afirma que “tudo isso era inimaginável há uns poucos anos” e que “o isolamento de Estados Unidos e Canadá fica ainda mais marcada pela formação de agrupamentos como a Unasul e a Celac”, reiterando que os passos recentes de Obama para normalizar as relações com Cuba “são estimulados pelo esforço por impedir o isolamento total do que seria nossa região por aqui”.
Chomsky mostrou também o engano estadunidense para justificar a mobilização militar e a ameaça latente de novas incursões bélicas. Desde finais dos anos 1970 essa ideologia se materializou em “um ataque neoliberal, um ataque mundial sobre os direitos humanos”, e em uma engenharia burocrática organizada para proteger os grandes bancos e corporações das recorrentes crises do capitalismo, cujos custos se transferem ao conjunto da sociedade. Avalia que “América Latina ficou na vanguarda da luta contra o ataque neoliberal”.
Em conclusão sobre esse tema, Chomsky formou um chamado a defender a soberania e a unidade de América Latina diante das constantes ameaças a sua soberania e desenvolvimento.
Com o mesmo espírito responde assim à pergunta: “O que lhe dá esperança? (no mundo de hoje): “O que me da esperança é um par de coisas (…) A independência de América Latina, por exemplo, é de importância histórica. Nas recentes reuniões hemisféricas Estados Unidos esteve completamente isolado. Uma mudança radical com relação a 10 ou 20 anos, quando Estados Unidos manejava os assuntos latino-americanos”, E reitera: “De fato, a razão pela qual Obama fez seus gestos com relação a Cuba foi para tratar de superar o isolamento de Estados Unidos. São os Estados Unidos que estão isolados, não Cuba”. No plano das esperanças registra que na Europa “os sinais para o otimismo são Syriza e Podemos na luta contra as políticas econômicas e sociais que resultam da burocracia e dos bancos. “Isso é muito esperançoso”, assevera.
Temas candentes: a humanidade a beira do abismo
Em uma fala prévia a essa reportagem, refere-se a Estados Unidos como a principal potencia terrorista no mundo. Disse que “a pior campanha terrorista no mundo, com muita diferença, é a que está sendo orquestrada em Washington. Essa é uma campanha mundial de assassinatos. Nunca houve uma campanha terrorista nessa escala. A campanha com os drones é exatamente isso. Em grande parte do mundo os Estados Unidos estão sistemática, publica e abertamente realizando campanhas periódicas para assassinar pessoas suspeitas de poder algum dia causar dano ao governo estadunidense. De fato é uma campanha de terror”. Explica que dessa campanha participam vários governos de países do Oriente Médio e Europa onde os suspeitos são vítimas de cruéis torturas.
E acrescentas: “De fato, só há uma região no mundo onde ninguém participou (das torturas): América Latina, o que é bastante dramático. América Latina já está fora do controle de Estados Unidos. Quando estava controlada por Estados Unidos, não faz muito tempo, era o centro mundial da tortura. Porém agora não tem participado da pior forma de tortura. Europa sim participa”.
Chomsky abordou também os dois emas candentes que hoje ameaçam a humanidade: a guerra nuclear e a catástrofe ambiental. Resume suas ideias a respeito nesses termos: “Todos os que temos os olhos abertos compreendemos que a espécie humana está a beira do abismo. Há duas sombras escuras que se juntam: a guerra nuclear e a catástrofe ambiental”. Considera que “para a ameaça das armas nucleares a resposta é eliminá-las”, porém, o que ocorre é exatamente o contrário: o governo de Obama acaba de anunciar um programa de modernização de suas armas nucleares. Com relação ao tema ambiental gerado pela atividade do homem, em particular a extração de combustíveis fósseis, asseverou: “Não está claro que saibamos como superar a catástrofe ambiental, mas é imprescindível abordá-la se é que o homem quer seguir vivendo sobre a terra”.
Sobre este último tema diz em outro lugar: “A espécie humana esteve no planeta 100 mil anos e agora enfrenta um momento sem precedentes. A espécie estará em posição de decidir em poucas gerações se a chamada vida inteligente pode continuar ou está condenada à destruição. Os cientistas reconhecem de forma consensual que deveríamos não utilizar mais combustíveis fósseis se queremos que nossos netos tenham futuro. Porém as estruturas sociais pressionam para espremer cada gota. Os efeitos, as consequências humanas dos efeitos previsíveis da mudança climática não tão distante, são catastróficos e nos aproximamos desse abismo”.
Ha mais sobre o tema nuclear. Este fragmente merece uma transcrição textual.
Pergunta: Em termos de guerra nuclear vemos o futuro desse acordo preliminar com o Irã. Há alguma esperança de que o mundo possa ser um lugar mais seguro?
Resposta: Sou a favor de negociar com o Irã, mas as conversações têm muitas lacunas. Ha dois estados que devastam o Oriente Médio, levando a cabo agressões, violência, terrorismo, atos ilegais constantemente. Ambos são enormes estados nucleares com grandes arsenais. E suas armas nucleares não se tomam em consideração.
Pergunta: a quem se refere exatamente?
Resposta: Estados Unidos e Israel. Os dois são estados nucleares. Quero dizer que há uma razão pela qual, nas pesquisas internacionais, realizadas por empresas estadunidenses, os próprios Estados Unidos são considerados como a maior ameaça à paz mundial por uma margem esmagadora. Nenhum outro países está sequer próximo. É bastante interessante que os meios de comunicação de EU não publiquem isso. Porém, mesmo que o façam, não vai mudar.
Pergunta: O senhor tem o presidente Obama em alta estima. Mas, este acordo com o Irã não o leva a pensar que ele melhorou um pouco? O fato de que está tratando de reduzir a ameaça de uma guerra nuclear?
Resposta: Na realidade não é assim. Acaba de ter início um programa que custa trilhões de dólares para modernização do sistema de armas nucleares de Estados Unidos, o que significa a ampliação do sistema de armamento nuclear. Essa é uma das razão pela qual o famoso relógio do fim do mundo, estabelecido pelo Boletim de Cientistas Atômicos há apenas um par de semanas, aproximou-se mais da meia-noite. É o mais próximo que chegou em 30 anos. Desde o início dos anos Reagan, quando havia uma grande ameaça de guerras.
Pergunta: O senhor mencionou a Estados Unidos e Israel quando falou do Irã. Agora o primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu não que o acordo nuclear com o Irã. Por que?
Resposta: Sabemos por que. Irã tem um gasto militar muito baixo, inclusive para a norma da região; para não compara com EUA. A doutrina estratégica do Irã é defensiva, desenhada para manter a distância um ataque o tempo suficiente para usar a diplomacia; enquanto que os Estados Unidos e Israel não querem tolerar nenhum elemento de dissuasão. Nenhum analista estratégico com dois dedos de testa pensa que Irã usará uma arma nuclear. Inclusive se estivesse preparado para fazê-la o país simplesmente seria pulverizado e não há indícios de que os clérigos governantes queiram ver tudo o que têm destruído.
Pergunta: Acredita que EUA poderia chegar a um acordo perigoso com Israel?
Resposta: Estados Unidos está levando a cabo ações constante que são seriamente perigosas para Israel: apoiar a política israelense. Durante os últimos 40 anos a maior ameaça para Israel radica em suas próprias políticas. Se a gente olha 40 anos atrás, a 1970, Israel era um dos países mais respeitados e admirados do mundo. Tinha montanhas de opiniões favoráveis. Agora é um dos países que mais causam desgosto e são temidos no mundo.
Dito por Noam Chomsky textualmente.
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Montevideu, Uruguai