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Orlando Senna*
A situação da Venezuela é o foco de atenção de toda a América Latina, nos níveis dos governos e organizações políticas e na percepção popular, na importância que as pessoas estão dando ao fato. No xadrez venezuelano duas forças se defrontam: o governo chavista, reeleito em 2012 para o quarto mandato, que vai até 2019, e a oposição, fracionada mas bem alimentada pela grande mídia. Em 2012 Chávez venceu as eleições concorrendo com seis candidatos, com vantagem de mais de 10% sobre o segundo colocado Henrique Capriles.
As vitórias eleitorais de Chávez foram alicerçadas nas suas políticas de transferência de renda e inclusão social, na drástica diminuição da pobreza, e não em seu enfrentamento com os EUA e as corporações midiáticas. Segundo a FAO-Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, da ascensão de Chávez em 1998 a 2012 a pobreza foi reduzida em 50% (uma das metas do milênio da FAO, que só era esperado para 2015).
É a partir desse dado concreto, da comida na mesa, que emerge o apoio popular ao governo de Nicolás Maduro, ao chavismo. Do outro lado do tabuleiro, a grande mídia neoliberal e internacionalizada imputa ao chavismo autoritarismo, cerceamento à liberdade de expressão, cooptação do poder judiciário e má administração da economia baseada no petróleo. O chavismo argumenta com sua política de inclusão e cumprimento da Constituição, a oposição se apoia no perigo da “esquerdização” do país e na situação sufocante da economia. No olho do furacão está a violência genérica (a que existe nas ruas, casas, escolas, bares, estádios, presídios, festas, manifestações, etc), que não diminuiu na Venezuela e sim aumentou, como ocorreu em todos os países do continente. A oposição e a mídia levaram essa violência a uma escala de alta incidência, o governo reagiu, a radicalização se instalou e o número de mortos e feridos cresce dia a dia.
A cisão oposicionista é entre o “moderado” Capriles, que defende os processos eleitoral e jurídico para vencer o chavismo, e o “conservador radical” Leopoldo López, que insinua a possibilidade de uma guerra civil, lidera as depredações e invasões de prédios públicos e está preso. Coroando o cenário turbulento, o governo dos EUA (que tenta sufocar o chavismo desde seu nascimento) exigiu a libertação de López e outros detidos nas manifestações e ameaçou, em caso de desobediência, com “consequências negativas em suas ramificações internacionais”. A consequência imediata foi a expulsão pela Venezuela de diplomatas americanos e interrupção no diálogo com Washington.
Há um fator de enorme importância nessa crise: a ausência física de Chávez, falecido no ano passado. A História ensina que grandes líderes não deixam herdeiros políticos, aí estão os exemplos de Bolívar, Perón, Getúlio Vargas, Allende, Lincoln. Deixam as ideias, mas não deixam substitutos. Não sei até que ponto isso está influenciando a timidez com que os países latino-americanos estão se pronunciando sobre a situação. Cerca de 20 países prestaram solidariedade ao governo de Maduro, deplorando as “tentativas de desestabilizar a ordem democrática” e sugerindo o diálogo com a oposição e a sociedade. Isso também é o que diz o comunicado do Mercosul. Apenas Argentina e Equador manifestaram respaldo irrestrito a Caracas. Maduro sentiu a mudança de tom ao afirmar que “ninguém pode negar que o governo bolivariano esteja dialogando”. Em outras situações envolvendo a Venezuela, a reação regional foi bem mais contundente e favorável.
Não sei mesmo o tamanho da incidência da ausência física de Chávez nesses acontecimentos, mas penso que tanto o governo como a sociedade venezuelanos devem levar em conta essa nova realidade e agir de acordo com ela, somando à herança teórica e simbólica do líder o novo panorama nacional. Para novos cenários, novas estratégias. Mas serão os venezuelanos, e só eles, a decidirem seu destino. Estive falando com amigos venezuelanos nos últimos dias, há muita dor e também muita fé em uma possível pacificação nacional. Aliás, “pacificação nacional” foi a expressão mais usada por Chávez nos dois encontros que tive com ele, em 2005 e 2008. A questão é saber quais os caminhos ou atalhos ou pontes podem levar o belo e bravo povo da Venezuela a uma convivência pacífica e democrática. E também considerar, agora os venezuelanos e todos seus vizinhos, que estamos falando do país com as maiores reservas petrolíferas do mundo, que ascendem a 300 bilhões de barris, uma riqueza que pode sustentar a felicidade de qualquer país.
* Orlando Senna é cineasta, documentarista e colaborador de Diálogos do Sul