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Colômbia acorda com presidente eleito um dia antes da eleição e temor de fraude varre o país

Longe de desestimular o voto, o que as denúncias estão buscando é incentivar uma votação massiva, com a maior diferença possível sobre o segundo candidato para que o fantasma de fraude seja definitivamente expurgado
Vanessa Martina-Silva
ComunicaSul
Jundiaí (SP)

Tradução:

Nas redes sociais colombianas, em grupos de Whatsapp e na militância do Pacto Histórico não se fala de outra coisa que não o risco de uma fraude eleitoral neste domingo (19) e da importância de que as pessoas acompanhem os votos, sobretudo as chamadas testemunhas eleitorais.

Ainda no sábado (18) pela manhã um vídeo da Registradoria — órgão responsável pelas eleições no país — com supostos resultados eleitorais começou a circular nas redes. Nele se vê o ultra-direitista Rodolfo Hernández com 45,75% dos votos e o progressista Gustavo Petro com 45,39%.

Em todo o país, 39 milhões de colombianos estão aptos a votar. A pequena diferença entre ambos, de apenas 79 mil votos, corresponde ao que foi apontado em algumas das últimas pesquisas publicadas no país. Porém, como elas se tornam proibidas uma semana antes do pleito, e o voto não é obrigatório, há muita incerteza sobre os resultados.

Diversos analistas colombianos, no entanto, apontam que a partir das projeções, Petro estaria à frente de Hernández, sobretudo se mulheres e jovens decidirem votar.

Sobre o vídeo vazado, a Registradoria se limitou a dizer que não realiza simulação nem projeção de dados, apenas comunica os boletins oficiais, difundidos a partir do fim da votação.

Porém, o juiz do Conselho Nacional Eleitoral Luis Guillermo Pérez confirmou a veracidade do vídeo, checado junto ao diretor de informática do órgão. A projeção teria sido realizada pela empresa Indra, responsável pelo software, justamente na sala de imprensa da Registradoria.

Somou-se às desconfianças da lisura do pleito o fato de a CNN ter repercutido as mesmas informações apresentadas pela Registradoria, com Rodolfo vencendo as eleições sobre Petro.

Em matéria vinculada em seu site, a emissora estadunidense afirmou que para o primeiro turno das eleições criou um widget (aplicativo) para exibir o resultado eleitoral. A ferramenta, diz a nota, “mostrou automaticamente nesta sexta (17) dados da Registradoria, que substituíram o sistema de dados do primeiro turno e correspondiam aos que apareciam no vídeo”. E acrescentou que “não estava previsto que nesse módulo seriam mostrados dados do teste futuro”.

Diante desses fatos, a CNN, o juiz Guillermo Pérez e integrantes do Pacto Histórico pediram informações para o órgão oficial. Até o fechamento desta reportagem, porém, não foi dado qualquer esclarecimento a esse respeito.

Para o senador eleito pelo Pacto Histórico Alirio Uribe Muñoz, “sim, isso foi uma fraude”, como afirmou em vídeo publicado em seu Twitter no sábado (18). Dias antes, ele já havia chamado a atenção da comunidade internacional para os riscos de não cumprimento da vontade popular.

Em entrevista à ComunicaSul, o advogado Juan Ángel Galeano, especializado em delitos eleitorais e membro da União Patriótica, por sua vez, afirmou que foi normal o teste realizado pela Registradoria. E pondera, “eu, em particular, não acho que se deve estar o tempo todo falando sobre fraude, porque por dizer tanto pode ser que acabe existindo. Me explico: vão ambientando o clima de fraude e isso pode também acionar uma situação violenta no país. É preciso denunciar as situações que sim estão acontecendo”.

Longe de desestimular o voto, o que as denúncias estão buscando é incentivar uma votação massiva, com a maior diferença possível sobre o segundo candidato para que o fantasma de fraude seja definitivamente expurgado

Foto: @milenaria.se
Mulher procura sua mesa de votação durante primeiro turno da eleição presidencial

Em artigo recente, Marina Urrizola, que é analista técnica eleitoral argentina em observatórios nacionais e regionais, destacou que a Missão de Observação Eleitoral (MOE) reconheceu estas eleições como o período eleitoral mais violento dos últimos 12 anos”.

Marta Martín Morán, vereadora da cidade espanhola de Alboraya, advogada, que integra a Missão Transformar a Europa para a observação internacional das eleições presidenciais na Colômbia, avalia, em conversa com a ComunicaSul, que se trata, sobretudo de uma falta de profissionalismo da Registradoria, mas não um problema de fundo.

“A instituição deveria ser mais cuidadosa porque é ela mesma que tem que garantir que não exista nenhum problema na hora de contar esse voto e é a própria instituição que terá que proclamar a campanha vencedora dessas eleições”, observa Morán.

O famigerado Software

No centro de todas as principais suspeitas da campanha progressista está o software que contabiliza os votos na contagem rápida. Cabe esclarecer aqui que, no país, o voto não é eletrônico e os jurados eleitorais têm que preencher três formulários diferentes com informações da votação, que são posteriormente enviados à Registradoria e lá contabilizados.

Formulário E-14 e suas três vias — Imagem: Registradoria

O polêmico registrador Alexánder Vega Rocha disse à exaustão que o processo é confiável, mas não foi permitida a auditoria do software, como ordenou o Conselho de Estado.

Como evidencia o deputado Alirio Muñoz, isso aconteceu “apesar de termos pedido desde outubro do ano passado. A auditoria internacional independente nunca foi feita” e destaca a realização de mais de 50 reuniões com auditores do Pacto Histórico e, mesmo assim, “nunca foi dado acesso a eles. Foi dito que o software era privado e, portanto, não podia ser acessado”.

Galeano acrescenta que o “software é complexo porque nas linhas de algoritmos podem existir códigos que subtraiam ou deem mais votos do que existem”. Como em qualquer outro país onde há softwares envolvidos no processo eleitoral, como no Brasil, é garantida a todos os autores, a auditoria do código para que se possa confiar na lisura do processo.

Urrizola, em seu artigo, elucida como ocorre o processo da contagem dos votos: “a recontagem rápida dá os resultados na mesma noite da eleição, mas não tem validade legal, apenas caráter informativo. A transmissão dessas atas se realiza por telefone, ou seja, o encarregado da tarefa em cada local de votação lê os resultados de cada ata e nos centros de totalização (simil call center), os operadores vão anotando o que foi recebido em uma planilha denominada ‘formato de transmissão de dados’. Esta é escaneada, passando ao software que faz a totalização e a divulgação de resultados. Historicamente, esta recontagem apresenta entre 3 ou 4% de diferença com o escrutínio definitivo, produto da própria precariedade do sistema utilizado”.

A falta de transparência está no centro das preocupações da comissão de observadores europeia que, na última sexta-feira (17) publicou um contundente informe dizendo que nem o governo, nem a Procuradoria está atuando para garantir eleições democráticas e, além disso, estão prendendo e perseguindo jovens lideranças da chamada “primeira linha”, como reportamos aqui e aqui.

Temores e mais temores

Nunca um partido de esquerda ou progressista chegou à presidência da Colômbia, país onde a direita tem fortes raízes territoriais e controla há séculos o poder central. Isso já acenderia um alerta, como denunciamos às vésperas do primeiro turno. Mas, o que faz o tema ser tão quente no país é que nas eleições legislativas de 13 de março realmente houve uma tentativa de fraude eleitoral, com o desaparecimento de 500 mil votos do Pacto Histórico.

Como reportamos aqui, a partir de um processo amplo, delicado e humanamente custoso, testemunhas eleitorais, advogados e militantes do Pacto Histórico, com o apoio de engenheiros contratados pela equipe, conseguiram identificar que em 28 mil seções eleitorais não haviam votos para o grupo político. Como resultado, conseguiram quatro cadeiras a mais no Senado, em um universo de 108, o que em qualquer país do mundo é um dado impressionante. Outros 70 mil estão sendo questionados e podem resultar em mais uma vaga a mais para os progressistas.

Diante de todo o cenário acima desenhado, o juiz Guillermo Pérez pediu, no sábado (18), que fosse imediatamente convocada a Comissão Nacional de Garantias Eleitorais, que deveria ter sido acionada na sexta-feira. Porém, nem o ministro, nem o registrador compareceram à reunião, conta o advogado Galeano.

Dessa forma, na sua avaliação, o registrador Vega está atuando de forma “desrespeitosa e irresponsável”, e pontua que há uma ação política por trás das ações do registrador.

Morán, que integra o Partido Comunista Espanhol / Partido Comunista País Valência e integra o movimento Esquerda Unida, destaca outra preocupação da observação internacional: o comportamento do presidente Iván Duque, cujo partido está apoiando a campanha de Rodolfo Hernández. Porém, “tanto a presidência como autoridades policiais e o alto generalato” entraram nas eleições, assevera.

“A Constituição colombiana deixa claro que essas instituições, tanto a presidência como o Exército, não podem estar na campanha. O que pedimos é que se cumpra a normativa constitucional do país. Consideramos que a presidência deveria cumprir essa regra e não entrar na campanha eleitoral”, diz a observadora.

Cabe registrar aqui que Daniel Quintero foi suspenso do cargo de prefeito da cidade de Medellín, capital do estado de Antióquia, por supostamente realizar campanha a favor de Gustavo Petro, que na ocasião denunciou um “golpe de Estado”.

Compra de votos

Há ainda outro risco evidente já registrado no primeiro turno, como contamos nesta reportagem da ComunicaSul, que é a compra de votos. O tema segue como preocupação da missão internacional.

“Isso é algo que as [missões de] observação internacionais, instituições colombianas e a própria União Europeia têm denunciado”, diz. “Entendemos que é difícil controlar, mas talvez fosse possível fazer um esforço maior por meio da Comissão de Garantias”.

“Em regiões menores, mais distantes, se faz ainda mais difícil controlar esse tema, mas precisamente aí deveria ser feito o esforço para que as pessoas possam exercer seu direito ao voto no candidato ou pela campanha que queiram”, aponta a vereadora de Alboraya.

Colômbia Humana

Diante do apagão de pesquisas e da não realização de debates no segundo turno é difícil prognosticar quem poderá vencer o pleito deste domingo. Porém, Galeano é confiante: “Ganhamos amanhã, com certeza”. Assim, o que o registrador Vega estaria fazendo seria “criar um ambiente de fraude. Em março, quando a campanha de Pacto ganhou em nível nacional [nas eleições legislativas], o que fizeram foi dizer que ocorreu uma fraude”.

“O que temos medo é que agora, ao ganharmos, não nos reconheçam a vitória e haja uma incerteza total de não reconhecimento”, aponta Galeano, que também denuncia que nada tem sido feito pelas autoridades para “combater a campanha suja e as mensagens de pânico” contra a campanha de Petro, do partido Colômbia Humana.

As denúncias que estão sendo realizadas não visam desmotivar o voto, ao contrário, há na campanha progressista a ideia de que se faz necessária uma votação massiva, com a maior diferença possível sobre o segundo candidato para que o fantasma de fraude seja expurgado.

Urrizola avalia que “o processo de Eleições Legislativas da Colômbia apresentou muitos erros, que foram sanados e, a partir disso, produziram-se protocolos para evitar a sua repetição”.

São cerca de 80 mil testemunhas eleitorais registradas pelo Pacto Histórico para garantir a lisura da contagem dos votos. Além disso, a campanha tem seu próprio software e vai realizar uma contagem paralela. Foi esse procedimento de acompanhamento voto a voto que garantiu, segundo Galeano, que não houvesse fraude na votação de 19 de maio.

“Em outras palavras, penso que amanhã os colombianos devem sair em massa para votar e é isso que garantirá uma garantia democrática do resultado final. Em outras palavras, eu acho que não se deve ter medo de que o resultado possa ser alterado”, avalia Marta.

“Que os colombianos e colombianas decidam seu futuro e o futuro do país de forma pacífica e democrática e que este domingo se transforme em uma festa da democracia”, acrescenta a espanhola.

Em suas redes, Petro enviou um recado a todo o país: “a fraude é derrotada inundando as urnas com votos pela mudança. Mulheres e jovens estão agora com a palavra. Se saírem em massa, não haverá fraude. É hora de não perder a esperança. Chegou a hora da vitória”.

Estas eleições já são históricas e a atenção internacional ao que ocorre no país é fundamental, coincidem todas as fontes, para que a democracia se faça sentir no próximo período presidencial.

(*) com colaboração de Felipe Bianchi

*A reprodução deste conteúdo é livre, desde que citada a fonte e a lista de entidades e organizações que apoiam esta cobertura, como no rodapé a seguir.

*A Agência ComunicaSul está na Colômbia cobrindo o segundo turno das eleições presidenciais graças ao apoio das seguintes entidades: Associação dos/das Docentes da Universidade Federal de Lavras-MG, Federação Nacional dos Servidores do Poder Judiciário Federal e do MPU (Fenajufe), Confederação Sindical dos Trabalhadores/as das Américas (CSA), jornal Hora do Povo, Diálogos do Sul, Barão de Itararé, Portal Vermelho, Intersindical, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Sindicato dos Bancários do Piauí; Associação dos Professores do Ensino Oficial do Ceará (APEOC), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-Sul), Sindicato dos Bancários do Amapá, Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Sindicato dos Metalúrgicos de Betim-MG, Sindicato dos Correios de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores em Água, Resíduos e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp Sudeste Centro), Associação dos Professores Universitários da Bahia, Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal do RS (Sintrajufe-RS), Sindicato dos Bancários de Santos e Região, Sindicato dos Químicos de Campinas, Osasco e Região, Sindicato dos Servidores de São Carlos, Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal de Santa Catarina (Sintrajusc); mandato popular do vereador Werner Rempel (Santa Maria-RS), Agência Sindical, Correio da Cidadania, Agência Saiba Mais, Revista Fórum e centenas de contribuições individuais.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Vanessa Martina-Silva Trabalha há mais de dez anos com produção diária de conteúdo, sendo sete para portais na internet e um em comunicação corporativa, além de frilas para revistas. Vem construindo carreira em veículos independentes, por acreditar na função social do jornalismo e no seu papel transformador, em contraposição à notícia-mercadoria. Fez coberturas internacionais, incluindo: Primárias na Argentina (2011), pós-golpe no Paraguai (2012), Eleições na Venezuela (com Hugo Chávez (2012) e Nicolás Maduro (2013)); implementação da Lei de Meios na Argentina (2012); eleições argentinas no primeiro e segundo turnos (2015).

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