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Colômbia: golpe brando contra Petro conecta ultradireita, mídia, judiciário e narcotráfico

Segundo ex-procurador Eduardo Montealegre, ofensiva contra o presidente colombiano se assemelha ao ocorrido no Brasil, no Equador e na Argentina
Camilo Rengifo Marín
Estratégia.la
Bogotá

Tradução:

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, acusou Francisco Barbosa, que está deixando o cargo de procurador-geral, de encabeçar uma tentativa de golpe de Estado sob o manto institucional. Nos 19 meses do mandato de Petro, o procurador ao qual só restam nove dias no cargo usou e abusou de suas prerrogativas a fim de desestabilizar o primeiro governo de esquerda na nação andina.

O presidente Petro e o fiscal Barbosa Neste período, Barbosa emitiu todo tipo de ordens arbitrárias para judicializar o entorno político e pessoal de Petro e impedi-lo de cumprir o mandato que os cidadãos lhe outorgaram nas urnas.

Petro teve que endurecer-se para poder levar adiante as reformas que prometeu durante sua campanha e que pretendem uma transformação social. A estas tentativas resistem não só alguns aliados do Pacto Histórico, a coalizão que o levou ao poder, como gerou uma furibunda contraofensiva dos grupos conservadores, em uma tentativa de golpe brando contra ele.

Barbosa fingiu ignorar os alertas emitidos pelo presidente sobre seus planos conspirativos, e solicitou à Corte Suprema de Justiça (CSJ) que não se deixasse pressionar pelo Executivo em seu papel de escolher sua sucessora. A CSJ deverá escolher o novo procurador entre três nomes enviados pelo chefe de Estado – sendo três mulheres: Angélica María Buitrago, Luz Adriana Camargo Garzón e Amelia Pérez Parra – todas elas com históricos ligados à defesa dos direitos humanos.

Barbosa ocupa o centro da cena política colombiana não só por ter dedicado seus últimos meses no cargo a deslegitimizar e agredir o presidente, como também porque este o acusou no fim de semana de encabeçar um golpe de Estado, em aliança com cartéis da droga. Ao tornar públicas suas denúncias contra Barbosa, Petro chamou seus seguidores e a cidadania a manifestar-se nas ruas, assegurando que chegou o momento da expressão popular.

Como prova de suas afirmações, Petro, indicado para o Prêmio Nobel da Paz, lembrou a suspensão temporária do chanceler Álvaro Leyva, alvo de uma investigação pela licitação de novos passaportes, declarada vazia pelos organismos de controle.

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Segundo ex-procurador Eduardo Montealegre, ofensiva contra o presidente colombiano se assemelha ao ocorrido no Brasil, no Equador e na Argentina

Rebelión
Apoio da justiça e do legislativo aos métodos antidemocráticos facilitam impunidade de eventos inadmissíveis em qualquer Estado de direito

O ex-procurador Eduardo Montealegre disse que a Corte Suprema age como aliada de “forças ocultas” que buscam um golpe brando na Colômbia e está ajudando uma oposição que quer desestabilizar e derrubar o presidente Gustavo Petro.

“O golpe brando não é outra coisa senão utilizar formalmente a justiça para debilitar ou derrubar um Governo eleito popularmente. Já vimos como isso aconteceu no Equador, no Brasil, na Argentina e como tentaram fazer com o atual presidente do México”, explicou Montealegre.

“No caso da Procuradoria-Geral da Nação, vimos como um procurador com ambições desmedidas de poder tornou-se um líder da oposição, outro dos chefes da oposição colombiana. Então, na Colômbia não podemos perder de vista que há forças obscuras que querem desestabilizar o Governo (…); a Procuradoria transformada em um fator de desestabilização porque está fazendo o jogo da ultradireita”, acrescentou.

Claudia Flórez, ministra do Trabalho, escreveu na rede social X: “Alerta máximo! O stablishment vem implementando a cartilha do ‘golpe brando’. A denúncia do presidente Petro deixa evidente a direita mafiosa de sempre. Ante a gravidade, assumimos o apelo à mobilização. O governo popular se defende na rua”.

Setores do narcotráfico, autores de delitos de lesa humanidade, políticos corruptos, parte da imprensa hegemônica e setores corruptos da Procuradoria buscam a saída de Petro, que está há 19 meses na Casa de Nariño. O mais recente destes atos do procurador Barbosa foi a intervenção no sindicato dos professores com acusações de financiamento ilegal para a campanha de Petro, ex-prefeito de Bogotá.

São muitas as gotas que fizeram transbordar a paciência do chefe de Estado, mas a busca na sede do poderoso sindicato de professores para tentar encontrar supostas irregularidades no financiamento de sua campanha eleitoral terminou com um chamado a todas as organizações de direitos humanos, partidos progressistas e sindicatos de trabalhadores da Colômbia e do mundo para que se pronunciem sobre o assédio político contra ele.

Conhecendo a história da Colômbia, é necessário levar a sério as afirmações do presidente, dado que a direita colombiana é uma das mais selvagens e despóticas do continente: historicamente ordenou assassinatos para livrar-se de qualquer um que representasse uma alternativa a seu domínio.

Não se pode deixar de levar em conta que boa parte da classe política que manteve as rédeas do poder até a chegada de Petro defende sem dissimular estas ações e tem vínculos ou simpatiza com os grupos paramilitares que assolaram o país até o começo do século, e que continuam assassinando de maneira sistemática líderes operários, camponeses e ambientalistas, enquanto setores da oposição reivindicam o terrorismo de Estado contra o primeiro governo de esquerda na história colombiana.

Quando o lawfare – a utilização de maquinações judiciais e legislativas para depor mandatários incômodos para os interesses das oligarquias – soma-se a uma ultraditeita propensa à violência, e que além disso conserva intacto seu poder econômico e boa parte do político, o povo deve permanecer alerta e dar todo apoio ao governo eleito pelos cidadãos.

Mas, lamentavelmente, milhões de colombianos que foram intoxicados por décadas de omnipresente propaganda conservadora por meio dos meios de comunicação hegemônicos, propriedade dos principais grupos econômicos, apoiam o recurso à violência para sufocar movimentos sociais progressistas, erradicar qualquer política que “leve ao comunismo”, e impor os interesses de uma oligarquia obcecada com as mais atrasadas ideias de status e submissão das maiorias.

Certo é que o apoio e a aquiescência de procuradores, juízes, legisladores e uma significativa parcela da sociedade aos métodos antidemocráticos daqueles que detêm o poder econômico facilitaram a impunidade de eventos inadmissíveis em qualquer Estado de direito.

Quando Petro acabara de assumir o cargo, uma equipe de segurança foi baleada em uma região que o presidente visitaria dias depois; em janeiro de 2023, um artefato explosivo foi colocado no caminho que leva à casa da vice-presidenta Francia Márquez, ativista de longa trajetória e primeira pessoa afrodescendente em chegar a este posto. Márquez já tinha sofrido um atentado com granada e fuzis em 2019 devido a seu trabalho em defesa do meio ambiente.

Em março do ano passado, o diretor da Unidade Nacional de Proteção (UNP) da Colômbia, Augusto Rodríguez, foi vítima de um ataque do qual saiu ileso. Em maio, o ex-diretor da Associação de Oficiais Reformados das Forças Armadas (Acore), John Marulanda, assegurou que os efetivos na reserva farão o melhor para defenestrar um tipo que foi guerrilheiro, referindo-se ao Presidente, que pertenceu ao M-19.

Em seus 19 meses de governo, Petro conseguiu baixar o desemprego de 13,7% para 9% da população, pôs em funcionamento a “Matrícula Zero” para os aspirantes a entrar nas universidades públicas do país, baixou a inflação, revalorizou o peso colombiano, entregou cerca de 100 mil hectares de terras compradas, doadas e/ou recuperadas a camponeses.

Seu governo também recuperou o turismo, ampliou a gratuidade na educação superior, que permitirá aceder gratuitamente às escolas de formação das Forças Militares e da polícia, apreendeu mais de 1.100 toneladas de droga, tornou transitável a Rota do Sol, e reduziu o desmatamento em mais de 30%.

Camilo Rengifo Marín | Economista e docente universitário colombiano, analista associado ao Centro Latino-americano de Análise Estratégica (CLAE, www.estrategia.la)
Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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