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ToggleAgora que deixou o governo Bolsonaro, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro parece redescobrir os benefícios do Estado de direito e da liberdade de imprensa que, ele próprio, contribuiu para colocar em risco. “Não devemos nos esquecer disso.” A advertência é do cientista político Gaspard Estrada, diretor executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe (OPALC) da Sciences-Po, de Paris.
Em sua coluna no The New York Times – um dos maiores jornais do mundo –, Estrada propõe um exercício de memória. E observa que o mesmo Moro que se afasta do bolsonarismo mergulhou nas águas que hoje levam a democracia brasileira ao perigo.
“A Justiça e os cidadãos não devem parar de questionar (e investigar) os métodos de Moro em sua cruzada anticorrupção quando ele era juiz e seu silêncio e cumplicidade quando ele era membro do governo Bolsonaro”, destaca o cientista político.
Palácio do Planalto
Uso político da Justiça
Estrada lembra que antes da chegada do ex-ministro ao gabinete de Bolsonaro, Moro já “dava sinais claros de não respeitar o Estado de direito”. Como juiz da Operação Lava Jato, ele inaugurou o uso político da Justiça. Condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por “atos indeterminados”.
Quando todo o esquema arbitrário foi exposto pelo jornalista Glenn Greenwald, no que ficou conhecido como Vaza Jato, Moro respondeu adotando a mesma estratégia de Bolsonaro sobre a imprensa livre. Intimidou quem protestasse contra seus métodos, associando-os a criminosos e tentando destruir evidências.
Contudo, “hoje conhecemos sua ideia do Estado de direito: conluio entre o juiz e a promotoria, seletividade nas investigações, manipulação de reclamações e motivações financeiras por trás da faixa ‘anticorrupção’“, ressalta o cientista político.
Calado e aliado: o capanga
Agora, quando Moro acusa Bolsonaro de querer politizar a justiça, ao tentar interferir na Polícia Federal para obter informações de investigações em andamento, “faríamos bem ver a ironia”, destaca Estrada. Ele recorda que o ex-ministro que se calou “diante de vários ultrajes democráticos”.
Como quando o próprio presidente da República disse que Moro deu informações privilegiadas sobre operações da PF em curso. Ou ainda quando Bolsonaro começou a intervir nos principais organismos estaduais para controlá-los. Até a sugestão do então ministro em reduzir os poderes de inspeção do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).
Destituído do governo que ajudou a eleger, Moro limitou-se a pedir desculpas ao Supremo. O analista finaliza seu artigo com uma sugestão. “Se o próprio Moro quis defender a democracia do país para impedir que os reveses autoritários aprofundassem a distopia brasileira, ele deveria desistir de suas ambições políticas e reconhecer que a corrupção não pode ser combatida usando métodos corruptos. Um pedido de desculpas não é suficiente.”
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