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Com 190 línguas em risco de extinção, riqueza cultural do Brasil corre risco de desaparecer, diz Unesco

A grande maioria delas são indígenas. Mas também se falam línguas afro-brasileiras, línguas de sinais, e ainda línguas de imigração
Thaís Seganfredo
Nonada
São Paulo (SP)

Tradução:

Com quantas línguas se faz um país? No caso do Brasil, atualmente são faladas mais de 300 línguas de diferentes raízes. A grande maioria delas, 274, são indígenas. Mas também se falam línguas afro-brasileiras como o iorubá, línguas crioulas na fronteira com o suriname, línguas de sinais, como a LIBRAS, e ainda línguas de imigração, nas comunidades de imigrantes japoneses, poloneses, venezuelanos, bolivianos e italianos, só para citar algumas. 

Esse conjunto de saberes não se refere apenas a sons e fonemas, mas também faz parte do mosaico de culturas do Brasil. “A língua guarani, por exemplo, tem certas denominações específicas para cores, além de outras características. Então os guaranis designam o mundo e o veem de um jeito que eu, como não-falante da língua, não enxergo”, ilustra o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Cléo Vilson Altenhofen, doutor em Germanística pela Johannes Gutenberg-Universität de Mainz (Alemanha) e um dos principais pesquisadores da área no Brasil.

Toda essa riqueza cultural, no entanto, corre risco de desaparecer. Segundo mapeamento da Unesco, 190 línguas faladas no Brasil estão em risco de extinção. No mundo todo, o número de idiomas classificados como “em perigo” corresponde a 2.465

Segundo Cléo, há entre muitos linguistas o pensamento de que preservar essa diversidade é tão importante quanto preservar a biodiversidade

“Por que é importante preservar uma língua? Poderíamos perguntar também por que é importante manter uma espécie animal ou vegetal. Nós somos responsáveis pela vida assim como somos responsáveis pela herança cultural”, pondera o professor, integrante do Colegiado Setorial de Diversidade Lingística do Rio Grande do Sul.

A valorização e a preservação das línguas faladas no Brasil motivaram a criação de políticas públicas, movimento que já era defendido há décadas pelos especialistas da área e que foi institucionalizado em 2010 pelo Iphan, com o lançamento do Inventário Nacional de Diversidade Linguística (INDL). 

O objetivo do INDL é pesquisar as línguas e reconhecê-las oficialmente como patrimônio cultural, o que contribuiria para que elas não desaparecessem.

A grande maioria delas são indígenas. Mas também se falam línguas afro-brasileiras, línguas de sinais, e ainda línguas de imigração

PNUD Brasil
No Brasil, atualmente são faladas mais de 300 línguas de diferentes raízes.

O trabalho, no entanto, está muito longe de terminar. Até o momento, das centenas de línguas faladas no país, o Brasil reconheceu oficialmente como patrimônio cultural, sem considerar a Língua Portuguesa, apenas sete: a língua Asurini, cujos falantes habitam a Terra Indígena Trocará, em Tucuruí (PA), a língua Guarani M’bya, identificada como uma das três variedades modernas da língua Guarani, as línguas Nahukuá, Matipu, Kuikuro e Kalapalo, falada na região do Alto Xingu (MT), e o Talian, formado a partir do contato de distintas línguas originárias da região do Vêneto, na Itália e presente no interior dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso e Espírito Santo. 

Outras línguas estão em processo de inventário e posterior reconhecimento, como a LIBRAS, o Hunrüsckisch (hunsriqueano) – falada por descendentes de imigrantes alemães – e a Língua Pomerana, falada pelo povo pomerano, reconhecido como comunidade tradicional. 

Pesquisadores de universidades como a UFRGS e de organizações sem fins lucrativos como o IPOL estão à frente dos projetos. Em 2016, o Iphan lançou um Guia de Pesquisa e Documentação, voltado a especialistas e a comunidades de falantes, com o objetivo de “orientar as comunidades sobre o processo de reconhecimento de suas línguas como Referência Cultural Brasileira”.

O processo de pesquisa, dadas condições como a dimensão continental do Brasil, é mesmo demorado. No entanto,  a falta de recursos a nível Federal e a antipolítica cultural do governo Bolsonaro são apontados como empecilhos para o avanço do trabalho. 

Segundo Cleo, “o inventário é um recurso que nos últimos anos está sofrendo. Mas vemos que a colaboração das universidades é um auxílio, pois conseguimos engajar vários jovens nas comunidades de falantes e também instrumentalizar formando gestores. Nossa luta junto com o Iphan e outros pesquisadores é no sentido de ampliar o conhecimento sobre essas línguas”, destaca.

Embora a realização dos inventários e o reconhecimento do plurilinguismo esteja atrelado ao Iphan e à secretaria especial de Cultura, os especialistas defendem que haja atuação do governo também em outras frentes como a educação. Nesse sentido,  a conscientização e formação do corpo docente acerca da importância do plurilinguismo seriam ferramentas possíveis.

Outra demanda dos pesquisadores é pela inclusão do tema no Censo do IBGE, para que seja possível mapear quantos falantes de outras línguas existem no Brasil e onde eles estão. 

Hoje, apenas as línguas indígenas são tema do levantamento, mas o plurilinguismo já era pauta de pesquisas nas décadas de 1940 e 1950, principalmente devido à política getulista, que instituiu a proibição de se falar idiomas estrangeiros em público. 

“Em um contexto em que as línguas eram reprimidas, se queria saber se as políticas de nacionalização iam surtir efeito”, explica o professor. “Eu pleiteio uma política linguística dialógica. Tanto o falante da língua majoritária como o da minoritária não podem achar que tudo se reduz à sua língua. A pluralidade é normal e constitui os direitos civis, políticos e culturais”, defende.

Para o professor, “como costumamos defender, no âmbito da Comissão de Línguas Ameaçadas (CLAme) da ABRALIN (Associação Brasileira de Linguística), e no âmbito do Colegiado Setorial da Diversidade Linguística (SEDAC/RS), precisamos urgentemente documentar/inventariar, reconhecer, salvaguardar e promover o estudo e revitalização desse patrimônio cultural imaterial.

Infelizmente podemos contar nos dedos as línguas em segurançamoribundas e entregues à própria sorte. Há muito por fazer.”

Projetos-piloto 

O decreto que instituiu o INDL teve como embasamento alguns projetos-pilotos de pesquisa e reconhecimento de algumas línguas faladas no país. 

Os trabalhos estão em andamento, com financiamento do Fundo de Defesa de Direitos Difusos – CFDD, no âmbito do Ministério da Justiça, e do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial – PNPI, no âmbito do MinC/Iphan. Outros, como o Atlas Linguístico-Contatual das Minorias Alemãs na Bacia do Prata (ALMA), coordenado por Cleo, são realizados por universidades ou por órgãos da sociedade civil.  

Projetos financiados pelo governo:

1) Levantamento Sócio-lingüístico e Documentação da Língua e das Tradições Culturais das Comunidades Indígenas Nahukwa e Matipu do Alto-Xingu

Proponente: Museu Nacional/UFRJ, Bruna Franchetto

2) INDL – Inventário da Língua Guarani-Mbyá

Proponente: IPOL

3) INDL – Inventário da Língua Ayuru

Proponente: Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG

4) A Língua Asuriní do Tocantins: projeto-piloto para a metodologia geral do INDL

Proponente: Universidade de Brasília (UnB)/Laboratório de Línguas Indígenas (LALI)

5) A Libras no Nordeste: um levantamento linguístico das variantes usadas nas comunidades de surdos de João Pessoa-PB e Recife-PE

Proponente: LAFE/UFPB E UNICAP

6) Para um Inventário da Língua Juruna

Proponente: UNESP – Faculdade de Ciências e Letras – Araraquara

7) Inventário da Diversidade Cultural da Imigração Italiana: o talian e a culinária

Proponente: Universidade de Caxias do Sul e Instituto Vêneto

8) Levantamento Etnolingüístico de Comunidades Afro-brasileiras: Minas Gerais e Pará

Proponente: Universidade de São Paulo – USP 


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Thaís Seganfredo

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