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Foto: UNRWA / X

Com ataque à ONG, Israel sentencia milhões de palestinos a morrerem de fome

Netanyahu cortou o único canal que restava destinado a levar e repartir alimentos à população no da catástrofe
Blanche Petrich
La Jornada
Cidade da Guatemala

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Com o ataque do exército de Israel que, nesta segunda-feira (1), matou sete trabalhadores humanitários da única equipe de colaboradores que se atreveu a romper o bloqueio na Faixa de Gaza com uma insólita ponte humanitária para levar e repartir alimentos à população no meio da catástrofe, o governo de Benjamin Netanyahu cortou o único canal que restava para evitar que milhões de palestinos morram de fome.

Em entrevista telefônica desde o porto de Lárnaca, Chipre, Oscar Camps, fundador e diretor da Organização Open Arms, entende assim a mensagem que Israel envia com essa ação: “com esse ataque, com 200 colaboradores internacionais e 130 jornalistas assassinados em Gaza anteriormente, a mensagem é: queremos terminar esse genocídio com a fome, sem testemunhas e sem ajuda. Primeiro botaram para fora de Gaza as agências internacionais, incluídas as da ONU. E agora atacam o comboio da World Central Kitchen (WCK), a única organização que estava dando comida neste momento. Porque, sim, a fome é uma arma”.

– Uma frota com 400 toneladas de alimentos teve que dar meia volta sem poder entregar a ajuda às pessoas que estão morrendo de fome. Mas é que não são só essas 400 toneladas. Há 2 mil toneladas esperando nas bodegas de Lárnaca, para serem transportadas em outras viagens. A comida que pode salvar milhões de pessoas está a menos de 250 milhas.

– E isso ocorre justamente quando a ONU declara uma situação de fome geral iminente em Gaza, algo que poderia ocorrer em junho se o bloqueio continuar (se considera situação de fome geral quando dois adultos ou quatro crianças morrem por desnutrição a cada dia).

– É assim. Foi aberto um corredor que ia ser bastante escalável. Devido ao sucesso que tivemos na primeira missão e como ia marchando nesta segunda, tudo se via para que fosse crescendo. Começava a despertar muito interesse. Várias ONGs com frotas de barcos disponíveis também pediram autorização ao governo israelense. Penso que Israel soube disso e decidiu fechá-lo. Isso, creio eu. Embora quem sabe o que pensam nesse governo. O que estão fazendo é tão desumano que é difícil que um humano saiba o que eles estão pensando.

As últimas fotos desde o píer

Entardecia a segunda-feira, 1º de abril, quando Camps, desde a ponte do rebocador, tirou as últimas fotografias das manobras de descarga na frente do pequeno cais sobre a praia de Gaza, em Deir al-Balah. Desde o alto do píer, o polonês Damián Sobol (35 anos) estende os braços despedindo-se; a australiana Zomi faz um último gesto de abraço, o palestino Saiffedim e os demais sorriem. Foram suas últimas fotos em vida.

En Deir Balah, voluntarios de World Center Kitchen Em Deir Balah, voluntários da World Center Kitchen construíram um quebra-mar com os escombros de prédios bombardeados para descarregar a ajuda na ausência de um porto. Lá, os sete trabalhadores humanitários tiraram sua última foto antes de partir para Gaza. Do alto, o polonês Damien Sobol estende os braços em sinal de despedida; o australiano Zomi faz um gesto de abraço, enquanto o palestino Saiffedim e os outros sorriem. Todos os sete foram mortos na última segunda-feira pelas forças israelenses (Foto: Open Arms)

Neste ponto da costa de Gaza, a equipe inteira do WCK terminou as operações de desembarque e armazenamento. Uns se dispunham a seguir com uma segunda e terceira descarga, a dos barcos Jenifer, com bandeira dos Emirados Árabes, e o rebocador Hidra. Outros grupos de voluntários se retiraram em três veículos. No teto de cada automóvel havia um grande logo da ONG, com sua simpática frigideira de cores. As autoridades israelenses conheciam passo a passo seu plano de trabalho e seus movimentos. Eles mesmos o haviam autorizado após um exagerado escrutínio e quantidade de condições que foram acatadas. O comboio de três veículos não havia percorrido nem dois quilômetros quando foi atacado pelo ar. Três certeiros morteiros israelenses mataram sete deles.

“Havíamos estado conversando com eles. Nos despedimos com muitos abraços. Esse primeiro passo havia saído muito bem. Subimos ao rebocador que nos levou ao barco, ancorado a 25 milhas daí. E ouvimos as explosões. Nunca nos imaginamos o que havia sucedido. Já na madrugada, quando tivemos Internet, soubemos que os haviam matado”, relata um Oscar Camps devastado.

“De imediato recebemos a ordem: abortar a Operação Safeena. O Jenifer e o Hidra, os outros dois da frota, deram meia volta com a carga de comida às costas”.

Dupla para salvar vidas

O marinheiro e socorrista Oscar Camps e o chef José Andrés, ambos catalães, haviam trabalhado juntos em uma missão similar quando explodiu a guerra na Ucrânia. Com todas as fronteiras fechadas, a única forma de levar alimentos era pelo Mar Negro e pelo rio Danúbio e seus afluentes. A dupla Open Arms – WCK executou aí quatro missões.

Em novembro do ano passado, Camps recebeu uma chamada do famoso chef.

– O que diz? Fazemos isso? – perguntou o cozinheiro, dono de vários restaurantes por todo o mundo e autor de celebrados livros de cozinha.

– Pois me parece quase impossível. Não há portos abertos agora. E há 20 anos que não se tenta uma ponte marítima para a Palestina – respondeu o marinheiro, dedicado há dez anos de corpo e alma ao resgate de imigrantes náufragos que cruzam o Mediterrâneo da África à Europa.

– Bem, deixa-me tentá-lo – contestou o chef, que alimentou a população em situação de desastre, desde os furacões Katrina em Nova Orleans, Otis em Acapulco, até em situações de conflito, como no Haiti ou na Ucrânia. José Andrés, presidente da WCK, e além disso o assessor da Casa Branca para assuntos alimentares, têm excelentes contatos pelo mundo todo.

Oscar Camps, diretor da Open Arms, condenou o ataque à WCK, a única organização que entrega alimentos em Gaza. (Foto: Open Arms)

Em 20 de dezembro, eles se inteiraram de que Israel autorizaria a abertura de um corredor humanitário marítimo desde Chipre para Gaza. “Quando vimos essa notícia dissemos: Bom, é melhor nos mover”. A Open Arms, um barco velho, mas resistente, pôs a proa para Larnaca.

“Uma vez em Chipre começamos as pressões políticas. Havia problemas técnicos porque em Gaza não havia nenhum porto para desembarcar. E aí é onde José Agostín entra com toda sua inventiva. Idealizamos uma plataforma de grandes dimensões que aceita a carga e cerca a costa”. Na praia se construiu um pequeno cais, um píer que sai até alcançar os dois metros de profundidade. Diante da falta de materiais, os voluntários de WCK usaram escombros dos edifícios bombardeados. E assim, a partir de umas 20 milhas, a nave pode rebocar com suas embarcações auxiliares a plataforma até o píer, onde a equipe de trabalho em terra com gruas pode descarregar.

Já com essa solução técnica, José Andrés se deslocou a Israel, falou com o Ministério das Realções Exteriores, com todas as autoridades que foram necessárias, lhe deram uma espera de quatro semanas; voou a Amã para falar com o rei da Jordânia. Israel exigiu que se modificasse o plano. Aceitaram, fizeram todas as mudanças necessárias, admitiram todas suas condições de revisão e supervisão. E um dia com bom mar empreenderam a primeira viagem.

O primeiro operativo foi um sucesso. Sob vigilância da marinha israelense, Open Arms acercou-se ao píer 200 toneladas de comida – havia uma boa quantidade de tâmaras, já que eram os dias de Ramadã e com isso se quis levar um pouco de alívio também espiritual aos muçulmanos em situação de desastre – e os trabalhadores de WCK puderam levar suas 60 cozinhas comunitárias instaladas no norte de Gaza, as comidas salvadoras.

Diante do sucesso obtido, planejou-se uma segunda viagem, a Operação Safeena. E de repente, sete assassinatos cortaram de um talho a ilusão de salvar vidas.

– Que se vai fazer mais adiante? Haverá uma estratégia para retomar o projeto?

– É muito cedo para falar disso. Estamos todos de luto. Acabam de tirar os corpos de nossos companheiros pelo Egito. Estamos esperando explicações, investigações. Hoje nos reunimos todos a bordo do barco, todos juntos e não podíamos nem falar, só chorar e abraçar-nos.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Blanche Petrich

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