O presidente está se preparando para anular o exercício mais básico da democracia formal nos Estados Unidos, e por ora, ninguém o está brecando. Todos os conscientes (e até alguns semiconscientes) comentam isso todos os dias. É a nota principal nos meios.
Mas é assombroso neste ataque contra o sagrado exercício democrático é que tão fraca a defesa do que este país proclama por todo o mundo durante pelo menos um século e meio: que este país é o exemplo da democracia no universo e farol de liberdade no planeta.
Mas seu próprio presidente e seus cúmplices estão declarando que as próximas eleições serão ilegítimas e talvez nulas.
O passo mais recente foi impor um mega doador de Trump como novo diretor do sistema de correios com a missão explícita de sabotar suas operações através das quais, neste ano de pandemia, será realizado em grande parte o sistema de voto por correio para reduzir a necessidade de comparecer às urnas.
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O presidente e seus cúmplices estão declarando que as próximas eleições serão ilegítimas e talvez nulas
Sem nenhuma evidência, Trump tem declarado que o voto pelo correio levará à eleição “mais corrupta e fraudulenta da história do país”. Esta é só uma das várias manobras para suprimir e questionar o processo, incluindo uma série de disputas legais que poderiam postergar por semanas os resultados finais.
Apesar de que ninguém pode descartar que Trump descarrile as eleições e se recuse a reconhecer os resultados, inclusive até enviar forças federais a certos estados para provocar uma crise eleitoral, não há no momento uma convocatória de forças para defender o voto e a Constituição.
El coronel Lawrence Wilkerson, que foi a mão direita do ex-secretário de Estado Colin Powell, tem insistido que há uma real probabilidade de que Trump se recuse a deixar o poder. Ele e um grupo de especialistas já estão avaliando os possíveis cenários e sublinhou que por ora se supõe que os militares, sobretudo os altos mandos, se manterão em seus quartéis, ou seja, não participarão na pugna, mas adverte que não sabe o que acontecerá se Trump se atrever a convocar suas bases armadas para sair às ruas a defendê-lo.
Tudo isto enquanto sob o batuta de Trump o país é o mais contagiado do mundo pelo coronavírus. Os Estados Unidos superaram agora os 5 milhões de casos – a quarta parte do total mundial – com mais de 160 mil mortes – 80% das quais eram evitáveis se o governo federal houvesse agido de maneira adequada desde o início.
Enquanto isso, os multimilionários do país continuam multiplicando suas fortunas para dezenas de milhares de dólares durante uma pandemia na qual a grande maioria está enfrentando desemprego em massa, a perda de sua moradia e fome.
“Ao final, a peste nos atingiu a todos. Não foi confinada ao Oran de Camus. Não, apareceu de novo na América, reproduzindo-se no adubo da avareza e na inutilidade e no assassinato. Naqueles lugares onde os estadistas e os generais depositam os corpos dos sempre jovens. A peste correu no sangue de homens em trajes finos, que se lançaram para a presidência prometendo vida e entregando morte… O bacilo se moveu entre nós, matando essa velha América onde os imigrante prenderam um milhão de sonhos na sombra das pontes… e através da neblina da peste, grande parte da arte murchou-se em jornalismo. Os pintores deixaram seus cavaletes para desenhar sua inocência sobre muros e manifestos… Pobre América… Terra onde morreram os poetas”.
O grande jornalista Pete Hamill escreveu este texto para acompanhar o disco Blood on the Tracks de Bob Dylan há 45 anos e ao continuar conta que não pereceram todos os poetas assinalando que Dylan “nos deu voz…. Quando morreu nossa inocência para sempre, Bob Dylan converteu esse momento em arte”…
Hoje em dia os poetas e seus cúmplices estão criando a arte com a qual convidam a salvar este país.
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David Brooks. correspondente de La Jornada em Nova York
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Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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