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Com pandemia, enfraquecimento dos Estados tem provado ser um autêntico suicídio

As relações indecentes entre capital e política nunca haviam sido tão postas em evidência como tem sido por esta atual pandemia
Carolina Vásquez Araya
Diálogos do Sul Global
Cidade da Guatemala

Tradução:

Que nós nos vamos a contagiar, parece ser fato inevitável. Que alguns de nós vamos morrer, também. De fato, estamos assistindo na primeira fila um acontecimento capaz de pôr em xeque nossa capacidade de sobrevivência, mas também – e muito importante – nossa sensibilidade humana, nosso sentido comunitário e nossa forma de enfrentar a incerteza com relação ao futuro, algo tão alheio a nossas expectativas. A pandemia que tem paralisado o mundo revela as falências com relação à capacidade de ciência e da medicina – cujos avanços não parecem suficientes diante do ataque de um vírus desconhecido -, mas também a falta de certezas sobre os mecanismos por trás das decisões transcendentais das quais depende a vida humana.  

Os sistemas que têm regido nossos países durante mais de um século – e suas estruturas de base com um claro caráter colonialista – se distinguem pela concentração de poder e pelas restrições de acesso à educação para a maioria, com o propósito de blindar esse poder e manter afastada qualquer tentativa de democratização e participação popular no âmbito político. O neoliberalismo levou o sistema ao extremo, consolidando suas estruturas ao impedir o desenvolvimento econômico das camadas mais necessitadas e convertendo-as em um viveiro de mão de obra básica sem oportunidade de progresso, mas muito necessário para assegurar o incremento de sua riqueza. 

As relações indecentes entre capital e política nunca haviam sido tão postas em evidência como tem sido por esta atual pandemia

Milícia. Ilustração: Pedro Franz
Os jogos políticos em época de crise colocam em risco a vida de milhões de pessoas.

Os governantes postos no poder pelas elites, portanto, respondem a consignas ditadas pelos interesses corporativos e tomam decisões consensualizadas com seus patrocinadores. Este é o cenário em plena pandemia: políticos alheios ao bem comum com o poder de decidir sobre a vida de milhões de seres humanos, tudo isso com base na proeminência do sistema econômico. Para estas cúpulas, a Covid-19 foi a panaceia. Calaram-se os protestos, impôs-se o medo, e o fluxo dos recursos para atender a crise sanitária é moderado de acordo com estratégias elaboradas a portas fechadas. 

Em síntese, a vida dos povos do terceiro mundo – e também dos primeiros, segundo se pode observar – encontra-se atada a decisões divorciadas do mais básico conceito humanitário, dependente de quanto se poderá evitar a redução dos grandes capitais mesmo que para isso deva pôr-se em risco a vida dos trabalhadores. Como música de fundo, utiliza-se o meio midiático e o universo virtual para confundir conceitos, divulgar informação inexata, incitar o rechaço de grupos vulneráveis e expor cenários de terror cujo impacto provoca uma conveniente paralisia social. 

As relações indecentes entre capital e política nunca haviam sido tão postas em evidência como neste parêntesis, cujos limites e extensão são ainda uma incógnita. Nesta emergência sanitária de proporções globais, a destruição da infraestrutura estatal – com tudo o que isso implica – programada e perpetrada às costas dos povos, constitui a prova palpável de que o sistema político e econômico predominante é, mais que uma estratégia capitalista, um autêntico suicídio e sobretudo uma ameaça às possibilidades de desenvolvimento de nossos países. 

Nestes dias ficou visível o esqueleto frágil de um sistema depredador, cujas falácias caem por seu próprio peso diante da evidência palpável de sua incapacidade de resposta a uma crise humanitária. O mundo tem que mudar, mas também a nossa percepção da realidade. Esta pandemia parece ser parte de uma guerra e nós, simples carne de canhão. 

O enfraquecimento dos Estados tem provado ser um autêntico suicídio.

Carolina, Vásquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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