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Janela dos Mil Dias: Um projeto vital para a infância da Guatemala, carente de recursos e marginalizado por falta de interesses do governo
Carolina Vásquez Araya*
Como uma oportunidade para reduzir a mortalidade materno-infantil foi lançada, em 2013, com grande pompa, a Janela dos Mil Dias, iniciativa respaldada por organismos internacionais e cujo objetivo é satisfazer as necessidades nutricionais de mães e seus bebês desde a etapa da gestação, porque “a desnutrição em crianças menores de dois anos tem efeitos irreversíveis no desenvolvimento físico e mental, e é um atentado contra o futuro de uma sociedade”, como observou a doutora Guadalupe Verdejo, representante da OPS/OMS. Muito tempo passou desde então e essa estratégia nunca prosperou.
A infância guatemalteca é o último dos elos da corrente. A ela chegam apenas as migalhas do banquete e às vezes nem sequer isso. Como prioridade zero, tampouco os programas destinados a favorecê-la têm uma fiscalização estrita e, por isso, o desvio de fundos destinados ao desenvolvimento integral da infância passa abaixo do radar.
Quando se fala de corrupção se costuma focar o objetivo nos detalhes do saque sem colocar o dedo no problema central que é a consequente impunidade. Ou seja, o pagamento pelos delitos contra a integridade das instituições fica como tarefa pendente enquanto a cidadania volta sua atenção para outro escândalo e mais outro, sucessivamente, perdendo o fio essencial da ação da justiça para os que já foram manchetes de primeira página.
Desse modo vão se acumulando as dívidas perante a lei, um nó górdio capaz de entorpecer durante décadas toda a intenção de avançar no trabalho da justiça e na reparação dos danos cometidos contra a população, especialmente a de menos recursos. E assim como sucede no caso deste programa tão valioso para as novas gerações, acontece com outros de maior ou menor impacto e fica no imaginário social a ideia da impossibilidade de lutar contra a impunidade, porque ela já é parte de uma subcultura, imperando em todos os âmbitos.
O não cumprimento do programa dos Mil Dias poderia ser catalogado como um crime de lesa-humanidade ao condenar um numeroso grupo de mães e crianças a uma desnutrição forçada, privando a todas de seu direito ao que muito claramente garante a Constituição Política da República da Guatemala em seu Artigo 1º “Proteção à pessoa. O Estado da Guatemala se organiza para proteger a pessoa e a família; seu fim supremo é a realização do bem comum.”
Se ficar alguma dúvida, o Artigo 2º insiste: “Deveres do Estado. É dever do Estado garantir aos habitantes da República a vida, a liberdade, a justiça, a segurança, a paz e o desenvolvimento integral da pessoa.”
Muitos escândalos enchem as manchetes, Inúmeros casos de corrupção, alguns quase anedóticos e outros de dimensões grotescas prendem a atenção da cidadania. No entanto, a perda de capacidades físicas e mentais de milhares de crianças de menos de dois anos ocasionada por falta de nutrientes e pela baixa qualidade de vida, fica marcada só em estatísticas tão frias como insuficientes caso se deseje dimensionar o problema para que termine definitivamente.
O país ficou marcado como um dos mais não cumpridores dos objetivos mundiais destinados ao desenvolvimento integral da pessoa. Entretanto, não é unicamente por sua incapacidade para empregar os fundos destinados a programas sociais, mas também porque os orçamentos fluem para destinos alheios e fora da vista pública. Deter o regime de impunidade é tarefa de todos, mas também o é restaurar a confiança nas instituições garantidoras do estado de Direito.
A infância foi prioridade dos governantes durante as campanhas eleitorais, mas desde então, nunca mais.
*Colaboradora de Diálogos do Sul, da Cidade da Guatemala