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Foto: Caroline Ferraz / Sul21

Combater violência exige reabilitação digna de detentos, educação e igualdade social

É preciso desenvolver a noção da solidariedade em todas as pessoas e reeducar condenados nas prisões por meio do trabalho produtivo e da cultura
Jorge Rendón Vásquez
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

O pertencimento a uma sociedade cria um conjunto de direitos a obrigações aos quais todos devem ater-se e com maior razão todos são essencialmente iguais ante as leis que se dão para conviver em sociedade. 

O direito subjetivo ou de cada pessoa implica a titularidade, ou a posse de um bem, ou de um serviço, ou a expectativa de recebê-lo de outros. Reciprocamente, a obrigação consiste na abstinência de privar aquele de seu direito ou na exigência de entregar-lhe o bem que lhe houvesse dado ou seu equivalente ou de prestar-lhe o serviço ao que se comprometeu. De ali que não haja direito sem obrigação, sem obrigação sem direito. Ambos são termos unidos, contrapostos e equivalentes. 

Entre os direitos fundamentais dos seres humanos se encontram a vida e a integridade física e mental, e a propriedade. 

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Há, no entanto, pessoas que se inclinam a não cumprir as correspondentes obrigações inerentes a esses direitos. E isso quer dizer que os privam de seus direitos ou os vulneram de diversos modos. Em outros termos, lhes tiram a vida ou os ferem e se apoderam de seus bens contra sua vontade. 

A humanidade evoluiu na consideração e aplicação das sanções a esses infratores. Nos primeiro tempos as sanções se basearam na lei de Talião pelo qual se uma pessoa havia matado a outro devia também ser privada da vida, ou se lhe havia causado um dano corporal deveria ser objeto de outro dano igual, ou se lhe devia algo se lhe desapoderava de uma quantidade de bens equivalente para dar ao titular do direito ou se não os tinha era recluído em uma prisão ou se lhe impunha certos trabalhos forçados

Durante muitos séculos, a pena de morte lhes foi aplicado a quantos cometiam delitos contra a vida, a propriedade e a autoridade dos reis ou se apartavam dos dogmas religiosos. Cabe supor que quando na localidade alemã de Hamelin, perto de 1200, se viram obrigados a contratar um flautista que lhe assegurou que tocando sua flauta se levaria as ratas que assolavam esse território e as afogaria no rio, como diz o conto. O flautista de Hamelin, do que, na realidade, se tratava era de exterminar os ladrões. 

Pós-Revolução Francesa

Depois da Revolução Francesa de 1789, a sociedade, sem renunciar à pena de morte pelos delitos contra a vida, preferiu privar da liberdade por certos períodos aqueles que houvessem infringido os direitos de outros, embora condicionando sua aplicação a certos procedimentos que deviam ser seguidos ao pé da letra. Desde meados do século XX começou-se a abandonar a pena de morte pela privação da liberdade

Depois apareceu uma tendência que associou a privação da liberdade dos infratores à ideia de sua correção para convertê-los em pessoas de bem. Alguns criminalistas e penalistas de cátedra estimaram que a criminalidade podia ser reduzida, apelando a uma mudança na consciência dos infratores, associado ao tempo que passaram nas prisões. 

No entanto, com este método, não se obtiveram os resultados esperados e a criminalidade aumentou e, em alguns países, inclusive muito desenvolvidos econômica e culturalmente, em proporções incontroláveis. Por quê?

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Em primeiro lugar, porque em toda sociedade há uma porcentagem de pessoas que tendem a cometer delitos contra as pessoas, a propriedade, o Estado ou a sociedade em geral; matam, ferem, se apoderam da propriedade alheia, extorquem, traficam com produtos proibidos, ou fazem, em geral, o que alguma lei proíbe. 

A isso se agregam as insuficiências educativas e de formação, a corrupção, a pobreza, as doenças mentais e a necessidade que predispõem ao delito a certo número de pessoas. Também intervém o ambiente favorável de certas sociedades à promoção do delito. Tal o que ocorreu em certos Estados cuja população de todos os estratos sociais e idades foi habituada ao consumo de drogas, criando um grande mercado altamente rentável apesar dos riscos. Não se sanciona neles o consumo de drogas que é a causa, mas sua produção e comercialização, de costas à economia de mercado na qual a demanda cria a oferta.  

Outro florescente viveiro do delito é a confisco ilegal dos recursos do Estado, a exação aos particulares por políticos e funcionários de todo nível e a morte e abusas contra as que protestam, valendo do exercício do poder. 

Reflexos das sociedades com altos níveis de criminalidade

Como um reflexo das sociedades com altos níveis de criminalidade, a literatura e o cinema fizeram dos delitos e dos criminosos seus temas preferidos e, agora, quase únicos. Os criminosos, suas técnicas e artimanhas são os atores principais frente aos quais os detetives e policiais só triunfam por algumas disposições reitores desses relatos. Vendo esses filmes e séries ou lendo essas novelas muitos espectadores e leitores não podem ocultar suas simpatias pelos maus e seu desejo de que tenham êxito. É evidente que alguns ou muitos deles se predispõem, ainda sem adverti-lo, a incursionar na aventura do delito. É como a droga, cuja primeira dose pode prender para sempre no cenário dessas sociedades em decadência. 

A privação da liberdade dos criminosos não tem resolvido o problema da criminalidade. Pelo contrário, as prisões, cheias sem limites, continuam sendo ambientes de barbárie e aperfeiçoamento de uma grande parte dos reclusos. Prescindindo dessa realidade, no Peru os legisladores continuam acreditando absurdamente que aumentando as penas, incluso por delitos mínimos, se reduzirá a criminalidade. É o oposto; ele aumenta e, em consequência, leva os políticos com essas ideias, que controlam o Estado, a preferir a construção de cárceres em lugar de escolas. 

Desembocamos em uma situação na qual os criminosos se converteram em pensionistas do Estado, posto que este os alimenta e alberga gratuitamente, sem contar os gastos em policiais, promotores, juízes e pessoal auxiliar. Junto a eles se desenvolveu extraordinariamente a indústria de defesa jurídica dos criminosos, pelo número destes e a elevada taxa de ganância que reporta, uma profissão cujo êxito e respeitabilidade, para alguns, se mede pela quantidade de criminosos que logram liberar ou impedir que os condenem.

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Há muitos anos, um advogado penalista, já bastante obeso, mas que em seu tempos de rebelde estudante universitário havia sido muito magro, me disse que a liberdade custava. Embora não tenha me dado mais explicações, eu o entendi. Para começar, quando me disse isso, cada trâmite de liberdade condicional custava não menos de dez mil dólares e os criminosos, sobretudo narcotraficantes, os tinham ou mandavam procurar tal quantia aos seus cúmplices em liberdade. Também, por esse tempo, um presidente da República, igualmente obeso, se dedicou a indultar narcotraficantes com o empenho e cooperação dos seus colegas de partido nomeados com seus auxiliares. 

Não há estatísticas da quantidade de delitos e criminosos, detidos, com processos em curso, que duram uma eternidade, e condenados, nem da relação entre o número de agentes do Estado ocupados na segurança e no processamento dos criminosos e o número destes. Talvez, em algum momento, todos eles cheguem a consumir a maioria do orçamento público sem a obrigação de devolvê-la.

Diante da insuficiência do Estado, já é possível advertir a privatização da proteção: serviços particulares de vigilância e investigação, aparatos de detecção de intrusos e alarmes, intermediários na negociação, licenças para adquirir armas e legítima defesa. Nos Estados Unidos, pela Constituição, todos podem comprar e portar armas.

Lógica do encarceramento 

Com a lógica de encerrar aos criminosos para suprimir o delito nas ruas, o presidente da República de El Salvador Bukele os tem posto nas prisões por milhares, desde os mais perigosos, recrutados pelas maras (bandos) até os ladrões de pouco monta. E teve êxito. O delito desapareceu em El Salvador. Não poderá, no entanto, retê-los para sempre. Quando cumpram sua condenação, a justiça os libere ou seu governo termine, recuperaram sua liberdade sem que Bukele possa assegurar que sairão redimidos. Portanto, o problema só foi envasado enquanto ele estava no governo. Sabe disso sua sociedade ou prefere ignorá-lo enquanto desfruta de um momento de tranquilidade?

Já se pronunciaram contra Bukele certos defensores dos direitos humanos, baseando-se no pressuposto de que esses criminosos devem respeitar os direitos humanos de suas vítimas. E este é o tema central da convivência social. Os direitos humanos são de todos, e o delito implica a violação absoluta dos direitos de outras. A partir disso fica entendido que a criminalidade é o afastamento da convivência social. Quando em começos do século XX, se debatia no parlamento da França a abolição da pena de morte, uma dos deputados que se opunha convenceu seus colegas dizendo. Nos pedem que renunciemos à pena de morte. Eu lhes digo que os assassinos renunciam primeiro a ela. A pena de morte foi abolida naquele país recém em 1981, por proposta do ministro de Justiça Robert Badinter, durante o governo de François Mitterrand.

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Em conclusão, o exame da criminalidade deveria ser recolocado como um tempo conjunto de Sociologia, Psicologia, Economia, Pedagogia e Direito, ou seja, com um tema fundamental da Ciência Política. O Direito, neste caso, é um tema final e complementar que aporta a casuística delitiva. A classe, causas e duração das penas correspondem à Ciência Política especializada na criminalidade. 

O montante de criminalidade na sociedade poderia ser reduzido elevando o nível de educação da população, dando a ela maior igualdade distribuição da riqueza produzida, elevando a formação dos agentes dos Estados como servidores da sociedade, instalando e desenvolvendo a noção da solidariedade em todas as pessoas e reeducar condenados nas prisões por meio do trabalho produtivo e da cultura

Se não se recorrer a estes ou outros métodos similares e a criminalidade se desbordasse no futuro, talvez a sociedade se veja obrigada a encontrar outros flautistas de Hamelin.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jorge Rendón Vásquez Doutor em Direito pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos e Docteur en Droit pela Université de Paris I (Sorbonne). É conhecido como autor de livros sobre Direito do Trabalho e Previdência Social. Desde 2003, retomou a antiga vocação literária, tendo publicado os livros “La calle nueva” (2004, 2007), “El cuello de la serpiente y otros relatos” (2005) e “La celebración y otros relatos” (2006).

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