Há 20 anos da grande rebelião contra a globalização corporativa que explodiu em Seattle em 30 de novembro de 1999, suas canções, consignas e internacionalismo hoje estão presentes na luta política-eleitoral e de justiça social dos Estados Unidos, onde talvez a corrente mais dinâmica das forças anti-neoliberais atreve a se chamar de “socialismo democrático”.
Mas talvez o maior legado de Seattle é o potencial – e a necessidade – da solidariedade global entre norte e sul dentro de um movimento de justiça.
Essa oposição ao modelo corporativo da globalização em Seattle tinha seus antecedentes em diversas lutas em outras partes do mundo – a insurgência zapatista em Chiapas, África do Sul, Filipinas, Coreia, Índia e mais- mas na América do Norte nasceu em resposta à proposta do tratado de livre comércio que atualmente aparentemente está para ser substituído por outro que é essencialmente mais do mesmo.
The Seattle Times
O confronto entre manifestantes e a polícia em Seattle em 1999
De fato, pode-se dizer que a luta contra o TLCAN – definido como “o cadeado das políticos neoliberais” – não só foi a primeira em ter uma dimensão trinacional, senão que os diversos atores sociais nunca haviam conseguido abrir o tema da política econômica internacional como assunto chave no debate popular nos três países. Até então, esses tratados, convênio e acordos neoliberais sempre se haviam feito no escurinho.
Depois de Seattle, as cúpulas neoliberais buscaram fazer seus encontros em lugares remotos ou atrás de fortalezas para se defender daqueles que se insistia seriam beneficiados. A Organização Mundial do Comercio se refugiou em Doha para a seguinte rodada (embora a organização tenha estado mortalmente ferida desde Seattle, tanto por dentro como por fora). A Cúpula das Américas foi em Quebec em abril de 2001 em uma sede protegida pelo muro antigo (3.8km de comprimento, 3 metros de altura) que rodeia parte do centro histórico e milhares de agentes de segurança. O conceito medieval de proteção dos representantes do hemisfério ocasionou uma resposta igualmente medieval: os ativistas construíram enormes catapultas de madeira que rodaram para o muro e quando se deu a ordem de ataque – provocando tensão entre os agentes de segurança do outro lado – as catapultas abriram fogo lançando ursinhos de pelúcia.
Os movimentos altermundistas neste país continuaram nutrindo o potencial de uma nova solidariedade internacionalista real entre setores do povo estadunidense e suas contrapartes em outros países. Algo sem precedentes, diante de um inimigo comum: as forças neoliberais transnacionais que estavam aplicando as mesmas políticas contra os povos no norte e no sul.
A ira, mas também o festejo da resistência que marcam esses novos encontros nas ruas se podia ouvir na música. Rage Against the Machine era um dos grupos mais escutados em Seattle, e pouco depois, na Cúpula do G8 em Gênova, onde uma das vozes do altermundismo marcou a resistência que tanto assusta às cúpulas [https://www.youtube.com/watch?v=qurdD37ofk4https://www.youtube.com/watch?v=lwRED_-8nVc].].
Essas canções e cantores, o toque de milhares de tambores e panelas, continuam sendo escutados. Depois de um intervalo nos Estados Unidos provocado pelo 11 de Setembro, a resistência feroz à agenda neoliberal continuou, surpreendendo a todos aqui com a breve mas poderosa explosão de Ocupa Wall Street em 2011 [com novas canções e velhos cantores] com veteranos de Seattle educando novas gerações e hoje em dia uma maioria dos jovens dizem favorecer o “socialismo”, o que para eles significa justamente o oposto ao neoliberalismo.
Agora os jovens estão advertindo os demais que diante da sentença de morte para o planeta representada pela ordem neoliberal atual, se requer uma rebelião sob a mesma consigna que retumbou em Seattle há duas décadas: “outro mundo é possível”.
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