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Como os Estados Unidos estão atuando para influir nas eleições da América do Sul?

Depois de através da Lava Jato influir nas eleições no Brasil, os EUA tentam agora o mesmo na Bolívia, Uruguai e Argentina
Juan Manuel Karg
Página 12
Buenos Aires

Tradução:

Primeiro foi Evo Morales: o presidente boliviano, em entrevista publicada neste final de julho, denunciou que os Estados Unidos enviaram agentes de inteligência ao país, com a missão de se reunirem com a oposição ao seu governo, visando as eleições que se realizarão no próximo mês outubro. “Quero que saibam que o Departamento de Estado dos Estados Unidos está enviando seus agentes de inteligência. Estamos informados que estão se reunindo com alguns comitês partidários. O que estão planejando? Que mentira estão inventando desta vez?”, questionou o Chefe de Estado, que costuma se enfrentar publicamente com o país norte-americano e sua agenda anti-imperialista, desde antes de chegar ao governo.

Depois foi a vez de Rodolfo Nin Novoa, chanceler do Uruguai: ele afirmou, dias atrás, que os Estados Unidos “estão se metendo na campanha eleitoral” uruguaia – visando as eleições, que também acontecem em outubro. O que provocou a declaração do ministro e membro da Frente Ampla? A decisão dos Estados Unidos de emitir um alerta aos turistas que visitam o Uruguai, com respeito à insegurança no país. “É claro que o tema da segurança faz parte da campanha eleitoral no Uruguai. Há um plebiscito instalado (sob a consigna `Viver sem medo´) para reformar a Constituição e endurecer as medidas para combater o delito, que é um dos eixos da campanha do Partido Nacional (de direita)”, recordou Nin Novoa, vinculando a campanha da direita com o anúncio de Washington.

É interessante outra frase de Novoa para mostrar porque acredita que os Estados Unidos tentam impor uma mudança de governo no Uruguai. “Não tenho nenhum outro dado (para comprovar o afã estadunidense de intervir) além da história dos Estados Unidos nos últimos 50 anos”, disse o chanceler, com grande poder de síntese.

Embora tenha razão em dizer que o histórico é muito grande, não era preciso ir tão longe: o ex-presidente brasileiro Lula da Silva, em suas recentes entrevistas na prisão de Curitiba, vem denunciando o envolvimento do Departamento de Justiça dos Estados Unidos com o ex-juiz Sérgio Moro, algo que pode ser visto com sutileza nos chats vazados pela série de reportagens do jornalista Glenn Greenwald. Moro, que condenou Lula à prisão em 2017, agora é ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro, o presidente que chegou ao Palácio do Planalto principalmente pelo fato de que seu principal adversário não pode participar, já que estava preso. Também vale recordar a sequência completa dos fatos, para perceber melhor o absurdo que foi aquela eleição no país mais importante do continente, que também foram em outubro, mas de 2018.

Depois de através da Lava Jato influir nas eleições no Brasil, os EUA tentam agora o mesmo na Bolívia, Uruguai e Argentina

Página 12
Governo Trump busca influir no resultado das eleições em países da América do Sul

Na Argentina, a conivência do atual presidente do país com os Estados Unidos vem de longa data: o jornalista Santiago O´Donnell documentou como Macri, quando era prefeito de Buenos Aires, pedia à embaixada dos Estados Unidos que exercesse maior pressão sobre Néstor Kirchner, e reclamava que Washington era um ator “passivo e permissivo” com o ex-presidente, algo que está registrado nos cabos vazados pelo WikiLeaks. O histórico direto relacionado com esse cenário é o da histórica Cúpula das Américas de 2005, em Mar del Plata, que terminou com o fim do projeto da ALCA (Acordo de Livre Comércio das Américas). Na ocasião, Kirchner teve uma atuação destacada como anfitrião, junto com o brasileiro Lula da Silva e o venezuelano Hugo Chávez. Depois de mais de uma década de kirchnerismo, Macri chegou finalmente à Casa Rosada: se vinculou primeiro com Obama, depois apoiou Hillary Clinton e, após sua derrota, se abraçou rapidamente com ao trumpismo, de forma irreflexivo e incondicional, devido à necessidade de que este o apoie na missão de resgatar a economia do país da quebra, com a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Tendo em vista esses exemplos, e refletindo sobre o que acontece na Bolívia e no Uruguai, e o que aconteceu no Brasil no ano passado, surge uma pregunta crucial: como os Estados Unidos estariam atuando na decisiva eleição da Argentina, cujo primeiro turno também se realizará em outubro, e que pode alterar a correlação de forças a nível regional? É tarefa do mundo acadêmico e jornalístico investigar rigorosamente, e responder essa pergunta sem vacilações.

Uma resposta que será decisiva para o futuro de uma democracia que não está sendo tutelada no próprio país. Nestas eleições presidenciais, a Argentina não só definirá quem se sentará na cadeira mais importante, mas também se haverá, a partir dessa decisão, uma margem de autonomia para o país neste mundo que caminha para uma confrontação cada vez mais nítida entre os Estados Unidos e a China, como mostra a escalada da guerra comercial e uma possível guerra de moedas. Pelos exemplos que temos visto neste artigo, e como parte dessa mesma disputa com a China, os Estados Unidos parecem estar decididos a ter um papel cada vez mais ativo – e amplamente questionável – na nossa região. Os latino-americanos precisam estar cientes da missão de derrotar esse intervencionismo.

Ou será que a Argentina poderá se tornar, novamente, a ponta-de-lança de uma grande mudança no cenário geopolítico regional, como foi naquela derrota de Bush e seu projeto em 2005, em Mar del Plata?

Juan Manuel Karg é acadêmico do Instituto de Investigações Gino Germani, da Universidade de Buenos Aires (UBA) – Faculdade de Ciências Sociais.

*Publicado originalmente no Página/12 | Tradução de Victor Farinelli 

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Juan Manuel Karg

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