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ToggleA vitória de Jair Bolsonaro (PSL) nas eleições presidenciais intensificou o clima de tensão entre Brasil e Venezuela. Às vésperas do segundo turno, o filho do futuro presidente, Eduardo Bolsonaro, ameaçou entrar em guerra com o país vizinho, alegando diferenças políticas e ideológicas.
Apesar das diferenças políticas, analistas e um funcionário do corpo diplomático venezuelano consultados pelo Brasil de Fato descartam um confronto armado entre os países da região.
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Fronteira do Brasil com a Venezuela sofreria os primeiros impactos caso ocorram mudanças na relação entre os dois países / Defesa.net
Hipótese de um conflito armado convencional é muito distante
“Não creio que haja intenção nem possibilidade de haver um conflito armado com nenhum vizinho da Venezuela nesse momento. A Venezuela e a Colômbia têm uma relação muito conflitiva, no entanto, a hipótese de um conflito armado convencional é muito distante. Não é um cenário descartável, mas não é iminente. Com o Brasil, essa possibilidade é mais remota ainda”, opina Luis Quintana, professor de geopolítica da Universidade Militar Bolivariana da Venezuela, conhecida por ser a Universidade onde o ex-presidente Hugo Chávez se formou.
Para o analista internacional, a Venezuela não representa nenhuma ameaça ao Brasil ou aos estados fronteiriços. “Os fluxos migratórios em Roraima perturbam a normalidade do norte do Brasil, entretanto não é algo que ameace a integridade do Estado brasileiro, até porque o norte do Brasil está bastante desconectado dos grandes interesses econômicos do país”, destaca o professor universitário.
Em conversa com o Brasil de Fato, um alto funcionário da chancelaria venezuelana afirmou que a posição do governo da Venezuela nesse momento é de cautela em relação ao futuro mandatário brasileiro. “Vamos esperar para ver qual serão os movimentos do governo de Jair Bolsonaro. De nossa parte, vamos tentar manter a estabilidade das relações. A Venezuela não será a primeira a 'chutar a mesa”, disse o integrante do corpo diplomático, que pediu para não ser identificado.
O professor de geopolítica Luis Quintana também reforça esse ponto de vista. “Não partirá da Venezuela nenhuma iniciativa, retórica ou prática, contra o governo do Brasil. Por mais diferenças que haja entre os dois, não será o governo venezuelano o que vai ascender a chama de um conflito”.
O presidente eleito brasileiro, Jair Bolsonaro, disse, nessa segunda-feira (5), que “vai adotar medidas contra o governo da Venezuela”. No entanto, afirmou que o Brasil deve continuar recebendo imigrantes venezuelanos. “O governo federal tem que tomar medidas contra o governo Maduro, e não apenas acolher [os imigrantes] e deixar que se resolvam as coisas naturalmente. Não se resolve naturalmente. [Mas] Nós já temos uma série de problemas internos aqui”, afirmou Bolsonaro durante entrevista coletiva em Brasília.
Uma intervenção militar agora seria complicada
Segundo o professor Mauricio Blanco, que ministra aula de política internacional na pós-graduação de Filosofia da Guerra, também na Universidade Militar Bolivariana, isso já significa uma moderação no discurso do presidente eleito em relação ao país vizinho. Em campanha eleitoral, Bolsonaro havia defendido a adoção de duras sanções contra o governo venezuelano, classificado por ele como uma “ditadura”. Além disso, o deputado federal, Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito, chegou a dizer que o pai poderia exercer “controle do fluxo migratório” na fronteira com Roraima.
“A questão da intervenção militar na Venezuela é um tema que está sendo discutido, mas não há uma decisão tomada sobre isso. Além disso, o Brasil tem uma longa fronteira com a Venezuela e um importante intercâmbio comercial. Uma intervenção militar agora seria complicada, inclusive para a própria economia do Brasil”, afirma Blanco.
O Brasil e a Venezuela compartilham 2,1 mil quilômetros de fronteira, o que representa a terceira maior extensão fronteiriça brasileira. Já a balança comercial entre os dois países é favorável ao Brasil, gerando um superávit. Outro fator de peso na relação é a dependência energética do estado de Roraima da eletricidade fornecida pela empresa estatal venezuelana.
De acordo com Luis Quintana, o que também deve ser levado em conta para a não ocorrência de um conflito armado é que o Ministério de Relações Exteriores do Brasil possui certa independência e sua própria tradição diplomática. “O Itamaraty tem fama mundial por ser autônomo, portanto, nem sempre acompanha as pretensões do governo de turno. O Itamaraty sabe ser flexível e moldar-se às necessidades do processo regional, isso vai permitir atenuar a agressividade que é característica do próximo presidente brasileiro”, explica.
A declaração do futuro ministro de Defesa no governo de Jair Bolsonaro, o general Augusto Heleno, reforçou a tese de que as relações com o governo venezuelano serão respeitosas e de não fechamento da fronteira. “Quem conhece a fronteira da Amazônia sabe que não vai fechar. É uma proposta que não é realizável, é uma proposta utópica. Não vai fechar”, disse Heleno, na segunda-feira (5).
Perda de liderança
“Por ser uma figura de polarização na região e que gera muita controvérsia, Bolsonaro não tem condições de liderar nenhum processo político em bloco na América Latina”. Isso é o que avalia o professor venezuelano Luis Quintana, que complementa: “Evidentemente Bolsonaro não terá o mesmo papel de liderança na região como tiveram os governos do PT. Além do que é um presidente que desdenha a região”.
O analista político Maurício Blanco frisa ainda que Bolsonaro terá que resolver primeiro temas internos. “Ele terá que acomodar seu governo e articular um alinhamento com todos os partidos tradicionais”. Quintana segue na mesma linha e avalia que o novo governo brasileiro terá que “administrar os muitos conflitos internos que sua gestão vai gerar e isso permitirá ao Itamaraty uma maior margem de manobra”.
A chegada de Bolsonaro à Presidência do Brasil representa o ponto mais alto do crescimento da direita na região, opina Blanco, mas isso deve passar por um refluxo e retroceder nos próximos anos. “As políticas antipopulares vão gerar uma reação contrária da população, como já está acontecendo na Argentina, contra o presidente Maurício Macri”, ressalta o especialista em política internacional.
*Revisão e edição: João Baptista Pimentel Neto