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Congresso Bolivariano dos Povos reúne venezuelanos para discutir saída para crise

O evento reuniu milhares de pessoas na Universidade Nacional Experimental de Segurança (UNES), em Cátia, bairro periférico de Caracas
Michele de Mello
Desacato
Caracas

Tradução:

A Venezuela é desses países em se vive a sensação de que algo muito importante pode acontecer a qualquer momento e, no final do dia, tudo terminar ainda mais tranquilo do que quando começou. Em poucos dias, o país atravessou uma nova tentativa de golpe liderada por Juan Guaidó, um 1º de Maio com marchas multitudinárias e, ao final da semana, a volta da tranquilidade.

Também é a Venezuela o país onde, quando se intensificam as crises econômica e política, o governo chama o povo para dialogar e decidir os rumos a seguir. Essa é a proposta do Congresso Bolivariano dos Povos, que ocorreu durante o final de semana (4 e 5), em Caracas. O evento reuniu milhares de pessoas em três espaços: um encontro entre prefeitos e governadores, outro entre militantes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e, por último, uma reunião entre representantes dos 54 movimentos sociais e organizações de base chavistas de todo o país.

A convocatória para o Congresso foi realizada na quinta-feira (02/05), pelo presidente Nicolás Maduro. “Devemos avançar em todas as frentes: por um lado, fortalecer a união cívico-militar para derrotar todas as conspirações, e por outro, converter a imensa força popular que demonstramos diariamente, em força produtiva que gere riquezas que a pátria necessita”, afirmou o mandatário.

A Universidade Nacional Experimental de Segurança (UNES), em Cátia, bairro periférico de Caracas, foi o local escolhido para a reunião dos movimentos sociais. Militantes dos 24 estados do país estão reunidos desde sábado (4) para debater propostas de “retificação” da Revolução Bolivariana. Nesta segunda-feira (06/05), todas as propostas levantadas durante o final de semana serão apresentadas ao presidente Nicolás Maduro no encerramento do Congresso dos Povos.

O evento reuniu milhares de pessoas na Universidade Nacional Experimental de Segurança (UNES), em Cátia, bairro periférico de Caracas

Michele de Melo / Brasil de Fato
Entrada da UNES, onde cerca de 2500 pessoas se reúnem para debater propostas dos movimentos sociais para a Revolução Bolivariana

Entre os corredores cobertos de símbolos patrióticos e com as cores da Venezuela, os grupos de trabalho se dividiram em setoriais de juventude, moradia, mulheres, indígenas, saúde, comunas, trabalhadores, e movimento estudantil. Em cada sala de aula foi escolhido um relator que ganhou um laptop Canaima – produção nacional – para compilar as propostas discutidas. 

Estudantes secundaristas recolhem as propostas do seu setor para o presidente Maduro. Usam o Canaima – latptop de produção nacional (Foto: Michele de Mello / Brasil de Fato) 

Todos os participantes foram cadastrados com o seu cartão da Pátria, o que significa que fazem parte de um sistema nacional que possibilita participação em programas sociais, bônus e recebimento das cestas básicas da rede de Comitês Locais de Abastecimento e Produção, os CLAP.

Andy Zambrano, de 17 anos, é secretário geral da Federação Venezuelana de Estudantes de Educação Média (FEVEEM) e um dos 2,5 mil participantes do Congresso.

Questionado sobre os acontecimentos da última semana, Zambrano explica que para os estudantes “não foi nenhum susto”. “Já estamos acostumados a esse show mediático, que internacionalmente afirmem que outro governante já assumiu o poder, enquanto na verdade não é assim”, argumenta.

Vestido com o uniforme padrão de colégios públicos venezuelanos, Andy explica que a Federação representa cerca de 10 mil estudantes venezuelanos, que, assim como ele, querem o melhor para o país. “Não podemos dizer que tudo está perfeito, tudo tem um ponto fraco. Nossa principal proposta é de que todo o sistema educativo seja voltado para construir um país produtivo. O objetivo é fazer da Venezuela uma potência”, afirma.

Andy (com o microfone) junto com outros estudantes em entrevista à TV venezuelana. (Foto: Michele de Mello / Brasil de Fato)  

Comuna ou nada

Incrementar a produção para superar o bloqueio econômico. Essa foi a avaliação de Petra Tovar, representante da Comuna “Zamora Vive, Terra e Homens Livres”, que abriga cerca de 16 mil pessoas. “A salvação da Venezuela está nas Comunas e nos Conselhos Comunais. E por que dizemos isso? Porque nas Comunas temos território e nesse território vamos produzir. Em vez de ser uma das multinacionais que produziam na Venezuela e condicionavam nosso sistema produtivo, agora será um modo de produção criado por esta revolução, com consciência e horizonte socialista”, assegura Tovar, que também é deputada na Assembleia Nacional Constituinte pelo estado Anzoátegui

Somente entre as comunas, foram realizadas 1680 assembleias preparatórias para o Congresso. As comunas são uma forma de organização territorial, em espaços urbanos ou rurais, que parte do princípio de que tudo deve ser de propriedade de todos – do comum.

A proposta veio do ex-presidente Hugo Chávez, em 2012, durante um discurso que ficou conhecido como “Golpe de Timón”, que destacou os erros que a Revolução Bolivariana teria que corrigir. Nesse dia surgiu a máxima “Comuna ou nada”, como horizonte para a construção do “socialismo do século XXI”, defendido pelo comandante. Logo depois, em 2013, já no governo de Nicolás Maduro, foi criado um Ministério de Comunas e aprovada a Lei Orgânica das Comunas, que define seu funcionamento e estrutura interna.

Uma das principais reivindicações do setor é a inclusão dessa forma de unidade produtiva no Código de Comércio, para eliminar as travas legais que impedem aumentar sua participação na economia nacional. Sem essa mudança na Constituição, comuneiros não têm direito a importar matéria prima a preços calculados com dólar subsidiado pelo Estado, o que encarece o produto ou até mesmo impede o cultivo.

Petra Tovar: “Podemos mais, porque temos todas as riquezas na Venezuela. Somos dependentes hoje porque essa política econômica se instalou no nosso país há mais de 200 anos. Mas não temos que importar, temos toda a matéria prima. Se temos matéria prima, temos a terra e a potencialidade humana, o que mais necessitamos? É para isso que existem as comunas” (Foto: Michele de Mello / Brasil de Fato)  

Atualmente, 2200 comunas registradas no país, produzem cerca de 10% dos produtos de consumo nacional, como milho, hortaliças e grãos, mas Petra garante que esse valor poderia ser muito maior.

As mulheres são a cara da revolução

Anahí Alizmendez, jornalista e representante da direção nacional da União de Mulheres Venezuelanas (UNAMUJER), também acredita que a saída para a crise econômica está na produção comunal e na superação da corrupção: “Devemos tratar de comprar a produção das comunas e não de quem te paga comissão”.

Durante o Congresso, a necessidade de combater a burocracia e a corrupção dentro das instituições do Estado foi outro tema unânime. “Confiamos que nosso presidente escute o povo, se não, não teria nos chamado para esse debate. O socialismo se trata disso: mudar o que estava vigente. Por isso, uma das nossas defesas como coletivo de mulheres é aprofundar o Governo Digital – um portal de transparência que divulga tudo que está sendo feito pelo governo no país hoje”, defende.

Para Alizmendez, o capitalismo não permite direitos, por isso é necessário “defender a pátria”, e o Congresso é um evento importante no aperfeiçoamento da revolução bolivariana. De encontros como esse surgiram os CLAP, que hoje distribuem alimentação a cerca de 6 milhões de pessoas. Também o programa “Sou Mulher”, que oferece micro créditos a mulheres que busquem empreender em algo.

“Para nós mulheres o principal desafio é a defesa da pátria e em seguida avançar na produção e na economia. Por que se temos pátria temos condições de avançar nos nossos direitos”, completa.

Anahí Alizmendez: 80% das organizações de base são compostas por mulheres (Foto: Michele de Mello / Brasil de Fato)  

Edição: Rodrigo Chagas 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Michele de Mello

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