Nem mesmo o frio e a chuva fina da segunda-feira (3/6) desanimaram as dezenas de lideranças paulistanas a comparecerem na primeira reunião preparatória da Conferência São Paulo Sua, que ocorreu por volta das 10h, no Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo (SEESP). Entre elas, representantes de movimentos sociais, associações de bairro, comunicadores, vereadores e representantes de partidos políticos.
O objetivo é produzir nos próximos nove meses uma plataforma com propostas para as 32 áreas da capital paulista, produzindo documentos regionais, tendo como pano de fundo uma política voltada para a região metropolitana de São Paulo, que será apresentada aos candidatos às eleições municipais em 2020. A ideia é que a cidadania de São Paulo seja transformada, rumo ao Bicentenário da Independência e à Semana de Arte Moderna de 2022.
Murilo Pinheiro, presidente do SEESP e da Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU), entidades realizadoras do evento, deu boas vindas aos presentes, lembrando do papel cidadão de cada um: “Um evento como esse é importante para contribuir com ideias, propostas factíveis, discussões para melhoria da nossa cidade, nosso estado e País, por melhor qualidade de vida e mais oportunidade a todos. Essa iniciativa pode dar o exemplo e servir de inspiração para o exercício da cidadania e interferir positivamente para uma cidade melhor. Vamos fazer desse evento, um evento permanente”.
O coordenador do encontro, Allen Habert, diretor do SEESP e da CNTU, anunciou que o processo da conferência passará por 222 cidades em todo o País. “Acreditamos que as eleições municipais de 2020 serão as mais importantes desde a redemocratização. Serão as eleições mais impactantes. São Paulo possui uma influencia no rumo do País. Por isso, tem que dar uma demonstração de união das forças democráticas para que a gente possa apresentar uma agenda mínima de propostas e soluções”, destacou
Fotos: Beatriz Arruda / Comunicação SEESP
A ideia é que a cidadania de São Paulo seja transformada, rumo ao Bicentenário da Independência e à Semana de Arte Moderna de 2022
O dirigente comentou o objetivo central do movimento que se inicia, que é de resgatar o amor pela cidade. “Não dá para melhorar algo que não se gosta. Muita gente diz 'São Paulo não tem jeito'. Se você fala uma coisa boa sobre São Paulo para alguém, o sujeito te devolve contando três coisas ruins. Então, queremos transitar de uma São Paulo que não tem jeito, para uma São Paulo sua, que você cuide. A cidade é sua, não de um governo. E pra isso, precisamos de moradores que sejam cidadãos ativos”, disse, lembrando que a cidade abriga pessoas vindas dos 27 estados brasileiros e reúne 80 povos diferentes.
O diretor do SEESP e da CNTU fez questão de mencionar que o esforço é para reunir “as forças democráticas da periferia e do centro” para influenciar nas próximas eleições municipais. Ele recordou de ações que resultaram em conquistas sociais, que vão desde os pontos de ônibus que existem atualmente na cidade. Também citou uma ação protagonizada pelo sindicato, há 25 anos, quando foi produzida a Segunda Carta de São Paulo, assinada por 400 entidades. A primeira carta é de 1975, resultado de um encontro ocorrido no Instituto e Engenharia.
Habert e outros presentes mencionaram a campanha vitoriosa do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que na década de 1990 tornou-se símbolo de cidadania, e inspira até hoje, encampando a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, conhecida popularmente como a campanha contra a fome.
Outra inspiração citada pelo sociólogo Cesar Callegari, foi o filósofo Gilles Deleuze: “Me recordo de uma frase do filósofo, Gilles Deleuze, que diz que os homens sábios são os que sabem promover os encontros que querem ter. Essa reunião de hoje é isso: é um ato de vontade que reafirma o compromisso de nos aproximarmos dos próximos e de buscarmos os distantes”.
Callegari, bem como outros participantes, falaram da conjuntura nacional em que democracia e cidadania estão sob ataque. “Não é um espasmo delirante de psicopatas, há um projeto claro de enfraquecimento das estruturas, que o País vinha conseguindo realizar, a partir de mobilização e luta”, completou.
Cida Prado, da Comissão da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil, parabenizou a iniciativa para defender a democracia. “A nossa democracia, que está em risco, a nossa educação, que está em risco, a nossa saúde, que está na UTI, precisam de todos nós”.
Américo Sampaio, coordenador da Rede Nossa São Paulo, falou da importância da articulação que está sendo criada tenha estratégias para se conectar com outras já existentes na cidade. Para ele, o município sofre com um problema de governança e está claro o ataque ao processo de participação popular que vinha sendo construído e consolidado por meio dos conselhos, que vêm sendo dissolvidos ou simplesmente esquecidos. “Enquanto não alterar a dinâmica de governança da cidade, não tem solução. Os conselhos têm que ser fortes e atuantes e as prefeituras regionais têm que ir além da administração de problemas, têm que ser indutoras de políticas públicas”, afirmou.
Rosmary Corrêa, a delegada Rose, fundadora da primeira Delegacia de Defesa da Mulher, que já foi prefeita regional de Santana-Tucuruvi nos últimos dois anos, até fevereiro último, também falou do resgate da afetividade para sensibilizar para o cuidar: “Muitas coisas precisam ser mudadas para que a gente tenha realmente uma são Paulo sua. Para que a população se empodere e cuide”.
Com esse intuito, de mobilizar a sociedade, Carlos Lima, professor da rede municipal e idealizador da Agência de Notícia Imprensa Jovem, que desenvolve a comunicação dos estudantes para os estudantes, sugeriu criação de uma secretaria da juventude.
O vereador Antonio Donato (PT) deu contornos ao movimento: “é uma iniciativa que valoriza a democracia, com participação; que combate a desigualdade, que vem sendo ampliada por políticas recentes em nível federal e municipal. Terceiro, é uma iniciativa que defende a sustentabilidade ambiental. Outro ponto importante é o respeito a diversidade”.
O economista, Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), defendeu a adoção de estratégias de comunicação mais eficazes, como o uso de vídeos curtos e diretos. “Sugiro fazermos vídeos curtos explicando os problemas chaves da cidade e, junto a isso, criar um programa amplo de formação de lideranças, que compreenda bairro por bairro o que está ocorrendo”.
Fernando Guimarães, dirigente do PSDB, frisou a importância da iniciativa sob a perspectiva das pessoas que moram na cidade e que devem ser empoderadas: “É preciso aproximar poder publico e população, mecanismos de democracia participativa, com poder efetivo de decisão”.
Wander Geraldo, presidente do PCdoB Municipal, também saudou a articulação. “Essa iniciativa pode ser um polo de resistência às ideias que buscam destruir o papel do estado brasileiro. Antes de discutir as eleições de 2020, acredito que temos que rediscutir qual é o papel do estado no fortalecimento do País e, acima de tudo, do pensamento que devemos construir para o desenvolvimento econômico e social. O papel do estado tem que ser colocado para diminuir as desigualdades”.
O dirigente comunista acrescentou que já há focos importantes de resistência, como a dos trabalhadores, organizados pelos sindicatos e centrais, que farão no próximo dia 14 uma greve geral contra a reforma da Previdência.
Inspiração
Pedro Celestino, presidente do Clube da Engenharia, no Rio de Janeiro, também estava presente como observador e entusiasta da ideia. “O que vocês estão fazendo, nós faremos no Rio. Vamos mobilizar, unir e organizar a população”.
Ele lembrou da conjuntura econômica e das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores que atuam diretamente com infraestrutura, como engenheiros e arquitetos, e da relação direta que o setor tem com a retomada do desenvolvimento. Segundo ele, São Paulo, assim como outros grandes centros urbanos como o Rio de Janeiro, tiveram um enorme salto demográfico, deixando um legado de carência em infraestrutura como habitação e mobilidade.
“A saída da crise passa por ai, por investimentos em infraestrutura, que exigem uma presença do estado, que se pretende destruir hoje. Então, temos a visão dos problemas e das soluções. E não dá para esperar pelas eleições. A situação é tão grave que exige a mobilização de recursos federais, estaduais e municipais para ser resolvida. Esse tipo de união é que poderá nos devolver esperança”, defendeu.
Comunicadores presentes também falaram da importância sobre a forma como o movimento e suas ideias serão divulgadas e até a organização e cobertura dos debates, como apontou Sergio Gomes, da Oboré, que quando era recém formado participou do time de voluntários da “São Paulo a comuidade e seus problemas”, que produziu a carta de São Paulo, citada por Habert no início do evento. “A Carta de São Paulo é uma lembrança que pode ajudar muito num momento tão complicado como o atual. Se a gente não tiver meios de comunicar a ação a gente vai ficar, como dizia o Carlito Maia, piscando no escuro. Então, para comunicar a ação, precisamos e podemos trabalhar melhor”. O jornalista Paulo Cannabrava Filho, da revista Diálogos do Sul, também chamou a atenção para a guerra midiática que está em curso, e ratificou: “Sem estratégia de comunicação não vamos a lugar algum”.
O debate foi amplo, todos os presentes se apresentaram e puderam discorrer sobre suas visões e expectativas. Na mesa, diversas representações. Entre elas: o economista e deputado federal Carlos Zarattini (PT); Antonio Funari, presidente da Comissão de Justiça e Paz da Curia Metropolitana; Simão Pedro, ex-secretário municipal de Obras e ex-deputado estadual pelo PT; o ativista Sergio Storch, da rede Judeus Brasileiros Progressistas e criador da Frente Inter-Religiosa por Justiça e Paz; o presidente da Associação dos Moradores da Vila Cordeiro, Marcos Smetana; o arquiteto e ex-vereador Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP); Regis Gabriel, presidente do Conselho de Participação Social de Pinheiros; José Manoel, presidente da FerroFrente e diretor da CNTU; Luiz Cláudio Marcolino, diretor do Sindicato dos Bancários; Luna Zarattini, estudante de direito, integrante do Diretório Central dos Estudantes, o DCE Livre da USP, e diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE). Também estavam presentes representantes dos vereadores Eduardo Suplicy (PT), Eliseu Grabriel (PSB) e Gilberto Natalini (PV).
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