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Marcha de neo-nazistas em Phoenix, nos EUA, em 2010 (Foto: John Kittelsrud)

Conluio da extrema-direita realizado em Madri é só a ponta do iceberg

Principal meta do encontro foi unir extremo-direitistas da União Europeia, mas analistas apontam ligações entre políticos europeus e grupos supremacistas dos EUA
David Brooks, Jim Cason
La Jornada

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A conferência internacional da direita realizada em Madri é apenas uma expressão pública de uma rede de nacionalistas de extrema-direita que estão trabalhando de maneira coordenada para oferecer apoio mútuo com o objetivo de ampliar seu poder político, afirmam especialistas.

Embora os mandatários que assistiram ao conclave, entre eles Javier Milei da Argentina, o húngaro Viktor Orban e a italiana Giorgia Meloni, tenham chamado a atenção, entre outros participantes em Madri havia alguns que vieram dos Estados Unidos. Mercedes Schlapp, que trabalhou na Casa Branca durante a presidência de Donald Trump e é oficial do Comitê de Ação Política Conservadora (CPAC), uma das organizações de direita mais influentes do país, fez um discurso, em espanhol, instando os delegados a enviarem tanto Joe Biden como Pedro Sánchez de férias permanentes.

Também estava presente um vice-presidente da Heritage Foundation, o grupo que elaborou uma agenda detalhada de 900 páginas para o próximo mandato de Trump na Casa Branca, que inclui planos detalhados para a deportação de milhões de imigrantes indocumentados, uma limpeza de até 50 mil funcionários do governo federal que não são suficientemente leais a Trump e cortes profundos no gasto social governamental.

A principal meta da conferência em Madri foi construir unidade entre a direita na União Europeia, que espera ganhar a maioria no Parlamento Europeu nas eleições programadas para junho. O jornalista John Feffer, autor do livro sobre a direita internacional “Right Across the World: The Global Networking of the Far-Right and the Left Response”, lembra que, há 6 anos, a extrema-direita europeia não estava focada em eleições como agora. “Olhem o que promete ser uma vitória histórica na eleição europeia”, comentou em entrevista ao La Jornada. “Por um lado, quem se importa, porque esse parlamento não tem muito poder, mas por outro lado, sim, é um indicador do poder da extrema-direita na Europa”.

Feffer observa uma cooperação menos formal e profunda entre a direita europeia e suas contrapartes americanas, mas ressalta que a direita americana considera particularmente Orban como um líder que merece ser emulado. De fato, esta mesma semana, o senador republicano de extrema-direita J.D. Vance, de Ohio, declarou à CBS News que, ao enfrentar os protestos estudantis nas universidades deste país sobre a guerra de Israel em Gaza, os Estados Unidos “poderiam aprender” com Orban, que impôs controle às universidades e encerrou o debate na Hungria. Trump também tem repetido elogios a Orban.

Há uma presença contínua de políticos de direita de outros países em reuniões políticas conservadoras nos Estados Unidos, como as realizadas pelo CPAC, e lá, como em outros lugares, Trump se encontrou frequentemente com outros líderes de direita. Também há uma maior coordenação entre agrupações de extrema-direita, onde, por exemplo, em um evento do CPAC no Texas em 2022, Orban chamou os cristãos nacionalistas na Europa e nos Estados Unidos para “unirem forças” porque “nós, húngaros, sabemos como derrotar os inimigos da liberdade no campo de batalha político”.

Marcha de neo-nazistas em Leipzig, na Alemanha, em 2009 (Foto: Wikimedia Commons)

Em uma conferência do CPAC em fevereiro deste ano, relatou a NBC News, racistas extremistas, alguns dos quais portavam crachás oficiais, “conversavam abertamente com convidados da conferência, onde expressavam teorias de conspiração antissemitas”.

Especialistas apontam que as interações entre essas agrupações têm antecedentes de décadas e agora incluem alguns grupos abertamente fascistas. De fato, o projeto de monitoramento Global Project Against Hate, sediado no Alabama, relata que, quando cerca de mil neonazistas, neofascistas e nacionalistas brancos marcharam na França no último dia 9 de maio para comemorar a morte de um militante de extrema-direita, pelo menos três grupos americanos se juntaram a esse evento. “Dado que o Frente Patriota tradicionalmente se concentra em ativismo dentro dos Estados Unidos, sua suposta nova aliança com neonazistas franceses é preocupante”, informa o projeto de monitoramento.

De acordo com o relatório mais recente do Southern Poverty Law Center, foram identificadas 1.225 agrupações de direita de ódio racial e antigovernamentais nos Estados Unidos, e relataram que estas agora operam cada vez mais abertamente nos cenários políticos (mapa da localização desses grupos: https://www.splcenter.org/hate-map).

Os neonazistas não estão distantes da campanha eleitoral de Trump. Em 2022, Trump foi anfitrião de Nick Fuentes, figura nacionalista branca que nega a existência do Holocausto judeu, junto com o famoso rapper Kanye West, em sua mansão Mar-a-Lago. Vale lembrar que o ex-chefe de gabinete de Trump, o general aposentado John Kelly, comentou à CNN sobre uma conversa com o então presidente na Casa Branca: “ele me disse ‘pois é, mas Hitler fez algumas coisas boas’. Eu perguntei, ‘bem, quais?’ E ele respondeu, ‘bem, [Hitler] reconstruiu a economia’. Mas o que ele fez com essa economia reconstruída? Ele a usou contra seu próprio povo e contra o mundo. E lhe indiquei: ‘senhor, não se pode dizer nada de bom sobre esse tipo. Nada’”.

Esta semana, a conta de Trump na rede social Truth Social repostou um vídeo com imagens sobre como seria os Estados Unidos se o ex-presidente fosse reeleito em novembro. Entre as manchetes de jornais que se imaginavam, estavam “Economia em boom!” e “Fronteira fechada”. Sob uma manchete que dizia: “O que vem a seguir para os Estados Unidos?” há uma referência à “criação de um Reich unido”. Depois que a campanha de Biden criticou o uso desse vocabulário, apontando que essa palavra está quase sempre associada ao Terceiro Reich de Hitler, a mensagem com o vídeo foi retirada.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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