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O processo mental pelo qual passa o delinquente, desde o momento que comete o delito, é, como acentua, Sante de Sanctis, um verdadeiro “tumulto psicológico”.
João Baptista Pimentel Junior*
As atribulações do processo, a passagem pelas suas diversas etapas, trazem profundas transformações na personalidade do delinquente. Carregando as fortes impressões que deformam até o âmago do seu ser.. O condenado ingressa na cela levando em sua mente a expectativa do número de anos, meses e dias que ficará preso.
Após suportar as etapas de um processo, o condenado está obrigado a convivência forçada da prisão, eivada de efeitos nocivos para a sua personalidade e, portanto incapaz de conseguir a emenda ou reeducação que a doutrina penal, teoricamente, conceitua como finalidade da pena..
No II Congresso Internacional de Criminologia, realizado em Paris, em 1950, foi incluído no temário o importante trabalho intitulado “A Prisão, fator Criminógeno”. Seus relatores opinaram pela abolição da prisão tal como ela existia naquela época, pois naqueles moldes seus resultados eram perniciosos.
Contudo, já transcorridos mais de 60 anos daquele evento jurídico, pouca coisa mudou em que pese os esforços de alguns no sentido de estabelecer um sistema melhor.
Orlof Kinberg, grande criminalista sueco, um dos relatores do citado painel apresentado em Paris, disse que: “é impossível descrever esse ambiente em poucas palavras. Privados de sua maioria de direitos de expressão e de ação por regramentos minuciosos, os reclusos se acham em estado de compressão psicológica semelhante a de um gás pressionado em um vaso fechado. Tendem, continuamente, a romper essa resistência e tal tendência se manifesta, às vezes por evasões, ataques a outros detentos, motins e rebeliões.
Na verdade, as reações dos encarcerados, são ostensivamente anômalas. Sua excitabilidade se exagera quase em forma patológica.
A reclusão nivela os homens por baixo, tornando-os iguais parecendo todos emergir em forma estereotipada, segundo o nível mais ínfimo.
Barnes e Teeters, em sua obra New Horizonts in Criminology (New York/1951), escreveram que muitos encarcerados chegam a ser vitimados por neuroses. E, se ao entrar na prisão, o condenado possuía alguma energia, cai logo alquebrado, depois de alguns meses dessa mortificante rotina que lhe é imposta.
A impossibilidade de satisfazer suas necessidades sexuais desencadeia um comportamento anormal.
Taft, em sua obra Criminology (New York/1947), assinala o estado de torpor característico do prisioneiro destacado pela indiferença e a decadência do seu poder de atenção.
O interior das prisões, em geral,são estritos e insuficientes. A limitação do espaço comporta a acumulação de muitas pessoas em áreas reduzidas. O preso, obrigado a comprimir-se, reduz, ao mínimo, os movimentos inerentes à vida biológica, tão necessários à conservação da saúde.
Aldo Gobbi em seu “Studio dell ambiente carverário e della sua azione strutturante sul detenuto” (Milano/1958), sustenta a tese de que o isolamento que se pretende considerar somente sobre o plano físico, tem ressonância importante no seio da comunidade carcerária, como a busca da auto suficiência e, através desta, a criação gradual de um sistema de vida distinto do existente na sociedade livre, consolidando diferenças entre o mundo exterior e o cárcere.
O ambiente monótono e uniforme transforma o cárcere em lugar letargo, faltando qualquer atividade que implique no desenvolvimento de pensamentos e ações. Com efeito, o indivíduo que viveu muito tempo na prisão retorna ao seio da sociedade com todos os traumas e vícios recolhidos no encarceramento que lhe foi imposto material e espiritualmente, impossibilitando-o de superar as dificuldades existentes na vida livre em sociedade.
Assim é que, indubitavelmente, as consequências de um longo período de privação de liberdade imposto, especialmente, aos indivíduos que foram encarcerados por ato(s) ocasionais de caráter delituoso ou por uma mera inaptidão transitória de sua conduta, nos dias atuais e diante das condições desumanas existentes em todo o sistema carcerário brasileiro, são sua participação “forçada” em uma das várias facções criminosas organizadas – que atuam dentro e fora dos presídios – e, via de regra, na certeza que quando colocado em liberdade, fará parte das estatísticas dos indivíduos reincidentes – que aliás quase sempre reincidem cometendo crimes de maior gravidade – e não na pretendida reeducação necessária para que os mesmos possam voltar a conviver livremente em sociedade.
Portanto, a inadequação das penas impostas aos delinquentes, associada a total precaridade da infraestrutura e das regras impostas aos condenados na esmagadora maioria dos presídios brasileiros, explica plenamente a atual onda de rebeliões e, também, as ações praticadas com requintes de crueldade pelas “lideranças” das facções criminosas organizadas que dominam os cárceres brasileiros. E a mudança do atual status quo só será possível, caso e quando as autoridades dos poderes executivo, legislativo e judiciário brasileiro, vierem a entender que a solução dos graves problemas que afligem a população carcerária brasileira forem seriamente enfrentados de forma adequada à complexidade do tema em questão.
*João Baptista Pimentel Junior é jurista e escritor. Colaborador da Revista Diálogos do Sul
Ilustrações de Antonio Máximo