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Copa Feminina: em busca da 1ª estrela e do fortalecimento da modalidade

São muitos os motivos que me fazem amar e seguir espalhando a palavra do futebol feminino por aí
Caê Vasconcelos
Revista AzMina
São Paulo (SP)

Tradução:

A nona Copa do Mundo de Futebol Feminino começou. São 30 dias de jogos na Austrália e na Nova Zelândia. Uma nova chance de um sonho: a primeira estrela na camisa da Seleção Feminina de Futebol do Brasil. É a última copa de Marta Vieira da Silva, a maior jogadora da história do futebol feminino.

Não tinha como eu começar essa coluna aqui n’AzMina com outro assunto que não esse. Apesar de a categoria do futebol feminino ainda ter muito o que melhorar aqui no Brasil, muita coisa já evoluiu e, como um bom otimista, eu sinto que podemos ter nossa primeira estrela. São muitos os motivos que me fazem amar e seguir espalhando a palavra do futebol feminino por aí.

Marcos da Copa 2023

Será a primeira vez que a seleção vai entrar em campo com uma camisa sem estrelas – antes tinham estrelas do masculino. A primeira vez que a seleção brasileira vai entrar em campo com um futebol feminino mais fortalecido, da base ao profissional. Primeira vez com uma equipe multidisciplinar composta de mulheres. A primeira seleção que recebeu no treino as visitas de um Presidente da República e duas ministras.

Seleção feminina recebe investimento inédito, mas falta de incentivos ainda atinge clubes

Temos chances boas de passar como primeiro no grupo com Panamá, França e Jamaica. Depois, nos jogos eliminatórios, vamos torcer muito para que as nossas 23 jogadoras apresentem o futebol que fez Marta ser eleita seis vezes a melhor do mundo. E que a nossa técnica Pia Sundhage treine como treinou os Estados Unidos (EUA) nas duas medalhas de ouro das Olimpíadas

São muitos os motivos que me fazem amar e seguir espalhando a palavra do futebol feminino por aí

Revista AzMina
Falta muito para termos uma equidade no futebol feminino e masculino, principalmente salarial, já que os abismos são imensos

Minha primeira vez

Em dezembro de 2010, vi pela primeira vez a Seleção Feminina de Futebol jogar pessoalmente. Não vi uma vitória, mas vi Marta jogar. Ela marcou os dois gols da seleção naquela tarde de domingo. Lembro que o ingresso foi bem barato e, mesmo assim, o estádio não estava lotado. Eu não entendia o motivo e nem fazia ideia da importância que o futebol feminino tomaria na minha vida.

Eu já era um apaixonado por futebol, mas aquele jogo mudou minha vida. Sei que fui uma criança trans, talvez por isso sempre me identifiquei mais com o futebol feminino (e com os esportes femininos, em geral). Meu aniversário de 10 anos foi com temática do Corinthians, mas queria que tivesse sido da seleção feminina de futebol.

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Só depois fui entender como faltava apoio, investimento e boa vontade para fazer o futebol feminino desenvolver. E olha que o Brasil já tinha jogado cinco copas e ficado no segundo lugar em 2007.

Trajetória brasileira 

A primeira boa campanha do Brasil veio em 1999, quando a seleção ficou na terceira posição. Naquele ano, os EUA ganhavam sua segunda copa. A seleção brasileira tinha alguns nomes históricos no elenco: Maravilha, Nenê, Tânia Maranhão, Juliana Cabral, Cidinha Maycon, Formiga, Kátia Cilene, Sissi, Suzana, Andreia, Fanta, Grazielle, Marisa, Raque, Pretinha, Priscila, Deva e Valéria. 

Duas copas depois, em 2007, na China, fomos vice-campeãs. Era a segunda copa de Marta. Ela já havia ganhado uma vez como melhor do mundo, em 2006 — e ainda ganharia mais cinco vezes depois dali: 2007, 2008, 2009, 2010 e 2018. As jogadoras que vestiram a camiseta do Brasil em 2007 eram: Andréia, Bagé, Cristiane, Dani Alves, Elaine, Ester, Formiga, Grazi, Kátia Cilene, Maicon, Marta, Michele, Mônica, Pretinha, Renata Costa, Rosana, Simone e Tânia Maranhão.

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Muitos desses nomes não são conhecidos pelo grande público, mas ainda temos jogadoras dessa geração na ativa. A Grazi, da copa de 1999, aos 42 anos, veste a camisa do Corinthians feminino – ainda levantando muitas taças. Marta ainda é o maior nome do nosso futebol, e a Cristiane segue brilhando, agora pelo Santos. Formiga aposentou recentemente, mas com marcas inegáveis.

Conquistas atrasadas

Se pararmos pra pensar que o futebol feminino era proibido no Brasil até 1979, e que a primeira copa feminina aconteceu só em 1991 (ano em que eu nasci), faz sentido ainda não termos a nossa estrela. 

Mulheres ficaram sem poder jogar futebol oficialmente no Brasil por 40 anos. Isso por causa de um decreto-lei assinado pelo então presidente Getúlio Vargas, em 1941, que impedia as mulheres de praticar esportes que não fossem “adequados a sua natureza”. O decreto caiu em 1979, mas a prática só voltou realmente à legalidade em 1983. E a seleção brasileira esteve em sua primeira copa em 1991.

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Só em 2015 as jogadoras tiveram um uniforme feito para elas, deixando de usar as roupas que sobravam do masculino. A primeira copa transmitida na televisão foi só em 2019, mesmo ano em que os clubes brasileiros foram obrigados a terem seus elencos femininos. Até 2020, as jogadoras usavam camisas com estrelas que não eram conquistas delas, eram do masculino. 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou uma lei de paridade salarial entre homens e mulheres no esporte. Ele visitou o treino em Brasília dois dias antes da seleção embarcar para a Copa 2023 na Austrália, ao lado das ministras Anielle Franco, de Igualdade Racial, e Ana Moser, do Esporte.

A importância da torcida

Em 2016, 70.454 torcedores haviam ido ao Maracanã ver a semifinal Brasil e Suécia durante as Olimpíadas do Rio. Mas nos campeonatos nacionais não havia esse engajamento. Isso também vem mudando.

A torcida do Corinthians é a mais engajada no feminino. Levou 30.077 torcedores para o estádio em 2021, batendo o próprio recorde de 2019, quando 28.862 pessoas foram ao estádio ver as Brabas do Timão, como são conhecidas pela fiel torcida.

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Em 2022, as Gurias Coloradas do Internacional conseguiram colocar 36.330 pessoas no estádio Beira-Rio, em Porto Alegre (RS). No segundo jogo da final, o Corinthians colocou 41.070 pessoas e levou o título. 

Mas ainda falta muito para termos uma equidade no futebol feminino e masculino, principalmente salarial, já que os abismos são imensos. Quer um exemplo? A fortuna de Marta, seis vezes maior do mundo e jogadora há 23 anos, é estimada em R$13 milhões de dólares. Já a fortuna de Neymar, que nunca ganhou como melhor do mundo e joga há 14 anos, é de R$95 milhões.

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Deu pra sentir os motivos da importância dessa copa? São muitos obstáculos e histórias de vida e lutas envolvidas. Por isso, te convido a se permitir gostar de futebol feminino, sendo fã ou não do esporte. Para reduzirmos essas desigualdades, seguirmos avançando em campo e termos uma seleção campeã só precisamos de apoio e investimento, porque talento nossas meninas têm de sobra, sempre tiveram.

Caê Vasconcelos | Jornalista


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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