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Copa no Qatar: um hiato de anestesia em meio ao caos global

Os fenômenos coletivos tendem a criar a ilusão de uma realidade paralela
Carolina Vásquez Araya
Diálogos do Sul
Cidade da Guatemala

Tradução:

Com o ruído midiático elevado à máxima potência para concentrar a atenção no mundial do Qatar, os verdadeiros problemas que afligem a maior parte dos 8 bilhões de seres humanos que povoamos – para o bem ou para o mal – este planeta, ficam dissimulados atrás de uma fachada de entusiasmo por um espetáculo cujas sombras escuras se diluem quando soa o primeiro arranque. Sobre como esse pequeno emirado, governado com mão de ferro pela família Al Thani, conseguiu a sede do campeonato mundial de futebol, já se escreveram milhares de páginas, onde estão consignados não só os procedimentos opacos no processo, mas também as violações dos direitos humanos de milhares de migrantes explorados na construção da luxuosa infraestrutura.

O entusiasmo dos aficionados ao futebol, que captura o fogo de milhões de aficcionados e também prende a atenção dos meios internacionais, deixou entre bastidores um tema crucial relacionado com essa região: as conclusões da COP27, celebrado em Sharm el Sheikh neste mês de novembro. De acordo com Simon Stiell, secretário-executivo da Convenção Quadro sobre Mudança Climática, “este resultado nos faz avançar, é um resultado histórico que beneficia os mais vulneráveis de todo o mundo. Determinamos o caminho a seguir em uma conversação que durou décadas sobre o financiamento das perdas e dos danos, deliberando sobre a forma de abordar os impactos nas comunidades cujas vidas e meios de subsistência foram arruinados pelos piores impactos da mudança climática”.

Ainda quando essas palavras soam como uma promessa, a realidade é que a ONU não só carece de poder para enfrentar as pressões do mundo corporativo, cujo poder é inclusive superior ao dos Estados que a conformam, mas defende financeiramente países super industrializados que são, concretamente, os maiores emissores de CO² do mundo e cujo sistema produtivo se veria seriamente afetado com o gigantesco investimento requerido para adaptar seus métodos com o propósito de reduzir sua produção de carbono. A este obstáculo se agrega uma cultura de consumismo extremo e desnecessário – convertido em sinal de progresso – nesses mesmos países desenvolvidos e aqueles emergentes que buscam imitar o estereótipo.

Dar uma olhada à imprensa internacional em todas suas plataformas basta para apreciar o enorme impacto que esse efeito placebo – o Mundial do Qatar – consegue sobre milhões de seres humanos capazes de submergir-se na fantasia e esquecer tudo que pôs sua sobrevivência em risco. Nesse sentido, não só está a ameaça de uma conflagração global, produto da guerra de interesses geopolítico-corporativos, mas também a falsidade das promessas vazias dos governos em relação às suas políticas com relação à mudança climática.

Enquanto grandes segmentos da população mundial carecem de meios de subsistência e afunda na pobreza e na fome, se observa com discutível admiração a concentração obscena de poder de uns poucos privilegiados os quais, com uma ínfima porção de suas fortunas, teriam o poder de aplacar a miséria daqueles que perderam tudo neste sistema depredador. A fantasia mundialista, no entanto, não durará o suficiente e o inevitável choque com a realidade da mudança climática, o aprofundamento da pobreza e o desafio da sobrevivência, terminará por prevalecer.

O despertar é inevitável e nos obriga a manter a lucidez em um mundo enlouquecido.

Carolina Vásquez Araya | Correspondente de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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