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Protesto na Geórgia (Foto: Mikhail Voskresenskiy / Sputnik)

Coreia do Sul e Geórgia: os interesses nacionais frente à “ordem baseada em regras”

As crises na Coreia do Sul e na Geórgia são exemplos do conflito, frequente na geopolítica moderna, entre as prioridades internas e a lealdade ao Ocidente
Fyodor Lukyanov
Russia Today
Moscou

Tradução:

Guilherme Ribeiro

Enquanto o presidente dos EUA, Joe Biden, fazia uma turnê pela África na semana passada, uma crise inesperada eclodiu na Coreia do Sul. O presidente do país, Yoon Suk Yeol, declarou lei marcial, citando a necessidade de eliminar “forças anti-estatais pró-Coreia do Norte.”

Essa ação levou o exército para as ruas, protestos em larga escala e uma resposta rápida da Assembleia Nacional, que votou para revogar a ordem. Posteriormente, Yoon recuou e emitiu um pedido público de desculpas.

A resposta ocidental foi mista – ninguém estava preparado para tal acontecimento, e era difícil compreender que tipo de caos havia eclodido na importante nação aliada estrategicamente. Nos círculos diplomáticos, analistas frequentemente procuram significados ocultos por trás dos eventos políticos, relutantes em acreditar que a estupidez ou a negligência pudessem operar em um nível tão alto. Mas, às vezes, é exatamente isso que acontece.

Esse incidente reflete uma realidade mais ampla: as relações internacionais modernas descansam em um conjunto evolutivo de regras formais e informais destinadas a restringir os atores políticos global e regionalmente. Essas regras – sejam codificadas em tratados ou refletidas em entendimentos tácitos entre aliados – têm historicamente servido como estruturas estabilizadoras. Mas, à medida que a ordem global muda e a dominância do ‘Grande Irmão’ estadunidense diminui, os governos têm mais liberdade para buscar seus próprios interesses sem restrições. À medida que a supervisão externa enfraquece, eventos erráticos como a crise em Seul se tornam mais prováveis. O sistema está caindo em um modo de autocorreção, embora seus resultados sejam imprevisíveis.

As duas faces da democracia na Geórgia e além

As recentes eleições na Geórgia destacam essa mesma dinâmica. Dois padrões políticos conflitantes colidiram: o modelo liberal, que se sustenta na validação externa dos resultados eleitorais, e o modelo nacional, que prioriza a legitimidade interna. No quadro liberal, um processo de “certificação” internacional determina se as eleições foram justas. Se as forças “erradas” vencerem ou o voto for considerado problemático, seguem-se apelos para reavaliação. Em contraste, a abordagem nacional assume que as eleições são uma questão interna – a dissidência deve ser tratada por meio de mecanismos legais domésticos.

A Geórgia tem se afastado constantemente de um modelo liberal para um modelo nacional, para frustração de seus patronos ocidentais. Isso não é devido à simpatia pela Rússia, mas sim ao interesse nacional pragmático, especialmente à sobrevivência econômica. Ao evitar o alinhamento total com a coalizão anti-Moscou, Tbilisi colheu benefícios econômicos que ressoam com sua população. O fato de a maioria dos georgianos apoiar o governo reflete esse sucesso.

Coreia do Sul: fã da ditadura, Yoon Suk Yeol calculou errado apoio à aventura autoritária

No entanto, no mundo atual, a lealdade às normas políticas definidas pelo Ocidente pesa cada vez mais que a lógica econômica. Qualquer desvio do comportamento prescrito é visto como uma traição.

Na Geórgia, como em outros países pós-comunistas, segmentos da população permanecem comprometidos com a integração ao Ocidente, mesmo quando isso entra em conflito com as prioridades internas. Isso levanta a questão: honrar a vontade popular ainda é central para a democracia, ou isso se tornou secundário ao alinhamento geopolítico?

Coreia do Sul: a ordem democrática sob estresse

A natureza dupla da democracia moderna é bem ilustrada pela recente crise na Coreia do Sul. Por um lado, as instituições democráticas do país funcionaram como esperado: o parlamento se reuniu rapidamente, anulou uma decisão ilegal e o exército seguiu os procedimentos constitucionais. Por outro lado, a própria crise foi um produto dos limites da democracia. As estruturas democráticas falharam em impedir que um líder imprudente chegasse ao poder ou tomasse decisões perigosas em primeiro lugar.

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Essa contradição está no cerne da governança democrática contemporânea. Os procedimentos democráticos podem resolver crises depois que elas eclodem, mas muitas vezes não conseguem preveni-las – especialmente quando divisões internas irreconciliáveis persistem. A capacidade do sistema de se autocorrigir pode ser sua salvação, mas ela não oferece imunidade contra lideranças destrutivas ou conflitos sociais.

Uma ordem mundial em transformação

O sistema internacional está se transformando. Os mecanismos estabelecidos há muito tempo, destinados a orientar e restringir as ações governamentais, estão se erodindo, sendo substituídos por um cenário global mais fragmentado e autocorretivo. À medida que a direção externa enfraquece, os governos nacionais revelam suas verdadeiras prioridades. Alguns respondem de forma pragmática, enquanto outros sucumbem à instabilidade.

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Os casos da Coreia do Sul e da Geórgia mostram como o equilíbrio entre legitimidade interna e aprovação externa define a democracia moderna – e como esse equilíbrio está mudando. À medida que a história avança, os estados democráticos podem cada vez mais descobrir que seus problemas exigem soluções internas, com menos dependência do antigo e tão conhecido sistema global “baseado em regras”.

Neste mundo emergente, ninguém mais se sente constrangido.

* Tradução feita com apoio de IA e conferida.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Fyodor Lukyanov Editor-chefe da Russia in Global Affairs, presidente do Presidium do Conselho de Política Externa e de Defesa, e diretor de pesquisa do Valdai International Discussion Club

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