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O Instituto Butantan divulgou, em coletiva de imprensa, a taxa geral de eficácia da CoronaVac: 50,38%. O número está ligeiramente acima do limite de 50% admitido pela Anvisa e pela Organização Mundial de Saúde para a aprovação de um imunizante contra a covid-19. Na prática, indica que pessoas vacinadas têm metade do risco de ter a doença (com algum sintoma) em comparação com quem não tomou as injeções.
A notícia vem depois de uma expectativa que se arrastava desde o fim do ano passado – e também de muita pressão por parte da comunidade científica. Os dados foram apresentados apenas em slides de power point, faltando ainda que se publique algum relatório ou comunicado à imprensa (além de, mais adiante, um artigo científico).
Isso é importante até para corrigir pequenos problemas, como uma inconsistência no número de voluntários que pode ter surgido por erro de digitação. Mas, com o que foi mostrado ontem, já dá para entender melhor como essa vacina pode ajudar a controlar a covid-19 no Brasil.
O novo dado soa decepcionante se comparado aos anunciados na semana passada – de 78% de eficácia na prevenção de casos leves que demandavam atendimento e 100% na de casos moderados e graves. Mas a diferença se explica porque agora foram incluídos todos os casos sintomáticos (confirmados por exames), incluindo aqueles em que as pessoas nem precisaram procurar atendimento médico; estes últimos foram considerados casos “muito leves”. Ao todo, entraram na conta as informações de 9,2 mil voluntários. Entre eles, foram identificadas 252 pessoas infectadas, sendo 167 no grupo que recebeu o placebo e 85 no que tomou a CoronaVac. É daí que sai a eficácia geral, de 50.38%.
Entre os infectados, apenas sete tiveram formas mais graves da covid-19, todos no grupo placebo – por isso a alegação anterior da proteção de 100%. Ontem, porém, os pesquisadores do Butantan reconheceram que não houve infecções suficientes nesse grupo para que o dado tenha significância estatística. Para confirmá-lo, é preciso prosseguir os testes. Por fim, 38 pessoas (um número também não muito alto) tiveram sintomas leves e precisaram de atendimento, sendo sete no grupo vacinado e 31 no grupo placebo. E são esses os dados por trás da eficácia de 78% para os chamados casos leves. O que os pesquisadores do instituto concluem, a partir dessas informações, é que a vacina parece ser, sim, promissora para proteger contra as formas mais graves da doença: “Há uma tendência (de proteção alta) que corresponde ao efeito biológico esperado. (…) A tendência da vacina é diminuir a intensidade clínica da doença. Esse é o dado que a gente interpreta como conclusão”, disse Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa clínica do Butantan.
Além disso, o perfil de segurança foi bastante bom: somente 0,3% dos voluntários tiveram algum tipo de reação alérgica.
Por aqui, ficamos com uma preocupação que nos parece relevante: não foi apresentado nenhum dado sobre como a vacina se comporta em faixas etárias diferentes. Seria interessante saber o grau de proteção conferido aos idosos, uma vez que eles são mais do que prioritários no plano nacional de imunização. Mas, segundo Dimas Covas, diretor do Butantan, isso ainda vai ser estudado. Ele disse que três pesquisas clínicas com a CoronaVac serão feitas em breve: uma para avaliar a eficácia em idosos e pessoas com comorbidades (com 1,4 mil voluntários), outra em grávidas (500 voluntárias) e outra em crianças e adolescentes (sem número de participantes divulgado).
Uma declaração que resume bem o significado dos resultados apresentados é a da bióloga Natalia Pasternak, do Instituto Questão de Ciência, que participou da coletiva: “Não é a melhor vacina do mundo, é a vacina possível, é uma boa vacina e é uma vacina que certamente vai iniciar o processo de sairmos da pandemia. Isso não quer dizer que depois dela não poderão entrar outras. Se essa vacina é o começo, vamos começar?”, incentivou. Aliás, vale notar que o evento contou com a participação de vários especialistas que não participaram do estudo (como é o caso da própria Natália), a convite do governo de São Paulo. Mas quem não esteve lá foi o próprio governador João Doria (PSDB). Na semana passada, quando os números eram mais brilhantes, ele fez questão de ir.
Governo do Estado de São Paulo
José Gallucci Neto, médico e pesquisador aponta que Ministério da Saúde já deveria ter começado mobilização pela vacinação.
Comparação difícil
A taxa apresentada pela CoronaVac é a menor entre as vacinas que já tiveram resultados divulgados até agora. Está bem abaixo dos 95% da Pfizer/BioNTech e da Moderna e dos 70% da vacina de Oxford/AstraZeneca. Além disso, difere bastante de outros resultados que a própria CoronaVac atingiu em ensaios de outros países: a Turquia chegou a relatar mais de 90% de eficácia, e, na Indonésia, ela foi de 65%. Em relação a esse último ponto, a explicação é que há diferenças em cada ensaio (como o público-alvo selecionado, por exemplo) e, sobretudo, no número de infecções usados para fazer o cálculo. Na Indonésia foram analisados os dados de apenas 25 voluntários infectados; na Turquia, 29. Em ambos os casos, muito menos que os 252 avaliados no Brasil – e a questão é que a conta vai ficando mais precisa quanto maior é esse total.
A comparação com outras vacinas é um pouco complicada. Nesse caso, a diferença principal está obviamente no imunizante testado, o que com certeza explica em parte as eficácias distintas. Mas a equipe do Butantan acredita que as especificidades de cada protocolo também têm um papel nisso. De acordo com eles, o ensaio da CoronaVac no Brasil usou uma definição de caso mais abrangente: foram feitos exames PCR em todos os voluntários que relataram um ou mais sintomas (como diarreia, tosse, vômito) por dois dias seguidos. Para comparação, no caso da Pfizer os mesmos sintomas foram incluídos, mas o período deveria ser de quatro dias.
Essa explicação não é consensual. No Science Media Centre, alguns pesquisadores estrangeiros criticam a definição de caso adotada pelo estudo brasileiro como não sendo clara. Um deles, Paul Hunter, professor de medicina da University of East Anglia, disse que os números principais de eficácia para as três vacinas atualmente registradas no Reino Unido foram baseados em infecções com qualquer sintoma
Outro ponto é que o ensaio brasileiro com a CoronaVac só recrutou profissionais de saúde, então há também uma hipótese de que talvez eles estejam mais propensos a identificar e relatar qualquer mínimo sintoma, o que ajudaria a jogar para cima o número de infeções muito leves e, consequentemente, achataria a eficácia geral. Não dá para bater o martelo em relação a nada disso, mas Palacios disse acreditar que, na vida real, o resultado pode ser melhor.
De todo modo, há certa unanimidade na avaliação de que comparar vacinas diferentes é difícil. “Os protocolos definem as eficácias, que são calculadas contra um certo desfecho, definido por um conjunto de sintomas. Todas estas definições podem variar de um protocolo para o outro, e aí as eficácias não podem ser comparadas diretamente”, resume, n’O Globo, Maria Amélia Veras, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
O impacto no mundo real
A eficácia geral da CoronaVac é parecida com a de outras vacinas importantes no Brasil, como as que protegem contra gripe, rotavírus, coqueluche e catapora. O potencial para evitar os casos mais graves parece ser um ponto-chave aqui. Só que, quanto menor a eficácia, maior a necessidade de se ter uma cobertura vacinal ampla: só com muita gente vacinada vai ser possível, gradativamente, ter a comunidade protegida e a covid-19 sob controle (e a palavra aqui é mesmo “controle”, não “erradicação”). Sempre batemos na tecla de que a vacinação não é uma estratégia individual de proteção contra doenças, mas sim coletiva. E os dados da CoronaVac ajudam a deixar isso ainda mais evidente.
“Estou convencida de que temos uma vacina que é 50,4% eficaz em prevenir casos sintomáticos. Esse dado é sólido. E está bom demais. É o que temos, é uma proteção e 50% é melhor do que nada. Mas com essa taxa de eficácia, teremos de vacinar praticamente toda a população. E temos de começar o mais rápido possível. O ideal seria termos mais opções de vacinas mais rapidamente. Esperamos que seja uma das armas de um arsenal contra a covid-19 no Brasil”, diz a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin Vaccine.
E aí é que pode estar a complicação. “A nossa maior chance de fracassar será na hora de transformar a vacina em um programa efetivo de vacinação que atinja a população, capilarize”, diz José Gallucci Neto, médico e pesquisador do Instituto de Psiquiatria da USP, no Jornal da USP. É certo que a CoronaVac tem vários pontos positivos quando se trata disso: o Butantan vai produzir, as condições de manutenção e transporte são compatíveis com a nossa rede de frio, o SUS tem experiência em alcançar a população e o movimento antivacina é (e esperamos que se mantenha) residual no Brasil. Mas essa provavelmente vai ser a maior campanha de vacinação da história – imaginem ter que atingir a população inteira no menor espaço de tempo possível – e, como estamos vivendo sob o governo Bolsonaro, ainda podemos esperar muita dor-de-cabeça.
Gallucci Neto aponta que o Ministério da Saúde já deveria ter começado uma grande mobilização, incluindo sociedade civil, políticos, profissionais de saúde – além de, é claro, estar com os insumos prontos para uso. Só que o cenário é justamente o oposto: “Não sabemos como está o PNI [Programa Nacional de Imunização], o quanto foi desestruturado, e se vai ter a mesma potência que tinha antes. Na época do H1n1, o PNI vacinou 80 milhões de pessoas em 3 meses. Mas eles já tinham, antes de começar a campanha, 100 milhões de doses da vacina estocadas e insumos preparados. Acho improvável, da maneira como as coisas estão sendo feitas, que o Ministério da Saúde consiga dar conta das duas coisas de maneira organizada”, diz ele.
Por quê?
É difícil compreender por que a comunicação do governo de São Paulo foi tão ruim nas últimas semanas. Agora já sabemos que havia entraves no acordo entre o Butantan e a Sinovac que impediam a divulgação dos resultados completos, mas ainda assim teria sido muito menos ruidoso esperar e fazer um anúncio único. Da forma como foram feitas, as apresentações geraram críticas por todos os lados e acabaram deixando as notícias sobre a eficácia geral parecerem menos boas do que realmente são. Mesmo para as ambições políticas de João Doria, a confusão não parece ter trazido algum impacto positivo, especialmente depois de ontem.
A hashtag “#DoriaMentiroso”, por sinal, ficou em alta nas redes sociais. “Doria apostou alto na Coronavac e forçou o governo federal a correr atrás dos planos paulistas. O tucano fez festa em cada etapa do processo de desenvolvimento do imunizante, mas se omitiu no momento crucial de mostrar os detalhes da vacina. O showman engoliu o governador“, avalia Bruno Boghossian, colunista da Folha.
Mas o pior não são os danos à imagem de Doria. Em dezembro, uma pesquisa do Datafolha mostrou que metade da população já rejeitava a CoronaVac. Se a trapalhada do governo Doria vai conseguir piorar esses números, ainda não sabemos. Mas que tem potencial, isso tem: “Foi extremamente prejudicial essa tentativa de fazer o resultado parecer mais favorável, de anunciar uma eficácia de 78%, que não é a eficácia real. Isso gera insegurança e muita dúvida na população”, explica a médica epidemiologista Denise Garrett, no El País. Para salvar a situação, só mesmo uma campanha muito bem estruturada de informação, de amplo alcance, para explicar às pessoas a importância de tomar a vacina. Ou seja: o oposto do que o governo Bolsonaro vem fazendo. “Esses discursos afetam muito. A gente percebe quando escuta de um velhinho que, em tese, é uma pessoa que não tem paixão política, que não é uma pessoa engajada em rede social, mas ele está dizendo que não vai tomar vacina da China. Isso é preocupante demais. Quando chega a este nível de debate é porque já foi pro imaginário social”, diz Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), no mesmo jornal.
Está perto
A Anvisa marcou para este domingo uma reunião entre seus diretores para decidir sobre a autorização emergencial tanto da CoronaVac como da vacina de Oxford/AstraZeneca.
Aliás, não nos esqueçamos desta última. Apesar de o imunizante da Sinovac ter ficado no centro das atenções ontem, o da AstraZeneca tem as mesmas facilidades na distribuição e uma eficácia geral até maior, de 70% no geral. Só que falta ter o produto em solo brasileiro. O governo federal quer negociar a ida de um avião à Índia – para buscar 2 milhões de doses prontas – e de outro à China – este pegaria a matéria prima de que a Fiocruz precisa para produzir mais doses aqui. A ideia, como sabemos, é conseguir aplicar alguma dose desse imunizante antes que João Doria dê a largada com a CoronaVac. Mas, segundo a Folha, “o governo não fechou ainda todos os detalhes da logística e não definiu a empresa que vai fazer a viagem”.
Enquanto isso…
A distribuidora Precisa Medicamentos firmou um contrato com o laboratório indiano Bharat Biotech para trazer sua vacina, a Covaxin, ao Brasil. Esse imunizante ainda está na fase 3 de testes e não teve nenhum resultado divulgado. Além disso, não há estudos de fase 3 no Brasil, o que é um requisito para a Anvisa conceder autorização emergencial.
Mesmo assim, recentemente a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas disse estar negociando a Covaxin para venda no setor privado por aqui; já a Precisa afirmou que sua oferta deve priorizar o setor público, mas que a venda para clínicas particulares aconteceria assim que a Anvisa permitisse.
No Intercept, a professora da USP Deisy Ventura, especialista em Saúde Global, fala um bocado sobre a venda de vacinas contra a covid-19: “Sem uma estratégia de prioridades e controles, a vacina ilude o indivíduo, que pode baixar a guarda em relação a outras medidas de proteção, ser infectado e transmitir a infecção; enriquecer quem a vende e ainda atrapalhar a imunização coletiva. (…) Além de ineficiente, a comercialização de vacinas durante uma pandemia é inconstitucional por violar explicitamente os princípios da isonomia e da impessoalidade
Usar ou usar
Falamos ontem sobre a situação da pandemia em Manaus, que está novamente caótica. Pois o ministério da Saúde começou a pressionar diretamente a prefeitura para oferecer “tratamento precoce” com drogas como a cloroquina e a ivermectina. Sabemos que não existe tratamento precoce. Mas segundo o Painel, da Folha, a pasta chegou a pedir autorização para fazer uma ronda nas unidades básicas de saúde encorajando o uso dos remédios. E mais: um documento enviado pelo ministério à secretaria municipal de Saúde diz que não usar esses produtos é “inadmissível“.
Outro texto da mesma coluna dá conta da confusão da classe política em relação às medidas que devem ou não ser adotadas. Arhtur Virgílio (PSDB), que foi prefeito de Manaus até dezembro, classificou a pressão federal pela cloroquina como “cretinice”, “absurdo e perversidade”. Mas ele defende o uso da ivermectina, que também não tem eficácia comprovada para tratar covid-19…
Bom, os deputados federais Alexandre Padilha (PT-SP) e Marcelo Freixo (PSOL-RJ) acionaram o TCU e o Ministério Público para cobrar explicações do Ministério da Saúde. A ver.
Nada feito
A Justiça Federal de São Paulo rejeito ou pedido de adiamento do Enem feito pela Defensoria Pública da União. Por enquanto, as provas presenciais ficam mantidas para este domingo e o próximo.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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