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Corrupção que alcançara seu auge sob a ditadura fujimorista, se projeta até hoje no Peru

O Neoliberalismo está na base da tragédia nacional. A ele se pode atribuir todos os mortos e contagiados pela pandemia, desde março até hoje
Gustavo Esteva
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Devo confessar que, inicialmente, não levei muito a sério aquilo do coronavírus. Inclusive fiz piada com meus amigos. Disse a eles que quando chegasse o coronavírus às nossas costas, poderíamos nos valer de algumas ostentosas bandas que brotam por estes lares –“Los Raqueteros de los Olivos”, “Los Trapaceros del Agustino” ou “Los Malditos de Castilla”, para que o assaltassem e lhe roubassem a Coroa. Ficaria assim como um vírus comum e silvestre, sem amparo algum.
Depois, cheguei à mesma conclusão de um engenhoso amigo da rede que pensou que na pandemia, os pobres pretenderiam assaltar e roubar à vontade, mas finalmente descobriu que não eram os pobres, mas os ricos que agiam assim.

Isto para falar da máscara da CONFIEP, essa que estreou María Isabel León, a Presidenta do associação de empresários, ao conversar recentemente com o Presidente Vizcarra: uma bandeira peruana.
Ela usou essa máscara, destinada protegê-la do vírus, em um duplo sentido dialético: para adoçar sua mensagem, e para encobrir suas intenções. Também se poderia dizer que a bandeirinha lhe tapou a boa, para que não continuasse mentindo.

O Neoliberalismo está na base da tragédia nacional. A ele se pode atribuir todos os mortos e contagiados pela pandemia, desde março até hoje

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A pobreza em um país onde 72% da PEA não tem trabalho; 38% carece de água e outros serviços elementares; e 60% da infância vive desnutrida.

Porque, na verdade, a líder dos empresários quis apresentar a “vontade patriótica” de seus colegas para alcançar, em troca, novas concessões do governo atual, como se não tivesse já tirado dele tudo o que pode. 

O país inteiro poderia ficar literalmente boquiaberto se tivesse consciência real do que levaram os empresários nestes meses de pandemia. Não apenas não perderam nada – isso de que estão “à beira da falência” é uma mentira maior que o Himalaia – mas, além disso ganharam, depois de conseguir que o Estado lhes dê “reparações”.

Já arrancaram, com o Programa Reativa Peru, 61 bilhões de soles; mas depois levaram muito mais, infringindo enormes danos ao país. A isso somaram 35% da folha de pagamento que o Estado aportou para que não despedissem trabalhadores, e até a “suspensão perfeita” – herdada do fujimorismo – entusiasticamente aplicada em prejuízo de más de 300 mil trabalhadores que já foram postos na rua, sem direito a espernear. 

Hoje se sabe que 14 empresas investigadas pela Lava Jato e Panamá Papers foram beneficiados com 52 milhões de soles; que Carlos Rodríguez Pastor – talvez o homem mais rico do Peru – obteve 191 milhões de soles; que o diário “El Comercio” conseguiu um aporte de quase 40 milhões de soles para “encarar sua crise”, sem que deixasse por isso de despedir jornalistas e trabalhadores; que a empresa Linde Gás Peru –chamada também de AGA GAS- obteve cinco milhões e 860 mil soles, através do Banco de Crédito do Peru. 

Outros 17 bilhões foram parar na Intercop e Belcorp, grupos financeiros que conseguiram que suas empresas obtivessem cada uma 10 milhões de soles. E se fosse pouco, as Clínicas Privadas -essas que tiveram enormes ganhos cobrando por testes outorgados gratuitamente pelo Estado, e pelo tratamento da Covid-19 – também levaram “o seu” e o mesmo aconteceu com as mineradoras que não pararam nunca e que hoje registram mais de 700 operários contagiados pelo vírus, além de ingentes lucros. 

O Ministério de Economia anunciou com estardalhaço ter entregado “como empréstimo” 24 bilhões de soles para a “recuperação das empresas”. 71% desse montante foi para as grandes; 20% para as pequenas; 4% para as médias e só 3% para as microempresas. Quem ficou com a parte do leão? 

A ministra da economia sublinhou com inegável candor que não se tratava – no caso – de uma doação, mas apenas de um empréstimo. Mas disse, para que não ficasse dúvida, que se as empresas não honrassem a dívida, ela seria paga com o dinheiro de todos os peruanos. 

Recentemente, e não sem assombro, o New York Time perguntava porque o Peru teve maus resultados em sua estratégia contra o vírus se ela foi a mesma aplicada em outras partes com melhor resultado. Da análise – e da própria realidade – fluem três razões: a notável pobreza da população; o desastre do sistema de saúde e a corrupção que corrói as próprias bases da sociedade peruana. 

A pobreza em um país onde 72% da PEA não tem trabalho; 38% carece de água e outros serviços elementares; e 60% da infância vive desnutrida. O sistema de saúde colapsado desde o início da crise. E a corrupção que alcançara seu auge sob a ditadura fujimorista, se projeta aleivosamente em nosso tempo.

A isso haveria que agregar, sem dúvida, a extrema voracidade dos poderosos e a incoerência da política oficial que não atina a perceber a realidade, nem se dá conta das verdadeiras necessidades de nosso povo.

O Neoliberalismo está na base da tragédia nacional. A ele se pode atribuir todos os mortos e contagiados, desde março até hoje. Operou com um bisturi envenenado: a Constituição de 93. E cavalgou sobre o lombo de um cavalo errático que não descobriu nunca qual era o caminho. Enfeitiçado pelas sereias que tentaram Ulisses em conseguir, Martín Vizcarra caiu nas redes da CONFIEP, seduzido por uma máscara pintada.

*Colaborador de Diálogos do Sul, de Lima, Peru.  



As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Esteva

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