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O relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2015, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário – Cimi -, evidencia a permanência do quadro de omissão dos poderes públicos em relação aos direitos dos povos indígenas, especialmente em relação ao direito à terra, o que impacta drasticamente no direito deles viverem de acordo com o seu modo tradicional, ambos reconhecidos e garantidos pela Constituição Federal.
Os dados evidenciam que, em 2015, também permaneceu a situação de constante invasão e devastação das terras demarcadas; assim como se manteve a realidade de agressões às pessoas que lutam por seus legítimos direitos, com casos de assassinatos, espancamentos e ameaças de morte, dentre outros; e permaneceu ainda um assustador número de morte de crianças até 5 anos, em muitos casos por doenças facilmente tratáveis.
Chama atenção o agravamento do número de perversos ataques milicianos contra os frágeis acampamentos das comunidades Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Até mesmo inaceitáveis práticas de tortura com requintes de crueldade, como a quebra de tornozelos de anciãos, foram realizadas. Neste caso específico, em outubro, no tekoha Mbaracay, município de Amambai, após um desproporcional ataque com armas de fogo.
Nesse sentido, o presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho, Dom Roque Paloschi, na apresentação do relatório, indigna-se “porque se repetem e se aprofundam as mesmas práticas criminosas, sem que medidas tenham sido efetivamente adotadas”, e questiona: ” Até quando teremos que apresentar esses relatórios?”.
Dados de 2015
Como em anos anteriores, em 2015 pouco se avançou nos processos de regularização das terras indígenas. Sete homologações foram assinadas pela presidenta Dilma Rousseff, enquanto o Ministério da Justiça publicou apenas três Portarias Declaratórias e a Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) identificou somente quatro terras indígenas, além de ter publicado duas Portarias de Restrição.
De acordo com a Constituição Federal, todas as terras tradicionais indígenas deveriam ter sido demarcadas até 1993, cinco anos após a promulgação da Constituição. No entanto, de acordo com o levantamento do Cimi, de 31 de agosto de 2016, 654 terras indígenas no Brasil aguardam atos administrativos do Estado para terem seus processos demarcatórios finalizados. Esse número corresponde a 58,7% do total das 1.113 terras indígenas do país.
Observa-se que, do total dessas 654 terras indígenas com pendências administrativas para terem finalizados os seus procedimentos demarcatórios, 348 terras – ou seja, pouco mais da metade (53%) – não tiveram quaisquer providências administrativas tomadas pelos órgãos do Estado até hoje. O maior número de terras nessa etapa Sem Providências concentra-se no Amazonas (130), seguido pelo Mato Grosso do Sul (68) e pelos estados de Rio Grande do Sul (24) e Rondônia (22).
Outras 175 terras, ou 26%, encontravam-se na fase A Identificar. Em muitos casos, verifica-se intensa morosidade nesta etapa. Podemos citar o caso da Terra Indígena (TI) São Gabriel/São Salvador, do povo Kokama, localizada no município de Santo Antônio do Içá, no Amazonas, que teve seu Grupo Técnico criado em 25 de abril de 2003 mas, doze anos depois, seus trabalhos ainda não foram concluídos.
O Cimi registrou 18 conflitos relativos a direitos territoriais e 53 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio dos povos, sendo que o Maranhão é o estado com o maior número de registros, com 18 casos.
Em 2015, segundo os dados oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Grosso do Sul (Dsei-MS), houve 137 assassinatos de indígenas em todo o país, sendo que 36 deles foram registrados pelo Dsei-MS.
Os dados da Sesai, no entanto, não permitem uma análise mais aprofundada, visto que não apresentam informações detalhadas das ocorrências, tais como faixa etária das vítimas, localidade e povo. Os dados sistematizados pelo Cimi registraram um total de 54 vítimas, sendo que 20 das ocorrências aconteceram no Mato Grosso do Sul, que novamente é o estado com o maior número de casos.
Dentre os casos envolvendo conflitos fundiários, destacamos o macabro assassinato de Vítor Kaingang, uma criança de apenas 2 anos, em Santa Catarina, em dezembro de 2015. Na TI Tupinambá de Olivença, Adenilson da Silva Nascimento, conhecido como Pinduca, importante liderança de seu povo que lutava pela regularização fundiária da terra tradicional, foi assassinado numa emboscada por disparos de arma de fogo.
No estado do Maranhão, na TI Alto Turiaçu, a liderança Euzébio Ka’apor, que também liderava seu povo na luta pela defesa de seu território e, especialmente contra a exploração madeireira, foi assassinado a tiros quando estava no município de Centro do Guilherme.
Outro caso preocupante ocorreu no Mato Grosso do Sul, o Guarani e Kaiowá Simeão Vilhalva foi assassinado depois que os fazendeiros e políticos da região do município de Antônio João promoveram um ato público convocando a população a se rebelar contra a comunidade indígena de Ñhanderu Marangatu. Os indígenas haviam realizado algumas ações de recuperação de parcelas de seu território, que havia sido homologado em 2005 mas, no entanto, permanece sob a posse de não índios.
Ainda em relação à violência contra a pessoa, houve o registro de 31 tentativas de assassinato; 18 casos de homicídio culposo; 12 registros de ameaça de morte; 25 casos de ameaças várias; 12 casos de lesões corporais dolosas; 8 de abuso de poder; 13 casos de racismo; e 9 de violência sexual.
Dos 87 casos de suicídio em todo o país registrados pela Sesai e pelo Dsei-MS, 45 ocorreram no Mato Grosso do Sul, especialmente entre os Guarani e Kaiowá. Entre 2000 e 2015 foram registrados 752 casos de suicídio apenas neste estado.
Um recente estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Grupo Internacional de Trabalho sobre Assuntos Indígenas (IWGIA) sobre os Guarani e Kaiowá afirma: “…esses jovens indígenas carregam um trauma humanitário cheio de histórias contadas por seus parentes, histórias de exploração, violências, mortes, perda da dignidade, enfim, a história recente de muitos povos indígenas. Histórias carregadas de traumas, presas a um presente de frustrações e impotência. Nessas circunstâncias, estes jovens são o produto do que se costuma chamar uma geração que sofre do que se chama Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)”.
Com base na Lei de Acesso à Informação, o Cimi obteve, da Sesai e do Dsei-MS, dados parciais da mortalidade indígena na infância. Somando as duas bases de dados, chega-se a um total de 599 óbitos de crianças menores de 5 anos em todo o país. Trata-se de números parciais, visto que pelo menos três Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei) deixaram de informar se houve mortes na área de sua abrangência (Alto Rio Juruá, Bahia e Parintins).
As três principais causas das mortes foram: pneumonia não especificada, com 48 mortes (8,2%); diarreia e gastroenterite de origem infecciosa resumível, com 41 mortes (7%). Pneumonia, diarreia e gastroenterite são doenças perfeitamente tratáveis, mas causaram a morte de pelo menos 99 crianças menores de 5 anos.
A região Norte do país concentra o maior número de óbitos, com 349 mortes de crianças menores de 5 cinco anos, ou 58% do total dos dados parciais. Os povos indígenas mais afetados são das áreas de abrangência dos Dsei Xavante, com 79 óbitos, Alto Rio Solimões, com 77 óbitos, e Yanomami, com 72 óbitos.
Os dados do Dsei Mato Grosso do Sul revelam um coeficiente de mortalidade infantil duas vezes maior que o da média nacional, com 26,35 por mil nascidos vivos. A taxa de mortalidade infantil no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 13,82 por mil nascidos vivos (dados de 2013). Os dados mostram ainda que o maior número de óbitos ocorreu no polo base de Dourados, com 11 mortes.
Ainda em relação à violência por omissão do poder público, foram registrados 52 casos de desassistência na área de saúde; 3 mortes por desassistência à saúde; 5 casos de disseminação de bebida alcoólica e outras drogas; 41 registros de desassistência na área de educação escolar indígena; e 36 casos de desassistência geral.
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p style=”padding-left: 30px;”>Retrocesso e criminalização
Nas análises publicadas no relatório, o Cimi avalia que a ofensiva sobre os direitos indígenas realizada pelos Três Poderes, e protagonizada especialmente pela bancada ruralista no Congresso Nacional, assim como pelo Executivo em relação à omissão nas demarcações de terras, é diretamente responsável pela permanência do quadro de severa violência e violações aos povos indígenas no Brasil, assim como pelo agravamento dos cruéis ataques no Mato Grosso do Sul.
Nesse contexto, em um dos textos da apresentação, o secretário executivo do Cimi, Cleber César Buzatto, ressalta a agudez da criminalização em 2015. “A tentativa de criminalizar lideranças indígenas, profissionais de antropologia, organizações e pessoas da sociedade civil que atuam em defesa dos projetos de vida dos povos indígenas no Brasil também foi intensificada pelos ruralistas em 2015”, avalia Buzatto, referindo-se, por exemplo, às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) contra o Cimi, instalada na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, e a da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), instalada na Câmara dos Deputados.
(veja a íntegra em http://www.cimi.org.br/pub/relatorio2015/relatoriodados2015.pdf )
*Original de Pravda.ru