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Crise sanitária pôs em evidência limitações e deformações da sociedade peruana

É quase um lugar comum dizer que, no marco da luta contra a pandemia que nos afeta tão duramente, se agravaram as tensões sociais
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

É quase um lugar comum dizer que, no marco da luta contra a pandemia que nos afeta tão duramente, se agravaram as tensões sociais. Em outras palavras, a confronte de classe em adquirido um nível mais alto na medida que foram entrando em cena, um a um, os atores do drama peruano. 

Isto não deveria surpreender ninguém, porquanto a crise sanitária desnudou a essência da sociedade peruana e pôs em evidência não apenas suas limitações, mas também suas arraigadas deformações.

Todos pudemos apreciar as iniquidades de um sistema que privilegia a economia, antes que a saúde, o dinheiro, antes que a vida. Que cada quem opte por um ou outro, porque cada um defende o seu, e o faz claramente. 

Mas essa é uma coisa; e outra é que, para que uns imponham sua vontade a outros, aqueles que têm, em suas mãos as rédeas do poder. Agarrem a pauladas seus adversários para reprimi-los e submetê-los.

É quase um lugar comum dizer que, no marco da luta contra a pandemia que nos afeta tão duramente, se agravaram as tensões sociais

EU Civil Protection and Humanitarian Aid
É quase um lugar comum dizer que, no marco da luta contra a pandemia que nos afeta tão duramente, se agravaram as tensões sociais.

E aí sim, se são usados esses procedimentos, pode-se chegar a extremos agressivos que há que enfrentar sem disfarce. É por isso que hoje usamos o título dessa nota. Trata-se de uma severa advertência que não deve cair em saco furado e que deve ser levada em consideração por aqueles, desde as latas esferas do Estado, e proclamam depositários da “confiança cidadã”, embora essa camisa lhes fique notoriamente grande. 

Recentemente se evidenciou um grave conflito entre os trabalhadores municipais encarregados da limpeza pública e o município da capital. Os primeiros lutam por manter seu posto de trabalho e o segundo busca – conforme parece – economizar alguns centavos às arcas municipais privatizando certos serviços de limpeza e salubridade. 

Parece que as autoridades da capital acreditam que seu dever é assegurar que o município gaste menos, mesmo que isso implique um trabalho mais precário para seres humanos que cumprem a mais humilde das tarefas: livrar os lixo esta Lima que ainda tem certos vestígios de vice-reino. 

A terceirização dos serviços é um tipo de engodo pseudo jurídico de que se valem algumas empresas quando querem gastar menos e ganhar mais. Mas não tem nenhuma justificativa em uma administração que carece de fins de lucro e que brinda serviços à comunidade. 

O prefeito e os vereadores devem assegurar que esses serviços sejam eficientes e não pretender que custem menos ao município, porque a prefeitura não é uma empresa. Além disso, as rendas do município provêm do aporte da cidadania e não custa um centavo àqueles que desempenham ocasionais funções de mando. 

Nada justifica a “terceirização” dos serviços, sobretudo quando se considera que isto torna precários os empregos e tiram direitos e benefícios dos trabalhadores. Mas se a esta ação vai junto com uma repressão selvagem contra aqueles que se enfrentam a ela, então já estamos diante de um extremo simplesmente intolerável. 

E isso é o que vimos no dia da Festa Nacional diante da sede do Congresso da República, quando as trabalhadoras do município de Lima foram brutalmente agredidas pelo simples fato de fazer ouvir sua voz.

A obscura e deplorável agressão contra Isabel Cortez -a valorosa dirigente das trabalhadoras da limpeza – pode ser atribuída a uma provocação orientada a exacerbar os ânimos e acirrar o confronto; mas a repressão selvagem contra as operárias do serviço público não tem a menor justificativa. 

Além do mais, foi exercida contra aquelas que até o dia anterior eram consideradas, legitimamente, como heroínas da resistência à pandemia porque haviam saído para trabalhar arriscando sua vida no auge da quarentena que pôs a salvo a maioria dos peruanos, inclusive os funcionários municipais. 

Mas outros heróis também foram brutalmente agredidos: os médicos, enfermeiras e o pessoal da saúde nas diferentes unidades hospitalares. Jatos de água gelada e gases em abundância foram lançados contra os servi dores da área da saúde no mesmo dia da apresentação do gabinete Martos. Por que ocorreu isso? Com que direito foram atacados assim? 

Esses profissionais da saúde estão salvando vidas mesmo à custa das suas. Por que o agridem? Porque pedem Equipamentos de Proteção Pessoal, ou pagamento por seus serviços?

Invertamos os papéis: demos paus e armas aos trabalhadores da saúde e estimulemos os policiais, sem armas, a se manifestarem pedindo garantias para seu trabalho e proteção para suas vidas. Poderiam os médicos agrediram os policiais? Alguém justificaria isso? 

O fato de que o Presidente Vizcarra tenha comparecido ao ato convocado pelo médicos em homenagem aos seus companheiros caídos, e cobrado recentemente em Miraflores, diz algo de sua sensibilidade. Mas diria muito mais, se ordenasse através do titular do Interior, que a polícia não agredisse os profissionais de saúde que formulam demandas totalmente legítimas. 

Se algo há que condenar em um governo como este – além de seu obcecado servilismo diante do Império e sua servil posição diante do neoliberalismo – e tendência a reprimir selvagemente aqueles que expressam demandas legítimas. 

Recentemente fizeram isso em Espinar, em um fato condenável que custou a vida a três moradores da região. Mas também na Amazônia, com um saldo similar. O que estão procurando? Sentar as bases de um Estado Policial? Isso é algo que se podia esperar da Máfia Fuji-aprista, mas não se um governo que diz ser diferente dela. 

Mas as coisas vão além. Recentemente foi sequestrado e detido no norte do país Luis Cerna, dirigente dos trabalhadores mineiros de MARSA, que denunciou e se enfrentou a certas manobras patronais. Ainda hoje permanece nas mãos de seus captores. O governo tem vontade de calar vozes como essas?

É bom pôr cada coisa em seu lugar. O governo deve encarar e resolver os problemas das pessoas. Não as reprimir cada vez que protestam por algo que anda mal.

*Colaborador de Diálogos do Sul de Lima, Peru. 


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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