O apoio quase incondicional dos dois partidos da cúpula política estadunidenses a Israel é frequentemente atribuída ao poder do “lobby judeu”, mas a verdade é que o maior e mais poderoso setor sionista é dos cristãos evangélicos.
O poder dos cristãos evangélicos foi evidente na manifestação de “Apoio a Israel” este mês em Washington, quando o pastor cristão evangélico do Texas John Hagee, líder do Cristãos Unidos por Israel, foi um dos principais oradores diante das mais de 10 de mil pessoas que participaram. “Não há um lugar intermediário neste conflito, ou está com o povo judeu, ou não está”, declarou Hagee, chefe de sua igreja de 5 mil pessoas em San Antonio, no Texas, e quem encabeça esta agrupação nacional sionista de lobby que tem, segundo ele, 10 milhões de inscritos a favor de apoio incondicional a Israel.
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Isso superou o número total da população que se identifica como judia nos Estados Unidos, entre 6 e 8 milhões, segundo cifras do Pew Research Center – e há amplos e profundos desacordos sobre Israel entre eles, os mais visíveis nas marchas e atos de desobediência civil contra a guerra de Israel em Gaza por milhares que participam com camisetas e faixas de “judeus por um cessar-fogo” e a consigna “não em nosso nome”.
Mas não há dissidentes dentro do Cristãos Unidos por Israel. “Agora é o momento de exterminar o Hamas. Ponha um fim nele e faça-o agora”, declarou o pastor Hagee em um recente comício chamado “Noite em Homenagem a Israel”, realizado em sua mega igreja. Segundo reportou o Texas Monthly, o líder desta seita do sionismo cristão agregou: “Israel hoje, Israel amanhã, Israel para sempre”, fazendo eco da frase que ficou famosa pelo governador racista George Wallace nos anos 1960: “Segregação agora, segregação amanhã, segregação para sempre“.
Embora possa ser surpreendente que cristãos fundamentalistas sejam o maior grupo em advogar pelo Estado Israelense, isto não é nada novo. De fato, vários especialistas e historiadores dizem que o sionismo cristão antecede a Israel, entre eles Noam Chomsky, que indicou que “o sionismo cristão é uma força muito poderosa com antecedentes muito anteriores ao sionismo judaico. Na Inglaterra, em particular, o sionismo cristão foi uma força muito poderosa entre a elite britânica”.
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Do ponto de vista dos sionistas evangélicos, os eventos recentes em Israel e Gaza são boas notícias e indicam o retorno de Jesus
Rockefeller e o sionismo cristão
Nos Estados Unidos, a primeira proposta formal para estabelecer um Estado judaico foi promovida em 1891, financiada pelo cristão John D. Rockefeller, contando com o apoio de vários legisladores e até um juiz na Suprema Corte.
O destacado historiador e professor Ilan Pappe recordou que o sionismo foi originalmente um projeto cristão evangélico. “Esta genealogia do sionismo é usualmente ignorada quando os historiadores consideram o motivo da Bretanha ter decidido apoiar o projeto sionista judeu de colonizar a Palestina e criar ali um Estado judeu. Esta é uma dimensão histórica importante que é crucial para entender o êxito dos sionistas desde 1917… A aliança entre cristãos evangélicos em ambos os lados do Atlântico, as classes governantes britânicas (e em particular a liderança anglo-judaica e a aristocracia) estavam aí para facilitar o início da sionização da Palestina. Essa aliança ainda está viva hoje e continua salvaguardando Israel e evitando a pressão justa e moral a partir de fora para frear as políticas genocidas contra os palestinos”.
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De fato, em princípios deste mês marcou-se o 106º aniversário da Declaração de Balfour de 1917, na qual a Grã-Bretanha declarou sua intenção imperial de estabelecer uma nação judaica.
Segundo os sionistas cristãos de hoje nos Estados Unidos, a Bíblia diz que os judeus são o povo escolhido por Deus e que é o dever dos cristãos regressá-los ao reino bíblico de Israel, abarcando tudo desde o rio Jordão até o mar. “Uma vez restabelecido esse reino, muitos cristãos evangélicos creem que Jesus regressará. Então, os cristãos, junto aos judeus que se arrependerem por terem recusado Cristo e se converterem em cristãos, ingressarão no paraíso, enquanto o resto da humanidade sofrerá o apocalipse”, explica o editor do Texas Monthly Josh Álvarez, o qual reportou extensamente sobre este movimento.
Do ponto de vista desses sionistas evangélicos, os eventos recentes em Israel e Gaza são boas notícias. “Muitos televangelistas apresentaram o ataque de terror do Hamas contra Israel em 7 de outubro como parte de uma profecia bíblica que alguns cristãos evangélicos creem que é um sinal do ‘fim dos tempos’. Estes sionistas cristãos pregaram que o derramamento de sangue em Israel é necessário para o segundo regresso de Jesus Cristo”, escreve o repórter Lee Fang. Segundo esta crença, “o fim dos tempos chega com cristãos fiéis extasiados ao paraíso e Cristo regressando para matar ou converter os não crentes, incluindo judeus, antes de governar sobre o mundo em uma era final da humanidade”.
O sionismo cristão neste país é uma força cada vez mais poderosa – e em número de membros, muito maior que os 100 mil que formam parte do maior lobby sionista judeu, o American Israel Public Affairs Council, ou AIPAC.
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Esse poder pode ser medido não só em números, mas sim por quem se sente obrigado a se apresentar nos eventos do Cristão Unidos por Israel, entre eles, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, a candidata presidencial republicana Nikki Haley, o ex-secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, e senadores federais como Ted Cruz e Tom Cotton.
O novo presidente da câmara baixa do Congresso Federal, o republicano Mike Johnson, um cristão fundamentalista, somou-se às posições dos sionistas cristãos em um discurso recente ante a Coalizão Judaica Republicana em um ato em Las Vegas, onde reiterou seu rechaço a um cessar-fogo em Gaza afirmando que “Deus abençoará a nação que abençoe a Israel”, reportou o The Nation. Também se referiu à lógica da profecia do fim dos tempos ao declarar que “Deus ainda não terminou em Israel”.
O mesmo se pode dizer dos sionistas cristãos estadunidenses.
David Brooks e Jim Cason | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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