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Cuba: A segunda vitória de Girón

João Baptista Pimentel Neto

Tradução:

Pela primeira vez na história, há 55 anos Estados Unidos pagou a Cuba uma indenização de guerra pelos danos materiais causados. A indenização exigida por Fidel Castro foi de 62 milhões e 300 mil dólares.

Deisy Francis Mexidor*

A indenização exigida por Cuba foi de 62 milhões 300 mil dólares, da época.
A indenização exigida por Cuba foi de 62 milhões 300 mil dólares, da época.

Pela primeira vez na história, há 55 anos Estados Unidos pagou a Cuba uma indenização de guerra pelos danos materiais causados, fato que ressaltou a genialidade do líder da Revolução, Fidel Castro. Os pormenores do que ocorreu naquelas jornadas está num livro lançado recentemente: Batalha pela indenização. A segunda vitória de Girón – Prêmio de Pesquisa do concurso 26 de Julho.
Na madrugada de 17 de abril de 1961 forças mercenárias desembarcaram na baía cubana de Cochinos (há uns 175 km ao sul de La Habana). Essas tropas, organizadas, financiadas, armadas e treinadas pelo governo de Estados Unidos foram aniquiladas em apenas 66 horas pelo povo fardado, propiciando a Washington sua grande derrota na América Latina.
Pouco se conhece do Girón político, a estratégia desencadeada pelo jovem Fidel, com 34 anos nesse momento. Estados Unidos teve que pagar a um país do Terceiro Mundo, distante 90 milhas de sua costa. O texto exigiu muitas horas de pesquisa por Eugenio Suárez, diretor do Bureau de Assuntos Históricos do Conselho de Estado de Cuba, e de Acela Caner, professora e pesquisadora, e sua esposa.
“Nós temos um livro anterior sobre Girón. Realmente, sobre Fidel Castro, são nove as obras que já publicamos, incluindo este”, disse Caner em entrevista à imprensa, em sua residência cheia de livros, recortes de jornais, revistas.
“No livro Fidel, dias de Girón, uma das coisas que mais nos chamava a atenção é que cada vez que fazíamos uma apresentação nos perguntavam: O que aconteceu com os mercenários?. Alguns punham cara de ignorância e outros, inclusive professores, asseguravam que tínhamos trocado por compotas”, esclareceu Caner.
Não obstante o fato teve uma conotação bem maior. “Não os trocamos por compota. A genialidade de Fidel esteve em fazer que pagassem uma indenização pelos danos materiais causados”. E é importante enfatizar, continuou Caner, que “Fidel propôs o pagamento por danos materiais porque não havia dinheiro no mundo que pudesse recompensar pelas perdas de um só de nossos mortos”.
A indenização exigida por Cuba foi de 62 milhões 300 mil dólares, da época.

Horas depois da derrota

8194978A imprensa nacional deu grande cobertura nos dias de combate, à vitória, “mas depois não repercutiu outros temas como a prisão de 1.200 mercenários”, cuja captura foi dirigida pessoalmente por Fidel e “começou a segunda etapa da batalha de Girón que culminou com a segunda vitória”.
No dia 21 apresentaram os prisioneiros pela televisão e no 23, “Fidel diante das câmeras explicou detalhe por detalhe, mostrando mapas, o que ocorreu durante a invasão, mas não informou o que se faria com os mercenários”.
O dia 26 de abril, os autores chamam “diálogo com os vencidos”. “Fidel se reuniu na Cidade Desportiva com os 1.200 prisioneiros de guerra”. Durante o diálogos “Fidel responde e faz perguntas. Falou sobre reforma agrária, de reforma urbana, de política. A realidade é que o objetivo de Fidel não era convencer os mercenários, mas sim deixar claro ao povo cubano que não se deveria aplicar a pena máxima (morte) como boa parte da população exigia”.
Fidel disse então: “nós não acreditamos que seja correta aplicar uma sentença coletiva de pena de morte. Nós acreditamos que isso diminuiria nossa vitória. Nós acreditamos que isso só serviria para os inimigos da Revolução se aproveitarem dessa circunstância”.
Mais adiante asseverou: “Nosso povo não é um povo vingativo, nem é um povo que alimente ódio”. O que ocorreu nessa reunião foi transmitido ao vivo por rádio e televisão e depois publicado pela revista Bohemia e no jornal Revolución.

O comitê dos próprios

No dia 17 de maio de 1961 Fidel anunciou publicamente a disposição do governo revolucionário de libertar os mercenários capturados se Estados Unidos pagassem a Cuba uma indenização.
Segundo Eugênio Suárez, o fato deu início a uma complexa batalha política em que brilhou a estratégia de Fidel até conseguir, em dezembro de 1962, que o governo estadunidense pagasse à Cuba indenização de guerra.
Caner lembra que diante da proposta de Cuba, a administração do presidente John Kennedy tratou de impedir a devolução dos prisioneiros por diferentes fórmulas, entre as quais estava “desconhecer” o conceito de indenização por guerra. ”Washington se negava a aceitar esse conceito e propunha que se anunciasse como troca ou ajuda humanitária”.
Na continuidade dessa batalha política Fidel propôs a criação de um comitê integrado por dez prisioneiros de guerra, selecionados livremente por eles mesmo. O Comitê dos Próprios, como foi denominado, “viajou duas vezes a Estados Unidos para negociar o pagamento da indenização”. Quem eram os próprios? Os mercenários que eram os mais interessados. Ninguém iria defender ou querer atuar por eles. Foram os próprios mercenários que defenderam a indenização, posto que significada a própria libertação”. Essa foi realmente uma jogada magistral do líder cubano.

“O beco sem saída

Ambos historiadores recordam que o presidente Kennedy estava num beco sem saída. De um lado não podia aceitar completamente a proposta de indenização de guerra feita por Fidel e, recusá-la seria pior.
Desde o início se deixou claro que se tratava de uma indenização, não de uma troca, e foi assim como tiveram início as conversações. Não obstante, Fidel diante de eventuais manipulações de Estados Unidos,  colocou logo os pontos nos ís, ao advertir que se de troca se tratasse, Cuba estaria disposta a fazer homem por homem.
Ou seja, o governo cubano manifestou sua disposição de devolver esses mais de mil mercenários, os que não tivessem crimes em sua folha, a troca de receber mil e 200 prisioneiros políticos.
Caner esclarece que inclusive se manejou nomes naquele momento. Fidel disse, por exemplo, que Alfredo San Román, chefe da brigada mercenária invasora, poderia ser trocado por Pedro Albizy Camposm o patriota porto-riquenho há vários anos encarcerado em território estadunidense.
Fidel também mencionou uma longa lista de presos políticos nos cárceres franquistas de Espanha, como o poeta Marcos Ana: presos na Guatemala, em El Salvador, Nicarágua…. enfim , Estados Unidos nunca sequer tocou nesse assunto.

Dezembro de 1962, há 55 anos

Depois de uma interrupção, as conversações se restabeleceram em novembro de 1962. Assim, em 21 de dezembro foi assinado o documento entre Cuba e Estados Unidos em que este paga a indenização. Foram acordados diferentes formas de pagamento: com equipamentos, alimentos para bebês… além de dinheiro vivo, dinheiro que foi utilizado para desenvolver a avicultura no país.
“Há um momento em que Fidel disse, e talvez muitos não recordam, que cada vez que os cubanos comemos um ovo cozido ou frito temos que lembrar que isso é parte do resultado da indenização”, lembrou a pesquisadora.
Tanto é assim que com o pagamento da primeira parcela, de dois milhões e meio de dólares, foram adquiridos no Canadá, pintinhos, incubadoras, equipamentos e insumos para o setor avícola, informou o diretor do Bureau de Assuntos Históricos do Conselho de Estado.
Em 23 de dezembro começaram a chegar as primeiras remessas de produtos e no dia seguinte se deu a saída dos mercenários. Foi algo que se adiantou, “Fidel assistiu o desembarque e sugeriu ali mesmo que se aproveitasse os aviões que regressariam vazios para levar os prisioneiros”.
Para os familiares dos mercenários que desejassem sair do país, também foi utilizado um barco que chegou em 23 de dezembro no porto de La Habana –o African Pilot- que trazia 10 milhões de dólares em produtos como parte da indenização. Nesta foram mil e quinze pessoas.
O desembolso pela indenização era previsto para ser feito em três meses. “Houve momentos de dificuldades, porém, fluiu. Da cifra conveniada, Estados Unidos liquidou cerca de 53 milhões de dólares. Faltaram quase dez milhões”, informou a professora Caner
Não obstante, como advertiu o próprio Fidel: “o que queríamos era o pagamento de uma indenização, não por necessidade de dinheiro mas como um reconhecimento do governo de Estados Unidos da vitória revolucionária. Tratava-se, na verdade, de um castigo moral”.
Em 2 de janeiro de 1963, ao abordar o tema, Fidel deu a chave: “O fato é que tiveram que aceitar pagar uma indenização e que por primeira vez em sua história o imperialismo paga uma indenização de guerra”.
 
*Prensa Latina, de La Habana especial para Diálogos do Sul, direitos reservados
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

João Baptista Pimentel Neto Jornalista e editor da Diálogos Do Sul.

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