Durante o transcurso dos anos, os acontecimentos mais decisivos da história da Humanidade vão adquirindo a tinta sépia das velhas fotografias. Transformam-se pouco a pouco em lendas ou, no melhor dos casos, em acontecimentos isolados desprovidos do impacto na realidade atual. Assim é como são ensinados nas aulas de história, talvez com um propósito de isolá-los em uma cápsula de tempo para esterilizar sua transcendência.
No entanto, esses marcos representam momentos nos quais a rota se modificou para traçar um caminho novo, embora nem sempre melhor. Na medida em que as sociedades avançam pressionadas pelos desafios da sobrevivência, seus momentos de dor e de perda vão ficando ocultos em uma bruma propícia para o esquecimento, que representa o enorme risco de repetir o ciclo uma e outra vez, abandonando, ao largo dessa marcha, os sonhos e ambições de criar sociedades mais justas e humanas. É a cultura do esquecimento, uma doença coletiva que, como um vírus maldito, nos condicionou a deixar para trás as lições mais valiosas.
Uma das consequências deste fenômeno coletivo é o rebrote de movimentos marcados pelo racismo e pela violência fascista em países que experimentaram o pior do nazismo durante as maiores e mais cruéis caçadas humanas da história, mas também estendidos ao resto do planeta. É um exercício de poder e perversão cujo germe pareceria estar presente no próprio núcleo da espécie humana, tal e como se manifesta em outras caçadas, perpetradas sob algumas regras que segmentam as comunidades entre aqueles que possuem o direito de viver e aqueles que hão de ser exterminados.
Notícias ao Minuto
A cultura do esquecimento
Um processo similar se produz diante do esgotamento dos recursos, da destruição dos ecossistemas e da mortal indiferença daqueles que têm o poder de intervir para mudar o curso dos fatos. As comunidades humanas – parte do problema e também da solução – só observam, com atitude cética e conformistas, como é destruído seu mundo.
As evidências sobre a extinção de espécies, consequência do afã de riqueza e poder, vão de mãos dadas com as imagens de civis – convertidos em “danos colaterais” no meio de ataques bélicos de enorme magnitude – cujo único propósito é o controle econômico e geopolítico para aqueles que têm o poder.
Os mecanismos de eliminação da memória são ativados enquanto a realidade começa a estorvar nosso pequeno mundo cotidiano e a causar-nos moléstias na consciência. É a maneira de sacudir de nossa mente algo sobre o qual não temos modo de incidir; é o mecanismo do caranguejo que busca uma concha vazia na praia para esconder-se de seus depredadores e seguir adiante com sua vida.
O problema é que não temos um refúgio para nos proteger da destruição desses elusivos marcos de convivência nos quais baseamos nossa confiança. Entre eles, a ideia purificada e abstrata do significado de democracia.
Na rota do esquecimento e da conformidade terminamos por abandonar nosso papel ativo como membros de sociedades organizadas. Nos trocaram as regras do jogo e seguimos jogando sem conhecer os truques do adversário, porque tampouco sabemos quem é.
Como o caranguejo, buscamos o refúgio precário no esquecimento. E, como o caranguejo, acreditamos ser imunes ao olho treinado dos depredadores que nos rodeiam.
Estamos expostos aos efeitos do passado cada vez que tentamos esquecê-lo.
Carolina Vásquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala
Tradução de Beatriz Cannabrava
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