A folia tomou as ruas de Norte a Sul do país. Nos blocos, passarelas e avenidas, as marchinhas e samba-enredos embalaram a maior festa brasileira. O Carnaval crítico e satírico nos mostrou a cara do Brasil do golpe, do retrocesso e também da injustiça e da resistência, que segundo o historiador, escritor e pesquisador Luiz Antônio Simas é pilar de nossa história.
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Em entrevista, o autor de 16 livros sobre a cultura popular, entre eles o recente Almanaque Brasilidades e o ganhador do Prêmio Jabuti: “A História Social do Samba”, fala sobre a maior festa popular do planeta.
Reprodução / Facebook
Leia a íntegra da entrevista:
Maura Silva: Nós sabemos que o carnaval tem origem popular, mas, com o passar do tempo, a festa foi ficando cada vez mais mercantilizada (vide grandes desfiles e patrocínios). Na sua opinião, ainda é possível encontrar a cara do povo no carnaval?
Luiz Antonio Simas: Eu costumo dizer uma coisa que eu acho que é chave para que possamos entender o carnaval que, ao contrário do que a gente imagina, é uma festa com uma tradição muito politizada na história brasileira. Então, você pega, por exemplo, os carnavais do século 19, eram festas que problematizavam a abolição da escravatura e a disputa pela terra. Ainda no século 19 tínhamos também o entrudo — uma festa extremamente popular de origem portuguesa — e, ao mesmo tempo, tínhamos o carnaval mais elitista, dos salões, as festas das grandes sociedades. A rigor, o carnaval é uma festa disputada. Ele pode ser mais elitista ou mais popular. Particularmente, eu não acho que seja uma coisa ou outra. Ele é tensionado, existe uma disputa pelo carnaval, sempre foi assim.
No ano passado a escola de samba Paraíso do Tuiuti, no Rio de Janeiro, trouxe um enredo marcado por críticas sociais e governamentais. Esse ano a Mangueira foi campeã com uma homenagem à vereadora Marielle Franco, isso significa uma mudança do olhar social das escolas de samba?
Quando a gente fala de carnaval de escola de samba é importante entender o seguinte: a escola de samba não é exatamente uma instituição de resistência convencional como a gente imagina que seja uma instituição de resistência. Desde suas origens, na década de 1930, as escolas negociam com o Estado, com a contravenção, com o turismo, com a mídia, com o mercado. As agremiações alteram momentos de resistência, momentos de negociação e de adesão.
Politizou o governo Floriano Peixoto (1839-1895), o governo Hermes da Fonseca (1910-1914), satirizou poderosos, têm enredos que foram adesistas ao Estado Novo de Getúlio Vargas e à ditadura militar. Ao mesmo tempo, você tem enredos críticos a todo esse processo. Então, o que acontece em relação às escolas de samba é que a crise que atingiu os barracões nos últimos anos foi terrível, mas, ao mesmo tempo, foi positiva no seguinte sentido: as escolas de samba vinham aderindo a enredos muito marcados pela força do mercado porque você tinha uma marca que patrocinava a escola que, por sua vez, aceitava o dinheiro, mas o que aconteceu? Isso começou a mudar porque esse dinheiro sumiu e quando esse dinheiro some, as escolas de samba precisam mudar e aí vem, por exemplo, carnavalescos como Leandro, da Mangueira, Jacques Vasconcelos, da Paraíso do Tuiuti, que são pessoas com uma pegada mais progressista, mais de esquerda, e propõem enredo com cunho social mais efetivo.
Além disso, hoje nós podemos ver um avanço muito significativo nas pautas comportamentais, que foram respondidas com um discurso de retrocesso. Os festejos de Rio, São Paulo, Belo Horizonte têm apresentado uma grande novidade, que é o protagonismo da mulher brincando o Carnaval. Em 2019, as pautas do campo comportamental, que envolvem tolerância contra o obscurantismo, têm sido uma marca muito efetiva.
O atual governo e sua composição parece querer acabar com o carnaval e com quaisquer manifestações culturais. Como lidar com mais esse golpe?
O carnaval satiriza, lida com a galhofa, com o simulacro, então eu acho que quem diz que o carnaval é um momento de alienação devia estudar melhor a história da festa porque essa sempre foi uma festa que esteve relacionada à política seja como adesão ou como resistência.
Então, você tem um momento como esse em que temos governos reacionários, o Rio de Janeiro tem que lidar como uma prefeitura neopentecostal da igreja Universal do Reino de Deus que demoniza o carnaval. O governo federal recém-eleito é um governo que demonstra claramente que não tem a menor aptidão para gostar do carnaval, da festa, e é por isso mesmo que ele tem que ser criticado. De certa forma, os carnavais em momentos de crise são mais potentes porque a festa é um instrumento de subversão, é um exercício de cidadania por canais que não são formais, é cultura de fresta. Diante disso, me parece que politizar o carnaval, foi, é e vai continuar sendo fundamental na história do nosso país.