O livro Antifa: o manual antifascista, de Mark Bray, publicado no Brasil pela editora Autonomia Literária se inicia com uma epígrafe do revolucionário anarquista espanhol, Buena Ventura Durruti: “Fascismo não se debate, fascismo de destrói”. Mark Bray é historiador e investiga neste livro as práticas antifascistas do passado e do presente, assim como seus vínculos temporais como a reutilização de símbolos, técnicas, atualizações e dificuldades.
A obra perpassa a formação do fascismo como evento histórico dos Estados modernos em conjunto com as resistências antifas – como são chamados os antifascistas. Desde o final do século XIV e começo do século XX, são apresentadas uma profusão de práticas até a continuidade dessas lutas nas subculturas punks.
De um ponto de vista histórico, as linhas escritas por Bray percorrem o ano de 1945 como marco histórico, dividindo o tempo entre antes e depois da data. Narra a formação do KPD, divisão do Partido Comunista Alemão que deu vez à invenção da ação antifascista como uma rede de células fabris, vizinhos de bairro e outras associações distribuídas por território na tentativa de derrubar à República de Weimar.
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A tentativa era produzir uma unidade de luta que estivesse sob controle comunista. Também associações anarquistas combatiam todos os dias nas ruas a ocupação do Estado italiano por Mussolini, e, durante a revolução espanhola a CNT afirmaria que “ser antifascista é ser revolucionário”.
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Desde então, o combate pode assumir ou não o confronto físico, bairros ocupados, como a exarquia na Grécia, lutas de acolhimento de imigrantes, movimentos feministas (ou fantifas), academias de boxe, campeonatos e torcida organizada de futebol. Ações contra a formação de um mercado fascista, como na venda de objetos nazistas, passam a pulular em território europeu, incluindo impedir que estas lojas operem.
O lançamento ocorreu na Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei), atividade paralela da Flip em Paraty. Neste mesmo evento, ao receber o jornalista Glenn Grenwald, a festa foi alvo de um ato bolsonarista, localizado na outra margem do rio.
Com suas bandeiras verde-amarelas grafadas 17, colocaram caixas de som para abafar as falas da mesa e alvejaram a embarcação onde se realizava o debate por cerca de uma hora, sem ação concreta das forças de segurança do Estado, ou da organização da Flip.
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Escrito na urgência dos acontecimentos recentes no mundo, o encontro fortuito entre Mark Bray, e este acontecimento, desdobram as próprias tese do livro. O historiador mostra que a estratégia do diálogo, calcada na razão, e da fé nas estruturas do Estado democrático de direito nunca impediram o fascismo de ocupá-lo. Ademais, não existiram revoluções fascistas, todos os governos históricos reconhecidos como tal foram eleitos.
As estruturas utilizadas para a repressão são estruturas policiais formadas ainda em governos liberais, mesmo que em suas versões mais socializantes. Enquanto a esquerda tolerante lança mão da liberdade de expressão, que normaliza os discursos fascistas, os anifas se valem da estratégia de “nenhum palanque”. É preciso impedi-los de falar publicamente, porque seu discurso visa bloquear a diferenças. Sai-se da conhecida lógica de fundação dos Estados modernos que carregam um germe potencial do fascismo.
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O decorrer da leitura apresenta uma perspectiva antifa que não se resume ao combate violento de grupos fascistas, mas também a afirmação de um novo mundo no presente, com perspectivas anticapitalistas. Durruti, em entrevista a Van Passen no ano de 1936, faz a seguinte afirmação: “Nenhum governo do mundo combate o fascismo até suprimi-lo. Quando a burguesia vê que o poder lhe escapa das mãos recorre ao fascismo para manter o poder de seus privilégios, e isso é o que ocorre na Espanha. Se o governo republicano tivesse desejado eliminar os elementos fascistas, podia tê-lo feito há muito tempo. Ao invés disso, contemporizou, transigiu e gastou seu tempo buscando compromissos e acordos com eles”.
Iniciando com a epígrafe do mesmo anarquista espanhol, o livro, em seu decorrer, parece tentar incessantemente atualizar essa análise, apostando em descrever práticas de resistência que escapem à mera reposição do capitalismo.
*Wander Wilson é doutor em Antropologia pela PUC-SP.
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