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Lei “Só sim é sim” na Espanha: combater violência sexual exige rever papeis de gênero

O assédio sexual é consequência direta de padrões culturais consolidados através dos séculos, inclusive impressos em códigos e legislações
Carolina Vásquez Araya
Diálogos do Sul Global
Cidade da Guatemala

Tradução:

Nestes dias está em debate na Espanha a modificação da Lei de Garantia Integral de Liberdade Sexual, conhecida como a lei do “Só sim é sim”, considerada como um dos instrumentos legais mais avançados na matéria.

Esta lei surgiu como consequência do caso “a manada”, quando cinco homens violaram uma jovem de 18 anos em um portal durante as festas de São Sebastião em Pamplona.

Assédio sexual e discriminação: os desafios das mulheres para superar o machismo

A modificação da lei de assédio, impulsionada pelo governo espanhol, implica estabelecer o consentimento pleno antes de qualquer encontro sexual.

Isto significa que a agressão não está necessariamente rodeada de violência, já que a vítima pode se encontrar em um estado de pânico, intimidação ou inibida de defender-se por qualquer outra causa. 

No entanto, a nova lei abriu uma saída para que alguns agressores se beneficiem com uma redução de pena, cujas condenações maiores na nova legislação são reduzidas a um máximo de 4 anos de prisão.

Este cenário pôs novamente na balança um tema sensível, a situação de risco inerente à condição feminina. Por isso, para tipificar o delito de assédio sexual, primeiro há que se analisar a fundo os estereótipos que marcam a conduta de homens e mulheres dentro de uma sociedade patriarcal. As leis, embora constituam um importante avanço no estabelecimento de normas de respeito entre indivíduos, não vão ao fundo do problema.

O assédio sexual é consequência direta de padrões culturais consolidados através dos séculos, inclusive impressos em códigos e legislações

USP
O papel dos gêneros no contexto de sociedades patriarcais está definido pelos homens




Padrões culturais

O assédio sexual é consequência direta de padrões culturais consolidados através dos séculos, inclusive impressos em códigos e leis sexualmente discriminatórias em um marco de relações patriarcais, predominante em quase todas as nações do mundo.

Para combater esta deformação institucional, aceita até agora como um elemento inerente às relações entre os sexos, é indispensável compreender que não existem mecanismos transparentes nem ferramentas que garantam uma aplicação justa da lei. 

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Portanto, para as pessoas comuns, é uma estranha medida coercitiva que limita os direitos das pessoas, exagero legalista que pretende impor normas de conduta que só competem aos envolvidos dentro do âmbito de sua vida privada.

Ou seja, uma medida considerada, por efeito de estereótipos e tradições machistas, absurda e repressiva. Isto, porque de acordo com os costumes ancestrais, é permitido invadir o terreno íntimo de uma pessoa que está em qualidade de subordinada, seja por razão de seu sexo ou de sua posição na estrutura social. 

O fustigamento sexual, por razões de caráter cultural, se refere primordialmente à mulher, porque ela tem sido a grande perdedora na batalha dos sexos. Daí provém a fixação dos papéis masculino e feminino como o dominante e o dominado, o forte e o fraco, o ativo e o passivo. E então a sociedade aceita estas regras de jogo que lhe indicam claramente seu lugar na ordem social.

Para fazer de uma lei contra o assédio sexual um elemento eficiente, se deve atacar a fundo a origem das ambiguidades conceituais, porque poucas violações a esta lei se dão perante testemunhas. Isso se presta a confusões que podem resultar ainda mais humilhantes para as vítimas e as coloca frente a seu vitimador – palavra contra palavra – em um duelo degradante que não propicia um desenlace justo nem garante um avanço da sociedade contra o preconceito e a ignorância. 

O papel dos gêneros no contexto de sociedades patriarcais está definido pelos homens.

Carolina Vásquez Araya | Colaboradora da Diálogos do Sul na Cidade da Guatemala.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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