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ToggleEm 26 de julho deste ano, o mundo recordou o 70º aniversário de um dos acontecimentos mais transcendentes ocorridas na América no século XX: o Assalto ao Quartel Moncada, executado na cidade de Santiago de Cuba por um destacamento de valorosos lutadores liderados pelo então jovem advogado Fidel Castro Ruz.
Cuba na história
Como se recorda, este episódio se encontra registrado na história de Cuba e forma parte de uma longa cadeia de lutas travadas por esse povo desde outubro de 1868, quando se iniciava a guerra pela Independência de Cuba do domínio espanhol.
Como antecedentes mais ou menos imediatos de este singular acontecimento, poderíamos aludir à ditadura de Gerardo Machado, nos anos 30 do século passado e mais prontamente o golpe de Estado de Fulgencio Batista, ocorrido em 10 de março de 1952.
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Ambos os fatos mostraram nitidamente o rosto da classe dominante cubana, submetida sempre, e ao serviço da potência imperialista empenhada em anexar a Maior das Antilhas à administração dos Estados Unidos da América do Norte.
Em efeito, ambas as ditaduras agiram sempre sob a férula da Casa Branca, que nunca renunciou ao que ideara em abril de 1823 o Secretário de Estado ianque John Quincy Adams, o qual propôs a anexação de Cuba ao território dos Estados Unidos.
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Foi a partir disso que Cuba deveu enfrentar a luta por seu destino, combatendo contra dois adversários definidos: o Poder espanhol, que resistia a abandonar os territórios americanos conquistados 300 anos antes, e o desejo dos Estados Unidos, que nunca cessou no empenho de Considerar Cuba como sua “janela ao Caribe”.
Ambas as potências se valeram – como ocorreu em outras regiões da América – da cumplicidade manifesta de um núcleo privilegiado da sociedade, que se pôs sempre ao seu serviço em troca de dádivas e prebendas. Foi nesse estilo de gestão que surgiram em Cuba ditaduras sinistras como as assinaladas, e cujo propósito mais definido foi manter sempre o país sob hegemonia imperial.
Gerardo Machado emergiu na política cubana pretendendo erguer-se como uma figura patriótica, amparado em seus inícios como combatente contra o Poder espanhol. Mas, sobretudo a partir de 1929, se converteu em um verdadeiro inimigo do povo, até que foi derrocado em 1933. Seu governo marcou o signo do opróbrio.
E, nessa linha, foi emulado anos mais tarde por Fulgencio Batista, o sargento que tomou as rédeas do Poder mediante um Golpe de Estado, e que foi enfrentado pelo povo de Cuba.
Reprodução/Twitter
O signo distintivo dessa luta é o anti-imperialismo, mas este não assoma como um fim em si mesmo, mas sim como um caminho ao futuro melhor
À sombra de Martí
A luta do povo de Cuba, o combate por sua libertação do jugo opressor e os esforços por forjar uma sociedade melhor, mais justa e mais humana, se personificaram sempre na imagem de José Martí.
Nascido em 1853, entregou sua vida por liberar Cuba do domínio colonial, e advertiu também ao seu povo do perigo que implicava a voracidade imperialista para Cuba.
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Cosmopolita por sua visão universal, foi além disso um verdadeiro patriota cubano. Pensou sempre em seu país, escreveu muitas obras de grande relevo, realizou um infatigável trabalho político e diplomático, fundou o Partido Revolucionário Cubano, organizou a rebeldia armada contra o Poder espanhol e caiu combatendo com as armas na mão em maio de 1895 em plena guerra pela Independência de Cuba.
Na véspera de sua morte, em 18 de maio de 1895, em carta a seu amigo Manuel Mercado advertiu ao seu povo sobre os desígnios ianques contra Cuba: “Já estou todos os dias em perigo de dar a minha vida por meu país, e por meu dever posto que o entendo e tenho ânimo com que realizá-lo, de impedir a tempo com a independência de Cuba, que se estendam pela Antilhas os Estados Unidos e caiam com essa forço mais sobre nossas terras da América – Quanto fiz até hoje, e quanto farei, é para isso”.
Marti esteve sempre presente na luta de seu povo. Não só batalhou por romper os laços que o atavam à metrópole colonial, mas desenhou também o perfil da sociedade cubana do futuro. Por isso, bem pode dizer-se que a Revolução Cubana, não só é marxista, mas também Martiana.
A história o confirma; mas somam a tal apreciação dois episódios pontuais: o assalto ao Moncada foi feito em 1953, o ano do Centenário do Apóstolo, precisamente por aqueles, seriam chamados depois os mais destacados membros da Geração do Centenária. Mas, além disso, nas palavras de Fidel no célebre Julgamento do Moncada, José Martí foi considerado o autor intelectual desta gestão.
O 26 de julho de 1953
Foi, efetivamente, nesta data que ocorreu o acontecimento ao qual nos referimos. Talvez o detonante tenha sido o acionar golpista de Batista no ano anterior, mas foi o silêncio da sociedade o que impeliu Fidel Castro a preparar a insurreição armada, cujo ponto inicial haveria de ser, precisamente, o Assalto ao Moncada.
Nesse dia, em horas da madrugada, Fidel reuniu seus homens na granja Siboney, e com eles marchou à ação. Seus objetivos foram tanto o Moncada – a principal fortaleza militar de Santiago de Cuba – e o Quartel Carlos Manuel de Céspedes, mais conhecido como o Quartel de Bayamo, por sua localização geográfica.
Nesse dia, 135 combatentes, com Fidel à frente, atacaram a fortaleza, ao mesmo tempo que Abel Santamaría e Léster Rodríguez buscavam tomar dois edifícios contíguos ao quartel, de onde operariam em tarefas de apoio.
O enfrentamento foi violento e prolongou mais do que o tempo previsto. A defensores do Quartel ofereceram dura resistência e finalmente puderam repelir o ataque e vencer os rebeldes, tanto por seu maior número como por seu armamento.
O marxismo de Carlos Baliño, fundador, com José Martí, do Partido Revolucionario Cubano
O exército batistiano teve 18 mortos e 28 feridos. Os atacantes, 9 mortos no combate, 11 feridos e 42 detidos e depois executados pelo exército. Houve, além disso, 9 civis mortos em Santiago de Cuba. Do mesmo modo que no Moncada, foi possível coroar com êxito a tomada de Bayamo.
Ali o ataque foi mais breve e os revolucionários se retiraram com só um ferido. O exército teve 1 morto e 2 feridos. Depois, 10 assaltantes foram presos e executados pelo exército.
Fidel e os sobreviventes finalmente foram capturados e encarcerados no Penal da Ilha de Pinos – hoje Ilha da Juventude – que ainda se conserva como relíquia histórica. Depois haveria o célebre Julgamento do Moncada, a denominada “Causa 37” , incoada pelo Tribunal de Urgências de Santiago de Cuba, contra Fidel e seus companheiros.
O Palácio de Justiça da cidade, convertido em uma verdadeira fortaleza militar, foi o cenário deste evento que ficou registrado na história de Cuba.
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Enfrentando e desmantelando todas as patranhas ideadas pela ditadura, Fidel demonstrou que a proeza havia sido uma ação feita por homens livres, guiados pelo pensamento Martiano: “O Apóstolo de nossa independência – asseverou – é o único autor intelectual do assalto ao Moncada”.
A magistral defesa de Fidel frustrou todos os planos da ditadura. O acusado, se tornou um acusador, e converteu seu banco em uma verdadeira fortaleza política denunciando todos os crimes e atropelos da ditadura. Seu discurso, conhecido pela posteridade como “A história me absolverá”, foi uma exímia requisição jurídica e política que desnudou o regime batistiano e pôs a todos seus atores contra a parede.
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Condenado pelo tribunal, como se sabe, foi absolvido pela história. Devia permanecer na prisão, mas foi solto pela pressão da opinião cidadã, e se viu forçado a emigrar para o México de onde preparou outra etapa da história: o desembarque do Granma e o início da ação guerrilheira da Serra Maestra, ante sala de sua vitória.
Vinte anos mais tarde, evocando este acontecimento da história, Fidel diria: “Dominada a Nação por uma camarilha sangrenta de governantes rapaces ao serviço de poderosos interesses internos e externos, que se apoiavam descaradamente na força, sem nenhuma forma ou veículo legal para os anseios e aspirações do povo, havia chegado a hora de acudir outra vez às armas”.
Essa ideia medular, foi a que inspirou as ações posteriores que conduziram à vitória de Cuba em 1º de janeiro de 1959.
70 anos depois
Passaram 70 anos deste singular acontecimento da história. Hoje Cuba, soberana e livre, enfrenta outro tipo de dificuldades.
Sofre, em primeiro lugar, o bloqueio. O efeito devastador do bloqueio norte-americano, que já cumpriu mais de 50 anos. Esta medida genocida aplicada à administração estadunidense contra o Primeiro Território Livre da América, não tem paralelo na história. Jamais ocorreu antes que um país sofresse os estragos de uma ação desta natureza. Em todo caso, o antecedente mais sinistro de um episódio desse tipo, ocorreu nos anos de II Guerra Mundial, quando a Alemanha Nazista, em seu afã de dobrar a Rússia Soviética, manteve bloqueada a cidade de Leningrado entre 1941 e 1944. Foram esses 900 dias de crueldade infinita. No caso de Cuba, são mais de 22 mil dias que dura a bestialidade do Império. Mas Cuba resiste, e se consolida e avança, enfrentando outras penúrias e dificuldades.
O bloqueio ianque gera imensos prejuízos de toda ordem. Não se trata tão só de perdas econômicas – que são quantiosas – mas também de vidas humanos e de limitações de toda ordem que afetam o desenvolvimento, o progresso material, a saúde, a educação e o emprego, além de gerar outras penalidades. Nenhum povo, na história humana, foi submetido a tão brutal castigo. E nenhum tem resistido com maior coragem, estoicismo e dignidade que o povo de Cuba.
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Nas últimas décadas, aos prejuízos se somaram o colapso da União Soviética e a queda do socialismo na Europa do leste, que afetaram severamente a economia cubana e agravaram seu isolamento. A estes fatores, há que agregar a Pandemia recente, que afetou Cuba muito mais que a outros países precisamente por sua condição de país bloqueado.
Para enfrentar a crise, Cuba se tem visto forçada a introduzir reformas. O mais difícil tem sido assegurar que elas não afetem o modelo de construção socialista, nem mudem a essência das relações de produção estabelecidas no país.
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A recuperação do socialismo como ideal dos povos, registrada em diversos continentes, tem ajudado sem dúvida Cuba a enfrentar as dificuldades. A isso, se somou a solidariedade, mas também as necessidades de outros países que desafiaram o Império e buscando normalizar seus vínculos com Cuba para atender também seus próprios requerimentos.
Há que assinalar adicionalmente que a exemplar solidariedade de Cuba com povos e países de todos os continentes, lhe tem servido de ajuda nesta circunstância. Diversos governos têm ajudado Cuba em atenção à solidariedade recebida por seus povos no passado recente, e ainda agora. Deve sublinhar-se, efetivamente, que na pandemia, e também antes, as Brigadas Médicas Cubanas atenderam a muitos povos, e a medicina cubana tem aportado como nenhuma a enfrentar os nocivos efeitos da Covid-19.
Nestas condições, hoje Cuba mira com otimismo e esperança o porvir, porque confia no heroísmo de seu povo na luta pela Soberania e os direitos dos povos.
O cenário de nosso tempo
Se os atores do Moncada, há 70 anos, se propuseram legar um hálito de vitória aos povos da América, bem pode dizer-se que o conseguiram.
Se um 1959 a Revolução Cubana mudou o rosto de nosso continente, que deixou de ser um silo onde se guardavam recursos em benefício dos Corporações e se converteu em um verdadeiro campo de batalha no qual povos e governos de novo signo enfrentaram o Império; isso há que atribuir, em boa medida, ao exemplo de Cuba.
Nos anos 60 se travaram valorosas ações guerrilheiras em diversas regiões de nosso continente. No cume delas esteve a epopeia do “Che”, caída em combate em 1967, mas assomaram também fenômenos novos. A experiência do Chile com a Unidade Popular e o sacrifício de Salvador Allende; o Processo peruano, conduzido por Juan Velasco Alvarado; o efêmero exemplo de Juan José Torres na Bolívia; semearam um caminho que deixou marca e que floresceu com a vitória do Sandinismo na Nicarágua e sua posterior afirmação.
As derrotas das ditaduras sinistras de Videla, Pinochet e outros no subcontinente permitiram o assumir de uma experiência de recuperação continental na qual brilharam figuras novas: Hugo Chávez, Daniel Ortega, Rafael Correa, Luis Ignacio Lula da Silva, Evo Morales e Néstor Kirchner, brilharam com luz própria. Hoje essa batalha continua.
Mas não se trata só de homens que lutam. Se trata de povos que combatem duramente por seus direitos, buscando afirmar a soberania de seus Estados, recuperar as riquezas básicas de seus países e gerar um mundo distinto, mais humano e mais justo. O signo distintivo dessa luta é o anti-imperialismo, mas este não assoma como um fim em si mesmo, mas sim como um caminho para o futuro melhor.
Alguns chamaram esta experiência como o forjamento do Socialismo do Século XXI. Pode ser. Mas não se trata só de uma palavra. Tem que assumir um conteúdo classe; e por isso implica uma luta pela transformação radical da sociedade. Em outras palavras, uma Revolução Social.
A luta pelas reformas é boa, e muito importante, mas as reformas não podem substituir uma Revolução, mas sim ajudar a ela. Em uma circunstância na qual a tarefa principal é a batalha de ideias, se trata de ganhar a consciência de milhões de pessoas e abrir passo a um autêntico caminho libertador que seja capaz de gerar justiça.
Este caminho está cheio de desafios e ameaças. O Império continua sendo a força dominante. E a guerra que hoje se trava no solo da Ucrânia o confirma. As grandes corporações e suas expressões políticas e militares – como a OTAN – não reparam em nada para alcançar seus objetivos. E estão dispostos inclusive a levar o mundo à Guerra Nuclear, se for preciso, para preservar seus privilégios.
Na Nossa América
Nas terras da América se confirma o sentido de sua política. Ela passa por assestar duros revezes aos povos. Nos últimos anos sofremos na Pátria Grande um Golpe de Estado na Bolívia; e outros, mais recente, no Peru, onde busca abrir passo uma administração de corte fascista.
Mas além dessa vontade está a luta dos povos, que ganham pontos em cada país. Cuba continua sendo o farol que ilumina todo o continente; mas também se afirmam a Venezuela Bolivariana, a Nicarágua Sandinista e a Bolívia liberada. E há vitórias no México, Honduras, Colômbia e Brasil, enquanto que na Argentina e Chile os processos se desenvolvem com características próprias, mas sem responder aos interesses do Grande Capital.
Tudo isto ocorre porque em 26 de julho de 1953 foi possível tentar o Assalto Moncada e perfilar uma rota definida para os povos de nosso continente. Honra, então aos valorosos combatentes que o fizeram possível!
Gustavo Espinoza M. | Colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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