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ToggleO ano de 1961 começou com as pessoas em Cuba em estado de alerta. Milhares de milicianos, a maioria jovens, o esperaram mobilizados. A ameaça de uma agressão direta dos Estados Unidos parecia iminente.
A contrarrevolução guiada e armada por Washington recorria a todo tipo de ações terroristas em campos e cidades.
Os jovens revolucionários – operários, camponeses e estudantes – tampouco dormiam. Seguíamos em pé de guerra, homens e mulheres, cada um em seu posto de combate.
No fim de março, em vésperas da Semana Santa – período de recesso escolar – tivemos a sorte imensa de ter um encontro com Fidel, que se esmerou em definir o papel decisivo dos jovens – e em especial dos estudantes – naquela momento crucial para a Revolução.
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1961 seria o “Ano da Educação”.
A meta era acabar em um ano com o analfabetismo, condição indispensável para adquirir cultura e desenvolver a consciência política.
O ano anterior tinha iniciado o segundo grau sem temer a burla daqueles que diziam: para que?
Desde quando os pobres vão para a universidade?
Assim foi sempre. Mas agora seria diferente, eu me disse.
Desde que desceu da Serra, Fidel insistia na necessidade de estudar e aprender.
Granma
Desde que desceu da Serra, Fidel insistia na necessidade de estudar e aprender.
Bitongos: “Ódio à Revolução e o desprezo pelos humildes”
A entrada no Instituto de Segundo Grau de Camagüey resultou em um choque imediato com estudantes de anos superiores, quase todos de famílias acomodadas (os bitongos), que junto a professores reacionários exibiam seu ódio à Revolução e o desprezo pelos humildes dentro e fora da classe.
Os que compartilhávamos a mesma simpatia pela Revolução nos identificamos em seguida, nos sentávamos juntos e saltávamos contra qualquer provocação.
A primeira coisa que fizemos foi conquistar a direção do Conselho Estudantil. Formamos nossa milícia e às vezes as 2 horas da madrugada nos encontrava marchando. Era a base da disciplina militar e sonhávamos com o dia em que nos pusessem um fuzil nas mãos.
Participamos no censo de todos os analfabetos, tarefa que nos levou até zonas isoladas e bairros urbanos insalubres onde a pobreza e a ignorância iam de mãos dadas.
Brigadas de alfabetizadores
No início de 1961 começamos as captações para as brigadas de alfabetizadores, que adotaram o nome de Conrado Benítez, professor voluntário assassinado em 5 de janeiro no Escambray.
Em meados de março a direção municipal da AJR orientou a eleger um delegado para comparecer à Plenária Nacional Estudantil em Havana. Fui eleito por minhas companheiras e companheiros. Momento inesquecível da minha vida.
Dois ou três dias antes, abordamos um trem que foi se enchendo com o alvoroço das delegações de todas as províncias. Ao chegar a Havana nos hospedaram em uma grande escola, com dormitórios, em Rancho Boyeros, quase em frente ao Aeroporto.
Ali tivemos as sessões de trabalho, onde foram definidas as tarefas, e na noite de segunda-feira, 27 de março, primeiro dia da Semana Santa, nos levaram ao Cine Payret, onde nos falou Fidel.
“Estávamos tão contentes que não deixávamos de cantar consignas que em seguida se transformavam em um grande coro”.
Começou recordando que os estudantes eram “oposicionistas sistemáticos” dos governos, por seu espírito rebelde, justiceiro, inimigo dos abusos, da corrupção e da politicagem. Por isso, disse, “tem um grande significado o apoio dos estudantes à Revolução”.
O texto completo deste discurso pode ser consultado hoje facilmente na Internet. Eu o li várias vezes. É incrível a habilidade de Fidel ao abordar a complexidade da “revolução social” e da “luta de classes” nesse momento em Cuba, quando ele tinha apenas 35 anos de idade.
A 60 anos daquela jornada ainda guardo na minha mente aquele encontro de maneira muito nítida.
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Aquele teatro imenso, de poltronas largas acolchoadas e a ambos os lados do palco havia esculturas que representavam as musas ou deusas da arte incrustradas nas paredes a ambos os lados do palco onde Fidel em pessoa, com seu traje verde-oliva, nos falava e diretamente nos fazia responsáveis da maior batalha que havia traçado o país nesse ano. Aquilo era um delírio.
Por isso, Fidel nos dizia que era muito significativo e tinha que chamar a atenção de visitantes de outros países, ver que nesse momento em Cuba “cada dia mais, estudantes e juventude querem dizer uma mesma coisa, porque se antes havia jovens que não eram estudantes, isso se devia precisamente à injustiça que fazia com que muitos jovens não tivessem sequer a oportunidade de estudar”.
Com simplicidade nos fazia ver “que o apoio das pessoas jovens, ou seja, das pessoas rebeldes, é o que mais podem dizer a favor da Revolução. Porque os jovens sempre foram rebeldes e as pessoas jovens sempre foram desinteressadas e sadias”.
Nos revelava que “esta juventude continua sendo rebelde (…) porque a Revolução em si mesmo é a rebelião contra toda a injustiça”.
Em 2 de janeiro, depois do primeiro desfile militar na Praça Cívica (chamada depois “da Revolução”), Fidel havia demandado a redução do pessoal da embaixada dos Estados Unidos, de mais de 200 funcionários a 11, a mesma quantidade de cubanos admitidos na missão diplomática da Ilha em Washington.
No dia seguinte, em um gesto de soberba imperial, faltando pouco mais de duas semanas para ceder a Casa Branca a John F. Kennedy, presidente eleito pelo Partido Democrata, o mandatário republicano que saía, Dwight Eisenhower, deixava a mesa posta para a agressão, com a ruptura de relações diplomáticas.
Eisenhower não lançou a invasão, mas a deixou pronta. E a Agência Central de Inteligência (CIA) a impôs a Kennedy como um fato irreversível, impossível de parar a essa altura.
Pouco depois de nosso regresso a Camagüey, em 4 de abril de 1961, foi anunciada a criação da União de Pioneiros de Cuba (UPC), uma das tarefas examinadas naquela Primeira Plenária Estudantil da AJR na qual também devíamos colaborar ao longo do ano.
No dia 15 foi o bombardeio aos aeroportos, prelúdio da invasão. Fidel declarou o caráter socialista da Revolução. A agressão pela Praia Girón foi derrotada em menos de 72 horas.
Junto com o apoio aos brigadistas Conrado Benítez localizados em nosso município, ao longo do ano também apoiei a constituição dos Comitês de Base da AJR em zonas rurais e centros operários.
No seguinte 4 de abril, o de 1962, eu voltaria a tomar o barulhento trem dos delegados ao Primeiro Congresso da AJR, onde se tornou União de Jovens Comunistas (UJC), convocado sob o lema “A construir e defender a pátria socialista”.
Aquela consigna adquire hoje renovada atualidade e 60 anos depois é uma sorte contemplar a jovem geração que trava e triunfa em uma nova batalha pela vida.
Leonel Nodal, Colaborador de Diálogos do Sul
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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