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ToggleO desaparecimento do ideal de construção do Estado Nacional Brasileiro é o maior e mais profundo dano causado ao Brasil pelo processo de redemocratização.
Criou-se o mito do mundo globalizado, governado por um indefinido mercado, que deslocou o debate político das questões nacionais, reais, efetivas, para abstrações inespecíficas, porém com avassaladora cobertura midiática.
Nenhum ambiente para discutir o Brasil foi gerado, em compensação, espaços para louvar a privatização, a liberdade contratual e as forças democráticas do mercado brotaram aos borbotões.
Desse modo, na prática, calaram a voz Leonel de Moura Brizola e a luta que travava há 50 anos pelo erguimento da Pátria Brasileira.
Um país onde prevalecia o nacionalismo trabalhista, pensamento político forjado aqui por intelectuais desde José Bonifácio de Andrada e Silva e que encontrara em Getúlio Vargas seu primeiro construtor.
Não fosse a inegável liderança política do engenheiro Leonel de Moura Brizola, nem mesmo os seus dois períodos à frente do Estado do Rio de Janeiro teríamos para conhecer a diferença entre um governo realmente nacional e um governo deslocado da realidade para ser global, neoliberal, ideológico.
Brizola sofreu ataques por todos os lados.
Ataques da direita. Acusam-no de ser comunista, embora Brizola sempre tivesse tido contra si o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e suas defecções.
Ataques da esquerda, porque Brizola não colocava a democracia como bem supremo.
Para ele, o bem supremo era o trabalho, a realização de um povo, miscigenado, pacífico, laborioso, que precisava conquistar o efetivo poder em seu País, então nas mãos de interesses estrangeiros, sempre esvoaçando pelas nossas elites.
Neste dia 22 de janeiro, Brizola completaria 102 anos.
A homenagem que podemos prestar a este grande brasileiro é trazer ao debate sua maior ambição: discutir a Questão Nacional, pois sem um país soberano tudo mais se esvai.
Menino pobre, nascido em Carazinho (RS), trabalhou como engraxate, graxeiro, ascensorista, é o único político eleito pelo povo para governar dois estados diferentes em toda a história do Brasil.
A Questão Nacional: Soberania e Cidadania
Por toda América Latina, as independências do jugo colonial se deram no século 19. Do vice-reinado da Nova Espanha ao vice-reinado do Rio da Prata, incluindo o Brasil, ardia o desejo de independência.
Em parte, por ecos dos Estados Unidos da América (EUA), que obtiveram a independência para menos de 10% do território que viriam a conquistar, as Treze Colônias, em 1776. Com olhos na dominação do continente, em 1823, já elaboraram a Doutrina Monroe, reforçada em 1845 com o projeto expansionista do “Destino Manifesto”.
Em parte, pelos ecos da Revolução Francesa (1789), que, nas Américas, levou à única revolta de escravos que chegou a fundar um Estado Nacional, sem escravos, pela liderança de François-Dominique Toussaint L’Ouverture, em 1791, no Haiti.
O Patriarca da nossa Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, já nos alertava: “infeliz o governo cuja administração econômica é seduzida e dominada pelas finanças” (in “Obra Seleta de José Bonifácio de Andrada e Silva”, organizada e coordenada por Felipe Maruf Quintas, para Biblioteca Digital da AEPET, 2024).
Esta “sedução” foi o fosso criado entre os EUA, cujo 1º secretário do Tesouro, Alexander Hamilton, pertencia a corrente econômica industrialista, enquanto praticamente todos demais responsáveis pelas finanças das novas repúblicas se preocupavam em “não gastar mais do que arrecadavam”, imobilizando a economia das jovens nações, resquício da dominação colonial.
Portanto, o que trazia a Nova República nem era o futuro, mas o passado, pré-revolução de 1930, da República Velha, do Império, mesmo da colônia, onde prevalecia o poder financeiro.
Brizola nos mostrava o futuro, de nação soberana e cidadã, que nas mãos neoliberais virou um adjetivo sem substantivo que qualificasse.
A Questão Nacional começa pelas autonomias que garantam o poder nacional.
Que autonomias são estas ao fim do século 20 e início do século 21?
A energia, pois desde o esforço corporal do homem, é a construtora da sociedade.
De início, o fogo, o vento, o sol
Com a revolução industrial, vieram as energias fósseis: o carvão mineral e o petróleo, nas formas líquida – o óleo – e gasosa – o gás natural.
Tínhamos chegado pela ação do governo militar de Ernesto Geisel na fissão nuclear. Hoje, países e empresas investem com sucesso na fusão nuclear, que se pode qualificar de energia do futuro.
E nossa democracia, o que nos promete?
Retroceder ao vento, ao sol, eliminar a pesquisa que nos conduza a transição para o futuro e não a volta ao passado, caro e intermitente. E o pior: sob o controle do lucro empresarial, não do benefício social.
Sem a questão nacional, garantidora do estado soberano, como construir a verdadeira cidadania?
A verdadeira cidadania implica oferecer a todos os brasileiros:
— saúde de qualidade, das medidas preventivas às corretivas e restauradoras;
— educação laica, universal, aprofundada, para produzir o conhecimento transformador das realidades, sem dano ambiental e com engrandecimento nacional;
— habitação digna; não é morar nas ruas como acontece crescentemente nas capitais brasileiras em pleno século 21;
— mobilidade urbana, segura e garantida pelo poder público;
— comunicação, em todos os sentidos, para que ela não se transforme em instrumento de dominação de uma casta ou de um grupo, agravada pelo controle administrativo ou tecnológico estrangeiro.
E que seja capaz também de garantir os direitos civis e sociais, tão duramente conquistados.
Ah, caros leitores! Que falta nos faz o engenheiro Leonel Brizola!
Concluamos com o Patriarca José Bonifácio: “a soberania é valor permanente e inegociável, sendo o critério de corte entre os patriotas e os traidores”.
Pedro Augusto Pinho | Administrador aposentado.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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Foto: Sérgio Neglia