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Da ditadura militar ao negacionismo de Bolsonaro: Zé Dirceu explica história da luta da classe trabalhadora no Brasil

Trabalhadores sempre lutaram bravamente para defender a democracia e nunca aceitaram a ditadura que fechou sindicatos, assassinou e prendeu milhares
José Dirceu
São Paulo (SP)

Tradução:

Nossa classe trabalhadora surgiu na virada do século 19 fortemente influenciada pela imigração e pelas ideias anarco-sindicalistas.

Lutou bravamente e realizou sua primeira grande greve em 1917 quando surgiu a primeira Central Sindical. A repressão foi brutal e as deportações dos líderes imigrantes, norma. Num país recém-saído da escravidão onde o direito de voto era negado às mulheres e aos analfabetos, a maioria da população, a construção da consciência da classe e sua organização foi um longa batalha.

Nesses mais de 100 anos, a classe trabalhadora e todo o país tiveram que enfrentar duas ditaduras, o Estado Novo de 1937 a 1945, a ditadura militar de 1964 a 1985. E o governo Dutra –reacionário, repressivo e anti-sindical. Somente na Constituinte de 1988 os trabalhadores conquistaram de fato liberdade sindical, direito de greve, de livre organização e manifestação.

As trabalhadoras rurais e os trabalhadores rurais viveram submetidos durante décadas ao latifúndio e ao coronelismo e seus jagunços.  Enfrentaram a superexploração da posse, do colonato, da meia, dos armazéns dos patrões, uma servidão disfarçada. Era o voto de cabresto sob a égide dos currais eleitorais.

Mesmo com a repressão brutal ao PCB e a ideologia do anticomunismo predominante entre as elites, os trabalhadores foram se constituindo como classe e estiveram presentes em todas lutas. Foram base importante da Aliança Nacional Libertadora nos anos 1930, enfrentaram o Estado Novo, se fortaleceram com a redemocratização, apoiaram e sustentaram o PCB, já colocado na ilegalidade, sob liderança de Prestes. No PTB, encontraram um aliado e construíram a CGT, sua central sindical.

Trabalhadores  sempre lutaram bravamente para defender a democracia e nunca aceitaram a ditadura que fechou sindicatos, assassinou e prendeu milhares

Arquivo/Agência Brasil
As Diretas Já foram um dos momentos em que a classe trabalhadora se fez presente na defesa da democracia.

Defesa histórica da democracia

A classe trabalhadora sempre lutou bravamente para defender a democracia. Saiu às ruas para prantear Getúlio Vargas em 1954, apoiou Lott para garantir a posse de JK, defendeu o mandato de Jango e a Campanha da Legalidade liderada por Brizola que garantiu a posse de Jango, lutou pelas reformas de base. Foi vencida pelo golpe de 1964, mas não se intimidou com a ditadura, derrotada nas eleições para governador de 1965 em Minas e no Rio.

Foi longa a noite de 1964, 21 anos. Mas já em 1968 os trabalhadores estavam nas ruas e realizaram duas grandes greves simbólicas –as de Contagem e Osasco– de resistência à ditadura, ao arrocho salarial e à repressão. Em 1974, depois de cinco anos de AI5 e terror, a classe trabalhadora votou em massa no MDB derrotando a Arena, depois PDS, que nunca mais venceu uma eleição. Na década de 1970, foi a nova classe trabalhadora da indústria pesada e manufatureira que fez as grandes greves que deram fim à ditadura e ao nascimento do PT e da CUT.

Os trabalhadores foram às ruas nas Diretas Já, estiveram fortemente presentes e organizados na Constituinte quando conquistaram direitos sociais e políticos. Apoiaram o impeachment de Collor e, desde a década de 1990, fazem frente ao neoliberalismo que corrói seus direitos e quer enterrar para sempre a Era Vargas.

Com a candidatura de Lula em 1989, a classe trabalhadora tem, pela primeira vez, um candidato saído de suas fileiras. O Partido dos Trabalhadores, o PT, representa parte importante de seu contingente e é, por isso, que Lula foi eleito duas vezes presidente e Dilma ganhou as duas eleições seguintes. Foi preciso um golpe de Estado para tirar Dilma do poder e uma farsa judicial para impedir que Lula fosse eleito de novo em 2018.

Não foram poucas as conquistas da classe trabalhadora, na Constituição de 1988: o direito de greve e de liberdade sindical, o SUS, a educação pública e gratuita, o salário mínimo, o seguro-desemprego, a previdência pública e universal, solidária, o saneamento básico, o acesso à casa própria, o lazer e a cultura. E principalmente a democracia e o direito de voto para os analfabetos (as mulheres conquistaram o direito de votar de fato na Constituição de 1946).

Faço esse rápido e superficial relato como registro do fato histórico de que a participação da classe trabalhadora foi decisiva para a luta democrática e para nossa soberania nacional. A classe trabalhadora sempre foi vanguarda nessas lutas, desde a criação da Petrobras e a defesa de nossos bancos públicos e de políticas de desenvolvimento, de nossa indústria, do desenvolvimento científico e técnico, das reformas agrária, bancária, tributária e educacional.

A classe trabalhadora nunca aceitou a ditadura que fechou sindicatos, assassinou e prendeu milhares de líderes e trabalhadores em 1964, colocou a CGT na ilegalidade, sufocou as ligas camponesas, reprimiu com violência a luta dos trabalhadores rurais recém organizados na Contag. Os trabalhadores resistiram com a consciência de que sua participação na riqueza nacional pela qual são responsáveis depende de sua força e organização e de parlamentares e governos que os representem e defendam.

Perda de direitos

Hoje, ao celebrar o 1º de Maio, nossa classe trabalhadora vive a tragédia humanitária da pandemia e do negacionismo de um governo criminoso.

A partir dos governos golpistas de Temer e Bolsonaro, os trabalhadores começaram a perder direitos e garantias numa escalada sem precedentes com as reformas da Previdência e trabalhista, com o fim do imposto sindical para sufocar sua organização e capacidade de luta, com a flexibilização e a terceirização.

Toda propaganda e pregação não somente do governo Bolsonaro, mas dos patrões e empresários é pela precarização e desmonte das conquistas trabalhistas e sociais da Constituição de 1988. O que mais se ouve é reduzir o custo do trabalho.

O resultado está aí: 14 milhões de desempregados, 19 milhões de famílias passando fome, 4,7 milhões de trabalhadores superexplorados nos chamados aplicativos. Metade dos trabalhadores hoje informal sem direitos trabalhistas e previdenciários, o desemprego atinge mais os jovens e em especial os jovens negros. Mesmo aqueles que se formam nos institutos técnicos e nas universidades não conseguem empregos.

O arrocho salarial está de volta, os cortes de investimentos e gastos sociais ameaçam a participação da classe trabalhadora na renda nacional. Nas fábricas e empresas, empregos são suprimidos pelos processos de automação, robotização e uso da inteligência artificial. Com a desindustrialização acelerada do país e a reprimarização de sua economia, a classe trabalhadora enfrenta neste 1o de Maio uma encruzilhada histórica –todas suas conquistas estão sob ameaça e a própria democracia sob ataque.

A luta dos trabalhadores hoje não é apenas pela defesa do emprego, mas da vida e da saúde, ameaçadas pela pandemia agravada pela criminosa política negacionista do governo Bolsonaro. Em resposta a esse descalabro em que vivemos, as centrais sindicais CGTB, CSB, CTB, FS, CUT,UGT, NSC, Pública e Intersindical se juntaram para convocar um 1º de Maio virtual pela Vida, Vacina, Emprego, Auxílio Emergencial de 600 reais e Democracia.

A unidade e a pluralidade do ato apontam o caminho para superarmos a tragédia humanitária em que vivemos, fruto do governo autoritário, obscurantista e anti-trabalhador de Jair Bolsonaro.

José Dirceu, advogado ex-deputado federal e ministro do Governo Lula.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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José Dirceu

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