Pesquisar
Pesquisar

Da elite predadora a pandemia: Belém não tem mais condições de ser capital do Pará

A cidade portuária é uma das mais incivilizadas dentre as grandes aglomerações urbanas do Brasil, administrada por uma das mais medíocres lideranças políticas do país
Lúcio Flávio Pinto
Amazônia Real
Belém

Tradução:

Belém é a capital nacional da economia informal, da sujeira, da falta de saneamento, do pior transporte coletivo, da buraqueira e de outros indicadores sociais. Sua região metropolitana é uma das mais violentas do mundo. Sua periferia é composta pelas maiores favelas horizontais do país. Situada num terreno pantanoso, a cidade é vítima da própria incúria na relação e no trato com seu sítio geográfico.

Por todos esses fatores, Belém é uma das mais incivilizadas dentre as grandes aglomerações urbanas do Brasil, administrada por uma das mais medíocres lideranças políticas e à mercê de uma elite insensível, egoísta, indiferente e predadora.

A crise provocada pela pandemia do novo coronavírus também escrachou outra realidade: Belém não tem mais condições de ser a capital do Pará. Seu comando, que, com atraso e atabalhoadamente, tenta recuperar o tempo perdido, é incapaz de chegar efetivamente aos pontos mais distantes do hinterland, para usar uma velha e preciosa expressão, em desuso exatamente porque a sede estadual perdeu o contato com seu vasto sertão, que se tornou uma zona de guerra pela falta de uma presença ativa do poder público. Passada a epidemia, o governo tem o dever moral de colocar a redivisão do Estado na agenda de temas urgentes a debater e questão a resolver.

As medidas anunciadas ou reforçadas a partir do primeiro registro da presença do covid-19 entre nós são cosméticas, superficiais, sazonais para uma temporada que, agora, vai se tornar prolongada e desastrosa. Fragmentada em ilhas, algumas de excelência, com seu QG no topo das torres de concreto, aço e alumínio, outras que resvalam para um padrão de miséria e selvageria.

A cidade portuária é uma das mais incivilizadas dentre as grandes aglomerações urbanas do Brasil, administrada por uma das mais medíocres lideranças políticas do país

Foto: Fernando Sette/Comus
Usuários do Terminal São Brás, em Belém

Quem circulou pela madrugada e o início da manhã de hoje (19) pela cidade, como nos dias anteriores, deve ter visto milhares de pessoas espalhadas pelos itinerários dos péssimos ônibus à espera do transporte para o trabalho, sujeitas a longas esperas, a embarques acidentados, a convivência no interior de veículos sujos e a acidentes periódicos, como defeitos de todas as naturezas, que encerram prematuramente a jornada.

Nesse universo não chegaram ainda as iniciativas preventivas contra a propagação do vírus e a proteção das suas vítimas potenciais. A luta pela sobrevivência em atividades informais, sem carteira assinada, sem local de trabalho e as coisas triviais do mundo oficial, quase anula o instinto de sobrevivência. As pessoas podem adoecer e morrer, mas se não forem à batalha não terão o pão de cada dia.

Ao voltarem para casa, encontrarão um lar? O teto coberto tem condições de ser adaptado para se tornar o abrigo de pessoas contra a invisível e insidiosa invasão da doença? Há algum cômodo que possa virar local de isolamento de eventuais doentes? Como proteger crianças e idosos do vai e vem dos mantenedores da família?

O atendimento dessa população começa pelo aspecto econômico. O governo do Estado poderia suplementar com 30% ou 40% o Bolsa Família do governo federal. Poderia criar uma bolsa para permitir que os trabalhadores informais fiquem em suas casas ou reduzam ao máximo as suas saídas. O auxílio perduraria até a eliminação da pandemia.

O governo criaria grupos executivos para percorrer a periferia da região metropolitana para tentar sanar os principais problemas de habitabilidade das moradias, mobilizando mutirões comunitários para a limpeza geral do ambiente.

Professores da rede pública de ensino seriam convocados para formar pequenos grupos de crianças e adolescentes (no máximo 20 em cada um), seus alunos, para atividades ao ar livre, com as orientações devidas para impedir contatos diretos e atos que facilitem a propagação do vírus; Lanches seriam oferecidos pelo Estado.

A Semob e o Detran fariam fiscalizações diárias nos ônibus, exigindo providências para colocá-los em condições dignas e decentes de tráfego. Serviços rápidos seriam feitos nas paradas e instalados abrigos onde eles não existem.

O governo solicitaria à concessionária de energia que fornecesse gratuitamente álcool em gel. Bastaria que as pessoas apresentassem suas contas de luz para receber um frasco. A conta seria carimbada para não ser reutilizada. Um cadastro impediria os desvios.

O governador convocaria todos os prefeitos e presidentes das câmaras municipais para um encontro (provavelmente no Mangueirinho) para definir medidas para estender todas essas iniciativas ao interior e criar aquelas coerentes com realidades específicas, estabelecendo convênios para implementá-las.

Lúcio Flávio Pinto é colaborador da Amazônia Real e blogueiro.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Veja também


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Lúcio Flávio Pinto

LEIA tAMBÉM

Golpe à vista mercado quer Milei no lugar de Lula para devastar classe trabalhadora
Golpe à vista: para devastar classe trabalhadora, mercado quer "Milei" no lugar de Lula
João Vicente Goulart declara apoio à reabertura da investigação sobre a morte de Jango
João Vicente Goulart declara apoio à reabertura da investigação sobre a morte de Jango
Diretor de “Operação Condor” vai solicitar reabertura de investigação sobre morte de João Goulart
Diretor de “Operação Condor” vai solicitar reabertura de investigação sobre morte de João Goulart
Comida cara “mercado” ameaça governo, mídia golpista mente e bolsonarismo surfa na onda
Comida cara: “mercado” ameaça governo, mídia golpista mente e bolsonarismo surfa na onda