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Damares lança cartilha mentirosa para amenizar ataques de Bolsonaro á imprensa

Basta ler uma linha do documento para se perceber o abismo entre o que está escrito e o que infelizmente estamos vivendo no Brasil
Felipe Bianchi
Barão de Itararé
São Paulo (SP)

Tradução:

Nesta sexta-feira, 6 de março, Jair Bolsonaro (sem partido) e seu governo serão denunciados na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH-OEA) por violar sistematicamente a liberdade de expressão e atacar jornalistas.

Curiosamente, três dias antes, publica cartilha sobre direitos humanos de jornalistas e comunicadores.

Coincidência?!

Claro que não. O governo Bolsonaro tenta limpar sua barra. Mas não vai colar. A prática é o critério da verdade.

Basta ler uma linha do documento para se perceber o abismo entre o que está escrito e o que infelizmente estamos vivendo no Brasil

Agência Brasil
Só em 2019, a Fenaj compilou 121 agressões de Bolsonaro contra jornalistas

Às vésperas de ser denunciado por casos de censura, ataques a jornalistas e a veículos de comunicação em audiência ordinária da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, o governo Bolsonaro publica cartilha sobre os direitos humanos de jornalistas e comunicadores.

Seria irônico, se não fosse trágico.

Na verdade, é mais que trágico. É desrespeito à sociedade, particularmente aos jornalistas.

A cartilha, publicada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que tem como titular Damares Alves, cumpre recomendação da própria CIDH, de abril de 2016.

Ela é resultado do processo que correu por ocasião do assassinato do jornalista Aristeu Guida da Silva, em 1995.

Ou seja, desde abril de 2016 o Estado brasileiro deveria ter publicado a cartilha, mas não o fez.

Por que agora?

Agora, porque o governo precisa dar alguma resposta, ainda que vazia e mentirosa, que reduza os danos da sua imagem pelos ataques sistemáticos a jornalistas e veículos de comunicação.

Agora, porque o relatório divulgado recentemente pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) revelou o tamanho da violência contra comunicadores praticados pelo presidente da República.

Só em 2019, a Fenaj compilou 121 agressões de Bolsonaro contra jornalistas.

Agora, porque o Brasil será denunciado diante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, nesta sexta-feira, 6 de março, pelas violações à liberdade de expressão que se tornaram política de Estado desde a posse de Jair Bolsonaro.

A cartilha, como o próprio Ministério divulgou em release, foi elaborada pela Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério.

Não é de se estranhar. Por se tratar de audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o órgão do Estado brasileiro notificado é exatamente o responsável pelo tema.

Damares e sua equipe, provavelmente, foram notificados no último dia de janeiro, ou no início de fevereiro, de que a audiência ocorreria.

E com que objetivo?

O objetivo da cartilha é publicar algo que “limpe a barra” do governo perante a CIDH-OEA na audiência.

Além disso, pautar a mídia hegemônica para reduzir os dados da violência contra jornalistas e mostrar que o governo está preocupado com a liberdade de imprensa – como, aliás, noticiou o Jornal Nacional dessa terça-feira, 3 de março.

O JN comeu a isca. O alívio com que Willian Bonner abriu a matéria parecia até que, em nome da Globo, quisesse dizer: obrigado presidente, por nos ajudar a dar uma notícia positiva sobre o seu governo.

Ou seja, enquanto o presidente:

* manda bananas aos jornalistas e ataca a imprensa;

*mostra seu machismo ao escolher a dedo mulheres que atuam na profissão – como Patrícia Campos Mello e Vera Magalhães – para serem alvo do ódio e de achincalhe público, que levam até a ameaças de morte;

*maneja recursos publicitários do governo para abonar a mídia bolsonarista amiga e estancar recursos de veículos mais críticos, um ministério publica uma cartilha, parecendo estar tudo bem.

Não está nada bem. E rejeitamos as “desculpas”.

A cartilha publicada pelo ministério da Damares compila várias passagens de convenções e declarações do sistema internacional de direitos humanos sobre liberdade de expressão, defesa dos direitos humanos de jornalistas e comunicadores, e lista recomendações e padrões de conduta para que estados democráticos desenvolvam um ambiente de pluralidade, diversidade e proteção da imprensa livre

Só que nenhuma linha do que está na tal cartilha é considerada, de fato, pelo presidente e seus apoiadores. O conteúdo dela é letra-morta.

Além disso, os dados sobre violência contra jornalistas e comunicadores no Brasil estão desatualizados. O levantamento mais recente é de 2019, da Fenaj, e dados da cartilha são de 2014.

Não há qualquer referência à explosão dos casos de censura e de ataques contra jornalistas e veículos de comunicação promovidos pelo atual presidente da República – que assina em letras garrafais o expediente da cartilha.

Tampouco fala dos inúmeros casos de processos judiciais movidos pelo presidente, seus filhos e ministros para tentar calar jornalistas e jornais.

Muito menos aborda a total ausência de compromisso do governo Bolsonaro com a informação factualmente correta, com o respeito à imprensa livre, com a transparência das ações do governo para garantir o pleno direito à informação da sociedade.

A cartilha do governo Bolsonaro é uma cortina de fumaça.

Mas como já disse um pensador odiado pelo bolsonarismo, a prática é o critério da verdade.

Não basta publicar numa cartilha. É preciso “realizar discursos públicos que contribuam para prevenir a violência contra jornalistas e outros comunicadores, e comunicadoras”.

A prática do presidente e do governo é radicalmente oposta: insuflar a violência.

Basta ler uma linha da cartilha para se perceber o abismo entre o que está escrito e o que infelizmente estamos vivendo no Brasil.

Escrevo este artigo já na sala de embarque, a caminho de Porto Príncipe no Haiti, aonde irei com muito orgulho e responsabilidade denunciar Bolsonaro e seu governo por reinstalar um Estado censor, por violar os dispositivos da Constituição Federal que garantem o direito à liberdade de expressão, por atacar de forma covarde jornalistas, em particular colegas mulheres jornalistas, por fazer o Brasil viver o sufocamento da expressão cultural e artística, com a censura a espetáculos teatrais, exposições, filmes, e até comerciais de empresas públicas.

Ao lado de outros colegas que submeteram o pedido desta audiência à CIDH-OEA (1), vamos juntos, enquanto entidades que representamos, dizer que o Brasil não é mais uma democracia, porque sem liberdade de expressão não há democracia possível.

E não tem cartilha que mude este terrível cenário que o Brasil vive.

É só a luta, a denúncia, a resistência, e a coragem de continuar divulgando e noticiando o que for relevante para o interesse público que pode alterar essa situação.

 

Renata Mielli é jornalista, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Secretária-Geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e membro da Comissão de Comunicação do Conselho Nacional de Direitos Humanos.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Entidades autoras do pedido de audiência à CIDH-OEA:

ARTIGO 19 – Brasil

Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo

Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço)

Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé

Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL)

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)

Central Única dos Trabalhadores (CUT)

Coalizão Direitos na Rede

Derechos Digitales

Federação Interestadual dos Trabalhadores e Pesquisadores em Serviços de Telecomunicações (Fitratelp)

Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)

Instituto Vladimir Herzog

Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Repórteres Sem Fronteira

Movimento Artigo Quinto

Terra de Direitos

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Felipe Bianchi É jornalista e atua no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé desde 2011. Também integra o coletivo ComunicaSul e faz parte do Fórum de Comunicação para a Integração de Nossa América (FCINA).

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