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Foto: Juan Manuel Herrera - OAS / Flickr

De perfil repressor, novo primeiro-ministro do Peru é a cara do regime Boluarte

Gustavo Adrianzén defendeu os comandos “Chavín de Huántar”, que mataram 14 jovens peruanos, incluindo uma mulher grávida
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

No Peru, como na Roma antiga, os Idos eram lembrados como os inícios de cada mês, e eram dedicados aos deuses porque eram considerados símbolos de prosperidade e progresso. Os de março coincidiam com o início do ano romano e tinham uma conotação especial. Além disso, marcavam a primeira lua cheia, que era considerada um sinal positivo para todos. Isto mudou quando, 44 anos antes de nossa era, um 15 de março, um grupo de conspiradores matou Júlio César e semeou o desconcerto no Império. A partir daí, os romanos tiveram uma certa apreensão com a data e a consideraram sinônimo de tormentas, convulsões e revoltas.

Em nosso país, costuma-se vincular este período do calendário com chuvas, deslizamentos, distúrbios climáticos e acontecimentos políticos; mas, como nossa vida está regida por um cenário concreto, este ano assomaram outros fatos.

Quatro fatores tiveram lugar nos inícios de março: a queda do Presidente do Conselho de Ministros, Alberto Otárola – uma espécie de César do nosso império; a designação de Gustavo Adrianzén como novo titular do Gabinete; a aprovação de reformas constitucionais por parte do Congresso; e a decisão referida à Junta Nacional de Justiça, implacavelmente assediada pela Máfia.

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Caso Otárola

O caso Otárola tardou muito. Não deveria ter renunciado no último dia 5, mas muito antes, quando se iniciaram as cruéis matanças registradas no interior do país – e também em Lima – que enlutaram a vida nacional. Os crimes em Ayacucho, Andahuaylas, Puno e outras cidades foram episódios horrendos que mereciam um severo ato de contrição do governo e a saída imediata dos responsáveis. Nada disso ocorreu.

Todos recordam que o senhor Otárola se ufanou dos fatos e mostrou as mortes como expressões legítimas vinculadas à “defesa da democracia”. Mais tarde – e após responsabilizar as vítimas por suas próprias mortes – diria exultante: “Se as coisas voltassem a acontecer, voltaríamos a aplicar a mão dura”, ou seja, mataríamos outra vez, como o fizemos. Nada disso lhe custou o cargo. Pelo contrário, lhe choveram elogios de Dina Boluarte, aplausos parlamentares e ditirambos da Grande Imprensa. Este César peruano se havia portado como um Imperador…!

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Quem diria que meses mais tarde esta versão peruana de Calígula, cairia, envolvido em áudios românticos e favores aos seus amores clandestinos! Diferentemente de César, a este Alberto nenhum vidente alcançou a adverti-lo do que aconteceria, embora soberbo como o romano, tampouco lhe haveria acreditado. Andava convencido que todos os que se aproximavam dele eram genuflexos, quebradiços e servis. Esse era seu mundo.

Bem pago de sua sorte, sentia-se imbatível. Era a coluna vertebral do regime, a cabeça pensante, a eminência parda, o homem forte, o autor intelectual de todas as ações do oficialismo, o factótum em cada circunstância. Era, por isso, imbatível e inamovível. Todos o disseram. E ele, era fervoroso crente, até que se viu forçado a renunciar. Quando retornou do Canadá, onde se encontrava, o homem estava politicamente morto. Mas voltou à vida.

Gustavo Adrianzén

Seu sucessor é ele, mas com outro nome. Agora se chama Gustavo Adrianzén e mostra uma faixa inesperada. Seus antecedentes são precários: foi ministro de Humala e fez gala do anti aprismo de Cateriano, mas não chegou além. Destacou-se, no entanto, por duas razões importantes: defendeu os comandos “Chavín de Huántar” esses 140 “heróis” que mataram 14 jovens, entre eles duas moças uma das quais estava grávida, na residência nipona em abril de 97; e na OEA, acusou os familiares das vítimas de 22-23 de havê-los matado para “destruir a democracia” – em outras palavras, a mesma vontade e o mesmo Gabinete. Ninguém saiu. Todos ficam.

O Congresso, por sua parte, não perdeu tempo. Aprovou em um só pacote a criação do Senado, a reeleição parlamentar e a ampliação do Legislativo. Agora, para ser Senador, há que ter sido Congressista. E todos que o foram, inclusive os atuais, têm direito a segui-lo sendo, “por toda a vida”. Houve um referendo de cidadãos no qual cada uma dessas propostas foi rejeitada? Claro que houve, mas aos legisladores de hoje, não lhes importa.

No caso da JNJ a máfia fracassou. Lograram em votação escandalosa e ilegal duas cabeças: Inés Tello e Aldo Vásquez por apenas um voto, mas sofreram sucessivos contrastes depois. Nem sequer uma vitória de Pirro. Virtualmente, perderam apesar de tudo.

Ademais, a vida continua. Começou o ano escolar com as escolas destruídas; uma mãe de Piura salvou seus três filhos por milagre porque o rio e as chuvas levaram a sua casa sem que as autoridades construíssem defesas; uma mulher recebeu um balaço na cabeça, em San Juan de Lurigancho; uma manada de delinquentes assaltou luxuosas lojas em San Isidro; um homem foi assassinado em Trujillo; um delinquente roubou um laptop subindo até o quinto andar do Ministério do Interior, sem que ninguém “se desse conta”. O “Estado de Emergência” funciona plenamente e o país vive – como Dina assegura – “em absoluta calma e tranquilidade”.

Os Idos de Março apenas começam. Podem trazer tremores e inclusive, terremotos. Mas é preciso ver em que termina isto.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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