José Carlos Mariátegui nos recordava que a realidade nacional estava menos desconectada do cenário internacional, do que acreditavam nossos analistas locais. E é assim.
O que acontece em outros confins do planeta nos reflete nitidamente nossa própria realidade e nos ajuda a compreender lucidamente o que sucede em nosso próprio solo. Por isso, hoje há que olhar para o sul.
Chile, 11 de setembro de 1973: recordações de uma jovem que queria mudar o mundo
Setembro implica, em diversos marcos, a batalha do Chile. No dia 4 se recorda a histórica eleição de Salvador Allende em 1970, que marcou a irrupção da Unidade Popular na Pátria Araucana, e que pintou a região com o rosto do Socialismo.
Em contrapartida, no dia 11 o país foi afogado em sangue pela insurgência do fascismo que, após a bota militar, apagou temporariamente a causa desse povo, que hoje renasce vitorioso.
Milhares caíram naquela circunstância. Uns mortos, outros desaparecidos, os demais, detidos e torturados.
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Tudo deverá ser conquistado graças ao sacrifício, ao valor e à luta de cada combatente
Setembro no Chile
Hoje se recorda esse setembro como o mais duro da história, mas também como uma lição e um desafio. Ensinou ao mundo a capacidade da barbárie e o incitou a combatê-la sempre.
No dia 15 foi assassinado no Estádio Chileno Víctor Jara, símbolo da Canção de Protesto que chegara um mês antes aos escritórios da CGTP, na Praça Dois de Maio, para despedir-se após uma breve visita ao Peru. Recordamos sempre o que nos disse antes de ir embora: “o dever me obriga a estar na Pátria”.
Assassinato de Víctor Jara, um crime pelo qual ainda o Chile ainda chora
O 18 é o Dia Nacional do Chile. E nele se evocam diversos episódios entre os que se misturam etapas que se iniciam em 1810 e culminam 8 anos mais tarde.
Neles desfilam as aguerridas montoneras de Manuel Rodríguez, as batalhas vitoriosas – Maipú e Chacabuco – nas quais flameara muito alto a bandeira da Independência do nosso continente e o exemplo de personalidades da medida de José Miguel Carrera, Bernardo O’Higgins e até José de San Martin, há 200 anos.
Em 23 de setembro foi vítima do ódio Pablo Neruda, o poeta universal que havia sido premiado dois anos antes com o Nobel de Literatura, e que escreveu a epopeia dos povos na luta contra o fascismo.
Embora a sua morte ainda não tenha sido suficientemente esclarecida, cresce sempre a ideia de que lhe tiraram a vida por desígnio de La Moneda de então.
Há dois anos, em setembro de 2019, surgiu esse movimento de jovens que assomou um pouco mais tarde, em outubro, com a tomada de alguns vagões do metrô, protestando pelo aumento das tarifas de transporte. Em uníssono as pessoas disseram: não se trata de 30 pesos, mas sim de 30 anos de pavor e sofrimento. E foi verdade.
Hoje o Chile vive novas circunstâncias, e se rege por um cenário em que a marca dos trabalhadores e das populações marginalizadas encontra seu lugar no alto da história.
Como no Peru e outros confins da América, ali – onde aninhou o Neoliberalismo – se perfila sua tumba. E a marca das multidões não se mostra menor. Não lhe basta aos povos lutar hoje por um salário ou por um conjunto de elementares condições de trabalho.
A tarefa é construir um país melhor, mais humano e mais justo. E por isso, como augurava Allende, se abrem as grandes alamedas, pelos quais transita o homem livre.
“Precisamos construir um Chile coletivo, com direitos e rebeldia alegre de Allende”, diz atriz
O exemplo valoroso do mandatário caído, transcende e alenta as novas gerações de chilenos. Rapazes e moças que não tiveram a possibilidade de viver a história, a leem hoje nos olhos de seus pais e de seus avós. E o sangue dos mártires daquelas aziagas jornadas corre hoje pelas veias de milhões.
Para o povo do Chile já acabou a vigência da Constituição da ditadura. E uma nova Carta Magna se torna indispensável. Por isso começaram um processo novo, com Assembleia Constituinte inclusive, e com as populações originárias à frente. A luz ilumina outra vez o cenário do sul.
Em novembro haverá novas eleições, com uma direita dividida e derrotada. Nos episódios que marcarão essa contenda, os trabalhadores farão uma nova experiência de vida e de trabalho.
Sabem que nada está escrito debaixo da terra, e que nada haverá de cair do céu. Tudo deverá ser conquistado graças ao sacrifício, ao valor e à luta de cada combatente.
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E os que se levantam hoje, cantam com Neruda:
“Eu quero meu país para os meus, quero/ a luz igual sobre a cabeleira/da minha pátria encendida / quero o amor do dia e do arado/quero borrar a linha que com ódio/fazem para apartar o pão do povo/ e ao que desviou a linha da pátria/até entregá-la como carcereiro/atada, até os que pagam por feri-la/eu não vou contar nem calar/vou deixar seu número e seu nome/cravado na parede da desonra”.
Gustavo Espinoza M., Colaborador de Diálogos do Sul, de Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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