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De volta à Colômbia, assassino de camponeses promete expor crimes de Uribe e militares

Salvatore Mancuso passou 16 anos preso nos EUA acusado de narcotráfico, mas em solo colombiano chefiou “esquadrão da morte”
Jorge Enrique Botero
La Jornada
Bogotá

Tradução:

No meio de notório nervosismo das forças políticas de direita, o ex-chefe paramilitar Salvatore Mancuso regressou nesta quarta-feira (28) à Colômbia após cumprir 16 anos de prisão nos Estados Unidos acusado de narcotráfico.

Considerado um dos mais sanguinários líderes das chamadas Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) – que durante mais de duas décadas massacraram camponesas acusados de apoiar as guerrilhas – Mancuso regressa ao país convertido agora em carrasco daqueles que o apoiaram e o estimularam em seus crimes: líderes das forças militares, dirigentes políticos regionais e nacionais, empresários locais e estrangeiros que o financiaram, governantes departamentais e até mesmo o ex-presidente da república, Álvaro Uribe Vélez.

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Antes de sua aterrissagem no solo pelo qual fez correr rios de sangue, o ex-chefe dos esquadrões da morte deu detalhes do longo e tétrico relato que tem para contar, assinalando Uribe como anfitrião, em sua fazendo da costa Caribe, de numerosas reuniões em que paramilitares, altos comandos do exército e proprietários regionais planejavam ações militares contra humildes camponeses aos quais acusavam de serem colaboradores das forças insurgentes

Segundo Mancuso, o objetivo dos assassinatos eletivos e os massacres, além de gerar pânico entres os povoadores, era cumprir com a velha teoria, aplicada pelos Estados Unidos no Vietnã, de “tirar o peixe da água”, por sua vez sustentada na tese desenvolvida pelas elites nacionais e regionais da Colômbia de que “matar comunistas não é um delito”.

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Salvatore Mancuso passou 16 anos preso nos EUA acusado de narcotráfico, mas em solo colombiano chefiou “esquadrão da morte”

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"El Mono”, como era conhecido, passou 16 anos preso nos Estados Unidos




Quem é Mancuso

Filho de um imigrante italiano de Nápoles, Salvatore Mancuso nasceu em 1964 na cidade pecuarista de Montería, no norte da Colômbia, onde os caciques latifundiários reinaram como senhores feudais até começo dos anos 1970, quando chegaram à região frentes guerrilheiras, do Exército de Libertação Nacional, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e do Exército Popular de Liberação. 

Convertido em uma espécie de “guardião” da ordem da região, Mancuso ingressou às AUC ao final dos anos 1990 e no ínício do novo século já era uma dos seus chefes máximos, nomeado em 2000 para encabeçar a invasão à região de Catatumbo, fronteiriça com a Venezuela, à qual chegou com mais de 300 paramilitares que cruzaram mais de 800 quilômetros com a evidente cumplicidade das forças militares. 

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A ocupação do Catatumbo está registrada na história recente da Colômbia como uma das incursões mais sangrentas do paramilitarismo, com saldo de 13 massacres e pelo menos 200 camponeses assassinados. Uma investigação do Centro Nacional de Memória Histórica conta que “toda a população do Catatumbo foi declarada inimiga e alvo militar”. 

Em 2022, durante uma audiência virtual a partir dos Estados Unidos, o ex-chefe paramilitar deu as coordenadas de vários lugares na fronteira onde havia fossas comuns e revelou que a maioria dos mortos das AUC haviam sido incinerados em fornos crematórios, ao melhor estilo dos campos de concentração nazistas. 

No próximos dias – afirmou – ele fará revelações demolidoras sobre as origens do paramilitarismo ante a justiça transicional derivada dos acordos de paz de 2016, e se dedicará a cumprir com as funções de “gestor de paz”, cargo para o qual foi nomeado há três meses pelo presidente Gustavo Petro, tudo isso no meio de extremas medidas de segurança.


2 mil mortos no cemitério de Cúcuta  

A chegada de Mancuso ao país coincidiu com a notícia de que, no cemitério de Cúcuta, a principal cidade fronteiriça com a Venezuela, próxima à região do Catatumbo, foram encontrados mais de dois mil cadáveres em sacos plásticos, sepultados irregularmente há anos.

As primeiras investigações realizadas pela Unidade de Busca de Pessoas dadas por Desaparecidas (UBPD) assinalam que pelo menos 211 dos corpos encontrados correspondem a desaparecidos, embora a cifra poderia elevar-se a mais de mil levando em conta que na primeira década de 2000 foram reportados quatro mil desaparecimentos na região. 

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Com este macabro pano de fundo, as forças políticas que apoiaram o ex-presidente Uribe se apressaram a deslegitimar a figura de Mancuso, chamando-o de “bandido” e “assassino desalmado” e omitindo recordar que eles mesmos receberam com insistentes aplausos o ex-chefe das AUC quando entrou ao recinto do Congresso em 29 de julho de 2004, durante o primeiro mandato de Álvaro Uribe Vélez.

Jorge Enrique Botero | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Jorge Enrique Botero Jornalista, escritor, documentarista e correspondente do La Jornada na Colômbia, trabalha há 40 anos em mídia escrita, rádio e televisão. Também foi repórter da Prensa Latina e fundador do Canal Telesur, em 2005. Publicou cinco livros: “Espérame en el cielo, capitán”, “Últimas Noticias de la Guerra”, “Hostage Nation”, “La vida no es fácil, papi” y “Simón Trinidad, el hombre de hierro”. Obteve, entre outros, os prêmios Rei da Espanha (1997); Nuevo Periodismo-Cemex (2003) e Melhor Livro Colombiano, concedido pela fundação Libros y Letras (2005).

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