Se algo emparelha aos povos latino-americanos, é um passado carregado de frustrações, luta social, violência, repressão e abuso. Também, é claro, uma enorme dose de esperança que surge antes e depois de cada substituição em seus governos e de cada explosão social provocada por suas traições. O fio da história em todos os países do nosso continente apresenta similares coincidências, em um ir e vir que lhes impede avançar com passo firme para o desenvolvimento. No entanto, uma e outra vez se impõe esse alento otimista – essa necessidade de ressurgir da cinzas – único consolo diante da crueza de uma realidade tão imerecida como deprimente.
A herança colonial marcou de forma indelével o destino de nossas povos ao estabelecer a divisão por classes sociais, econômicas, étnicas e de gênero, como um brilhante e sórdida estratégia destinada a preservar com mão de ferro os mecanismos de controle. Daí surgiram formas de vida e pensamento impressos em sua cultura como verdades absolutas e, pior ainda, como valores dignos de ser acatados.
Entre esses supostos valores, muitos deles originados desde os púlpitos, estão aqueles destinados a subordinar as mulheres à autoridade patriarcal; a convencer os estratos mais pobres da superioridade dos mais ricos; submeter a infância e a juventude à autoridade adulta, sem direito algum a assumir suas próprias aspirações; e acreditar, sem duvidar de um absurdo direito humano de destruir a natureza em função da acumulação de riqueza para benefício de uns poucos.
Quando os povos decidem tomar as rédeas de seu destino e deter os abusos de poder cometidos, sem qualquer obstáculo, a partir dos centros de poder, então intervêm outros atores cuja incidência, a partir de países poderosos e gigantes midiáticos, transformam o discurso e manipulam os conceitos abrindo a caminho para a repressão e o medo.
Esta argucia, tantas vezes repetida e tantas vezes exitosa, apaga a chama da rebelião e, vítimas mais, vítimas menos, lança ao silêncio e à resignação a povos cada vez mais impotentes e empobrecidos. Este cenário recorrente também representa um obstáculo de enorme magnitude para fazer da cidadania uma protagonista consciente e comprometida com seu futuro.
Mariane Barbosa
A democracia depende da organização cidadã.
Farta de tanto abuso, carente em sua maioria de elementos de julgamento e, em alguns países, de marcos legais para exercer seu direitos a participar livremente na eleição de autoridades éticas e competentes, a cidadania se vê enfrentada, uma e outra vez, a uma maquinaria poderosa manejado a partir das sombras por pequenos círculos de poder que lhe impedem avançar.
Por isso, só acodem ao consolo de uma esquiva esperança; as esperança por um futuro melhor; a esperança por uma mudança da qual não se atreve a participar; a esperança de que aconteça algo milagroso e os corruptos parem na prisão; a esperança de que o céu se abra e caia um raio sobre suas cabeças… essa esperança.
Mas, como reza o ditado: “Fatos são amores e não boas razões”, essas esperanças necessitam ações e essas ações, sem a vontade e a participação popular, jamais se tornarão realidade. Os povos latino-americanos perderam muito espaço devido ao seu progressivo divórcio com o exercício da política.
Decepcionados, uma e outra vez, se afastaram de algo tão essencial para a democracia como a organização partidária, único recurso para garantir sua incidência nas decisões que lhes competem. Por isso, precisamente, os grupos de poder as desestruturaram com astúcia, muito conscientes de que para reinar, é preciso dividir.
A democracia depende da organização cidadã.
*Colaboradora de Diálogos do Sul, da Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava
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