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Decisão histórica de Cuba e Estados Unidos

Niko Schwarz

Tradução:

NiKo Schvaz*

US President Barack Obama (R) shakes hands with Cuba's President Raul Castro during a meeting on the sidelines of the Summit of the Americas at the ATLAPA Convention center on April 11, 2015 in Panama City. AFP PHOTO/MANDEL NGAN US President Barack Obama (R) shakes hands with Cuba’s President Raul Castro during a meeting on the sidelines of the Summit of the Americas at the ATLAPA Convention center on April 11, 2015 in Panama City. AFP PHOTO/MANDEL NGAN

Hoje é um dia que ficará gravado na história. No futuro se recordará que no 20 de julho de 2015 se restabeleceram plenamente as relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba, rompidas há mais de 53 anos, logo depois da conferência de chanceleres da OEA realizada em San Rafael, próxima a Punta del Este, em janeiro de 1962, com a conseguinte expulsão de Cuba do sistema interamericano.

Se dá volta a uma vergonhosa página, originada por chantagem e coacção do império do norte. Constitui uma vitória marcada pela dignidade e firmeza do governo e do povo de Cuba, da defesa irrenunciável dos princípios básicos de sua revolução e ao mesmo tempo, de sua capacidade negociadora, de sua flexibilidade tática na busca incessante pela solução pacífica das controvérsias.
De acordo com o anunciado por ambos os governos, em 1o de julho, e como resultado do diálogo iniciado entre os presidente Barack Obama e Raúl Castro, em 17 de dezembro passado, no dia de hoje ocorre a reabertura das respectivas embaixadas em Washington e em Havana. Ambas instalações atualmente abrigam Oficinas de Interesses sob a proteção da Suíça. A de Cuba está situada sem um edifício antigo nas proximidades da Casa Branca. Foi construída em 1916, primeiro como legação da República de Cuba, logo em 1923, ascendeu para embaixada ante o governo estadunidense e conserva ainda hoje os escudos das seus províncias em que então se dividia a ilha, em contraste com as 14 províncias atualmente. Lá deverá chegar uma delegação de mais de 30 cubanos, sendo que foram convidados mais de 300 cidadãos estadunidenses como testemunho do acontecimento. A delegação cubana estará encabeçada pelo chanceler Bruno Rodríguez Parrilla, que depois da cerimônia será recebido pelo secretário de Estado John Kerry, no Departamento de Estado.
Também integram a delegação o vice presidente da Assembleia Nacional (parlamento), Ana Maria Mari, o ex chanceler e líder parlamentar Ricardo Alarcón, o cantador Sílvio Rodríguez, o historiador da cidade de Havana, Eusébio Leal, o artista plástico Alexis Leiva, entre outros. Os convidados estadunidenses incluem congressistas, religiosos, acadêmicos e grupos de solidariedade que ao longo deste anos brigaram por uma melhor relação entre ambos os países. Haverá o içamento da bandeira cubana e breves discursos. Anunciou-se com certa ironia que não estarão no ato os legisladores cubano-americanos como Marco Rúbio ou Ileana Ross Lehtinen, fervorosos opositores a uma melhora nas relações entre os dois países e que se pronunciaram agressivamente contra a decisão de Obama.
O presidente cubano Raúl Castro disse na Assembleia Nacional, que o restabelecimento das relações com Estados Unidos e a reabertura das respectivas embaixadas seria a conclusão da “primeira fase” do processo iniciado em dezembro passado e que “começará” agora uma nova etapa, longa e complexa, em caminho à normalização das relações”. Acrescentou que “trata-se de fundar um novo tipo de vínculo entre ambos Estados, diferente  ao de toda nossa história comum”.  Também solicitou a Barack Obama que continue utilizando ordens executivas (decretos) para “desmantelar” aspectos do bloqueio econômica contra a ilha, que constitui o principal empecilho para a normalização plena das relações. Este é o principal (ainda que não o único) tema que fica pendente para chegar a normalização plena, como veremos.

Diferentes etapas ao longo de 120 anos

A segunda guerra de independência de Cuba começou em 1895, encabeçada por José Martí, Antonio Maceo e Máximo Gomez. Quando vitória dos patriotas cubanos já era inevitável, em 1898, Estados Unidos declararam guerra contra Espanha e desembarcaram em Guantánamo. Os estadunidenses governaram a ilha até 1902, quando entrou em vigência uma Constituição que incluía a Emenda Plat, a qual reconhecia o direito de Estados Unidos intervir militarmente em Cuba, manter a base aeronaval de Guantánamo, que conserva até hoje ilegalmente. O direito de intervenção foi exercido em várias oportunidades, m 1905, 1909 e 1913, com a presença de “marines”  por períodos prolongados.
Em 1933, um levantamento popular derrocou a ditadura de Machado e Grau San Martin tentou levar adiante medidas de conteúdo popular e antimperialista, porém, foi forçado a renunciar por pressão estadunidense. Em março de 1952, o coronel Fulgencio Batista deu um golpe de Estado contando com o apoio de EUA e implantou uma ditadura que custou a vida de 20 mil cubanos. Em 26 de julho de 1953 ocorreu o assalto ao Quartel Moncada, em Santiago de Cuba, dirigido por Fidel Castro e um grupo de patriotas. Mesmo com o fracasso, marcou o começo da luta insurrecional. No julgamento, Fidel Castro proferiu seu célebre alegado “a história me absorverá”, definindo as bases programáticas do movimento. Depois de sua libertação e exílio em México, houve o desembarque do “Granma” e a luta insurrecional que culminou com a vitória de 1 de janeiro de 1959, com a fuga do ditador Batista.
Em 17 de abril de 1961 ocorreu a invasão ianque a Cuba pela Bahia de Cochinos, uma intervenção militar armada contra o governo que tinha realizada a reforma agrária e expropriado um conjunto de empresas estadunidense instaladas no país. O povo cubano estraçalhou a invasão em 72 horas. No enterro das vítimas Fidel Castro proclamou o caráter socialista da revolução.
Uns meses depois, em agosto de 1961, Che Guevara representou Cuba na conferência do CIES Conselho Interamericano Econômico e Social, organismo da OEA, em Punta del Este e denunciou os objetivos colonizadores da anunciada “Aliança para o Progresso” isso diante do delegado estadunidense, o secretario do Tesouro, Douglas Dillon. Em janeiro de 1962, na conferência de chanceleres da OEA em San Rafael, em que Osvaldo Dorticós assumiu a representação cubana, através da compra de votos (do ditador haitiano François Duvalier e outros) forçou a exclusão de Cuba do sistema interamericano. Aí começou o bloqueio comercial, econômico e financeiro de Estados Unidos contra Cuba que se manteve a longo destes mais de 53 anos e que é um ponto capital pendente ainda de solução. Em outubro de 1962 se produziu a “crise dos mísseis”, que colocou o mondo a beira de uma terceira guerra mundial, esta de caráter nuclear, que foi superada, conseguindo preservar ao mesmo tempo a independência e soberania de Cuba e a paz mundial.
Hoje, com o restabelecimento pleno das relações diplomáticas mútuas e a reabertura das respectivas embaixadas em Washington e Havana, inicia-se um novo período no relacionamento entre os dois países.

Problemas pendentes e uma perspectiva aberta

O documento conceito com que o governo cubano fundamentou essa determinação destaca que “o  governo de Cuba tomou a decisão de restabelecer as relações diplomáticas com Estados Unidos em pleno exercício de sua soberania, invariavelmente comprometido com seus ideais de independência e justiça social, e de solidariedade com as causas justas do mundo, e em reafirmação de cada um dos princípios pelos quais nosso povo derramou seu sangue e correu todos os riscos, assinado pelo líder histórico da Revolução, Fidel Castro”.
Depois de destacar a transcendência dessa decisão, enfatiza energicamente e com clareza os importantes problemas que ainda estão pendentes e que devem complementar o restabelecimento das relações diplomáticas. O primeiro é sem dúvida o bloqueio. “Não poderá haver relações normais entre Cuba e Estados Unidos – expressa o documento- enquanto se mantenha o bloqueio econômico, comercial e financeiro que se aplica com todo rigor, provoca danos e carências ao povo cubano, é o obstáculo principal ao desenvolvimento de nossa economia e constitui uma violação do Direito Internacional e afeta os interesses de todos os Países, incluindo os de Estados Unidos.
A isso se agrega a exigência pela devolução da base naval de Guantánamo, bem como o fim das manobras provocativas de diversas índoles realizadas por EUA contra Cuba. Nos termos do documento: “Para alcançar a normalização será indispensável também que se devolva o território ilegalmente ocupado pela base naval de Guantanámo, cessem as transmissões de radio e televisão para Cuba que violam as leis internacionais e são lesivas à nossa soberania, se eliminem os programas dirigidos a promover a subversão e a desestabilização internas e se compense o povo cubano pelos danos humanos econômicos provocados pelas políticas de EUA”.
O documento reconhece as decisões adotadas pelo presidente Obama de excluir a Cuba da lista de estados patrocinadores do terrorismo internacional, de instar o Congresso de seu país a levantar o bloqueio e de adotar medidas para modificar aspectos dessa política no uso de suas prerrogativas presidenciais, o que acaba de ser reiterado por Raúl Castro. Sobre o primeiro aspecto, cabe registar que foi recebido com beneplácito pela opinião pública internacional, por um duplo motivo: primeiro porque Cuba não só não promove o terrorismo como tem sido vítima de ataques terroristas perpetrados por sucessivos governos de EUA sob diversas formas e circunstancias. E, segundo, porque hoje Havana é sede do diálogo sustentado entre os representantes do governo de Juan Manuel Santos e as FARC para por fim a um período de meio século de confronto armado e abrir passa para uma paz estável e durado com um cessar fogo bilateral prévio como o que agora está ocorrendo.
Em conclusão, o governo cubano estabelece que as relações entre Cuba e EUA “deverão concretizar-se no respeito absoluto de nossa independência e soberania, o direito inalienável de todo Estado a eleger o sistema político, econômico, social e cultural sem ingerência de nenhuma forma; a igualdade soberana e a reciprocidade, que constituem princípios irrenunciáveis do Direito Internacional”. Sobre essas bases reitera sua disposição de “manter um diálogo respeitoso com o governo de Estados Unidos e desenvolver relações de convivência civilizada” com o mesmo.
Aproveita esta propícia ocasião para destacar que “Cuba seguirá dedicada no processo de atualização de seu modelo econômico e social para construir um socialismo próspero e sustentável, avançar no desenvolvimento do país e consolidar as conquistas da Revolução”.
É uma posição cabal e completa, que contempla todos os aspectos da questão e que recebe mostras inequívocas de apoio internacional.
No Uruguai foi convocado um ato a realizar-se em 23 de julho no teatro El Galpão em homenagem ao 62 aniversário do assalto ao Quartel Moncada sob o lema “Hoje mais que nu8nca, sempre é 25”, em solidariedade com Cuba socialista e demanda para que se ponha fim ao bloqueio.
*Colaborador de Diálogos do Sul – de Montevideu, Uruguai


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Niko Schwarz

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