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ToggleNa última segunda-feira, 11 de abril, foi aprovada na Convenção Constitucional, com uma maioria de 114 votos a favor, 26 contra e 10 abstenções, a proposta de artigo 1° da Constituição que será plebiscitada no dia 4 de setembro deste ano.
Nesta disposição está incluído em seu inciso primeiro, a seguinte expressão: “o Chile é um Estado social e democrático de direito”. Foi objeto de muitos comentários de dirigentes políticos, acerca de que seria o fim do denominado “Estado Subsidiário” da Constituição política vigente.
Primeiro artigo da nova Constituição define garantia dos direitos sociais no Chile
Para entender um pouco mais acerca desta definição, consultamos o artigo publicado na Revista de direito e humanidades, pelo doutor em direito e acadêmico da Universidade do Chile, Claudio Nash (NASH, 2011).
Neste texto, descreve-se a gestação do Estado de direito, desde o Estado de direito liberal, que responde à necessidade de proteção das pessoas, de seus bens e outras liberdades, de poderes despóticos. Correspondem ao Estado liberal de direito, a Declaração de direitos de 1689 da Inglaterra, a Declaração de direitos de 1776 dos Estados Unidos, e a Declaração de Direitos do Homem de 1789 na França.
Esta ordem de coisas foi avançando paulatinamente, ao longo do século XVIII, mas entrou em crise, no final do século XIX e começo do século XX. Podemos inferir que o conjunto de declarações estabeleciam direitos, em um nível meramente teórico, e as condições materiais de vida de milhões de pessoas eram invisíveis para a estrutura do Estado liberal. Aqui surge o Estado social, “para superar a cegueira do Estado liberal”.
Novo texto constitucional será plebiscitado em 4 de setembro, com voto obrigatório
Estado social
O Estado social caracteriza-se pelo papel ativo que o Estado começou a desempenhar. Agora, não só para abster-se de “interferir nas liberdades e direitos das pessoas”, próprio do papel passivo do Estado liberal, mas desenvolve sua ação para “reverter as situações de iniquidade a que se veem submetidos determinados grupos de pessoas”.
São próprios do Estado social, “o resguardo dos direitos civis do indivíduo –incluindo direitos de participação política –, a consagração de mecanismos de distribuição de riqueza por meio do salário, o exercício de direitos coletivos e de um conjunto de prestações sociais dirigidas ao bem-estar do indivíduo.”
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O Estado Social e democrático de direito corresponde ao período pós-guerra, sendo de alguma maneira uma reação à ameaça às liberdades e direitos do Estado social autoritário. Por isso, não é de estranhar que a primeira consagração do Estado Social e democrático de direito tenha ocorrido na Alemanha, na Lei Fundamental de Bonn.
Sem prejuízo de que, ao longo do século XX e começo do século XXI, já se encontra consagrado nas Constituições políticas da Colômbia, Equador, Paraguai, Espanha, Turquia e Venezuela.
Processo constituinte
Quanto à Constituição política do Chile de 1980, reformada em 2005, o processo constituinte em marcha propõe-se a substituí-la. O professor Nash indica: “Consagra os direitos fundamentais como limites ao Estado antes que como obrigações de atuação…”, “Com ênfase nas liberdades (entendidas como proteção frente ao Estado e supondo uma omissão de sua parte), sem que expressem um adequado desenvolvimento em matéria de direitos de participação e direitos sociais”.
A título meramente exemplar, a forma em que a constituição atual consagra os direitos de saúde, educação e trabalho “são tratados principalmente como liberdades (de eleição) e não como direitos de prestação por parte do Estado. Estes direitos, concebidos como direitos de igualdade de fato, como são a saúde e a educação, são estabelecidos como mandatos de organização e atuação do Estado, e não como direitos a serem exigidos diretamente”.
Na reforma realizada em 2005, tentou-se introduzir o conceito de Estado Social e democrático de direito na Constituição Política do Chile. Foi uma proposta do senador Enrique Silva Cimma, que foi rejeitada pela direita; consequentemente, continuou valendo o enfoque original deste texto constitucional.
Ainda que estejamos em uma etapa incipiente, antes de conhecer a redação definitiva da proposta da nova Constituição política, podemos dizer, sem sombra de dúvida, que vai ficando para trás a concepção de Estado da Constituição de 1980. A consagração do Estado Social e democrático de direito constitui um avanço civilizatório para a sociedade chilena.
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O Estado destinará seus esforços para assegurar, progressivamente, condições materiais de vida, com um piso mínimo de direitos sociais mínimo. Já não em nível meramente declaratório. O papel passivo do Estado, consagrado na Constituição de 1980, começa a ficar para trás. Os méritos do papel subsidiário do Estado foram destacados até o esgotamento, pelos meios de comunicação afins aos grupos controladores do sistema financeiro do Chile.
Ação do Estado
As restrições inauditas à atividade do Estado no âmbito econômico começam a ficar para trás. Embora seja muito provável que, dado o avanço acelerado das mudanças tecnológicas, não vejamos um Estado empresário, no modelo do século XX. Pode-se garantir, sem medo de equivocar-se, que serão criadas, por meio da legislação correspondente, as ferramentas técnicas que permitam levar a ação do Estado até os últimos confins do território.
Algo que esperamos com ansiedade, aqueles que vivemos nas zonas extremas. Prover de bens e serviços de qualidade a população não pode depender do tamanho da clientela ou do “bolsão de clientes”. Localidades escassamente povoadas têm tanto direito a aceder aos direitos sociais quanto quem reside em Ñuñoa ou Santiago centro.
O artigo 1°, que mencionamos nesta coluna, indica com todas as letras: “o Chile é um Estado social e democrático de direito. É plurinacional, intercultural e ecológico.
Constitui-se como uma República solidária, sua democracia é paritária e reconhece como valores intrínsecos e irrenunciáveis a dignidade, a liberdade, a igualdade substantiva dos seres humanos e sua relação indissolúvel com a natureza.
A proteção e garantia dos direitos humanos individuais e coletivos são o fundamento do Estado e orientam toda sua atividade. É dever do Estado gerar as condições necessárias e prover os bens e serviços para assegurar o igual gozo dos direitos e de integração das pessoas na vida política, econômica, social e cultural para seu pleno desenvolvimento”.
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Como se pode apreciar, o novo enfoque do Estado do Chile envolve um papel ativo quanto a gerar as condições para que todas as pessoas possam ter acesso a melhores condições de vida, o que envolve não só aspectos materiais, como também aspectos essenciais, como declarar valor intrínseco e irrenunciável a dignidade, a liberdade e a igualdade substantiva dos seres humanos e sua relação indissolúvel com a natureza.
O novo texto constitucional será plebiscitado em 4 de setembro, com voto obrigatório. É muito recomendável manter-se informado dos textos que o plenário da Convenção for aprovando. Esses textos são os únicos oficiais. Não confundir com as propostas que ainda se discutem, ou que só foram aprovadas em comissões.
Um apelo especial: manter a calma e a confiança no processo que está em marcha. A imensa maioria da população jamais leu a constituição de 1980. Mas lembram os aspectos mais escabrosos, como o artigo 8° e o 24º transitório, ambos revogados na reforma de 1989.
O sistema binominal, os senadores designados e os senadores vitalícios. Também já derrogados. É muito provável que muito poucas pessoas leiam o texto completo, que vai para plebiscito. No entanto, algo que se comentará sem dúvida, é o fim do papel subsidiário do Estado. E esperemos que muitos mais se interessem pela mudança fundamental que o Chile terá com o Estado Social e democrático de direito.
Ernesto Sepúlveda Tornero, para El Quinto Poder
Tradução de Ana Corbisier.
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