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Delegacia descarta crime no caso de Genivaldo, morto em “câmara de gás” por agentes da PRF

Policiais em Umbaúba (SE) sequer foram ouvidos e nomes não foram anotados, conforme aponta boletim ao qual a Ponte Jornalismo teve acesso
Jeniffer Mendonça
Ponte Jornalismo
São Paulo (SP)

Tradução:

A delegacia da Polícia Civil de Umbaúba (SE) não se importou em ouvir os policiais rodoviários federais que transformaram uma viatura policial em câmara de gás, matando Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, homem negro diagnosticado com esquizofrenia. O delegado Gustavo Mendes Ribeiro também não anotou os nomes dos policiais e ainda registrou o crime como “morte a esclarecer sem indício de crime”.

O boletim de ocorrência, registrado nesta quarta-feira (25/5), a que a Ponte obteve acesso, aponta a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apenas como pessoa jurídica. Os policiais não prestaram depoimento e foram ouvidos apenas “informalmente”, segundo a assessoria da Polícia Civil. Se tivesse entendido que o crime era um homicídio, o delegado poderia ter dado voz de prisão aos responsáveis.

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O boletim da Polícia Civil é diferente do documento interno da PRF que a Folha de S.Paulo mencionou, no qual os agentes prestaram depoimento, e que o Intercept Brasil publicou na íntegra, inclusive com os nomes dos policiais que participaram da morte de Genivaldo: Clenilson José dos Santos, Paulo Rodolpho Lima Nascimento, Adeilton dos Santos Nunes, William de Barros Noia e Kleber Nascimento Freitas.

No documento da delegacia de Umbaúba, é descrito que Genivaldo possuía “problemas mentais”, conforme “relatos de populares” que depois foram confirmados pela irmã dele e pelo sobrinho. E que, por volta das 12h desta quarta, a autoridade policial “teve conhecimento de um crime de resistência nas imediações do Posto Reforço II, tendo em vista que equipe diminuta da PRF estava fazendo rondas ostensivas na BR 101”. Depois, “foi dada voz de parada” a Genivaldo, que conduzia uma motocicleta Honda Biz, mas não foi detalhado o que motivou a abordagem.

O delegado prossegue escrevendo que os policiais “tiveram conhecimento” deque Genivaldo “desobedeceu as ordens e resistiu à abordagem policial, o que acabou sendo necessário a utilização de algemação” para “resguardar a integridade física dos policiais envolvidos”.

Sem especificar de quem são os relatos, Mendes Ribeiro registra que “além do emprego de algemas, houve a necessidade de uso de instrumentos não letais, a citar spray de pimenta e/ou gás” e que Genivaldo não permitia ser colocado na viatura da PRF.

Policiais em Umbaúba (SE) sequer foram ouvidos e nomes não foram anotados, conforme aponta boletim ao qual a Ponte Jornalismo teve acesso

Foto: Redes Sociais
Moradores protestam na rodovia BR-101, onde Genivaldo foi morto




Omissão

O relato omite que os policiais espancaram Genivaldo e depois o fecharam no porta-malas da viatura, onde jogaram gás lacrimogêneo e spray de pimenta, enquanto Genivaldo se debatia e pessoas que viam a cena avisavam que ele estava morrendo, conforme imagens em vídeo divulgadas nas redes sociais Nailson Moura pelos policiais para atendimento médico.

Posteriormente, o delegado aponta que entrou em contato com o hospital e teve conhecimento de que a vítima havia morrido e que foram ouvidas na delegacia a irmã dele e o sobrinho como testemunhas.

O boletim da Polícia Civil relata que Genivaldo foi levado ao Hospital José Nailson Moura pelos policiais para atendimento médico.

Ao G1, Wallison Jesus declarou que em nenhum momento o tio resistiu à abordagem. “Inclusive, na hora que foi abordado, ele levantou as mãos e a camisa, e mostrou que não tava com arma nenhuma”, disse ao site. “Eu estava próximo e vi tudo. Informei aos agentes que o meu tio tinha transtorno mental. Eles pediram para que ele levantasse as mãos e encontraram no bolso dele cartelas de medicamentos. Meu tio ficou nervoso e perguntou o que tinha feito. Eu pedi que ele se acalmasse e que me ouvisse.”.

O caso gerou revolta e um protesto aconteceu na BR 101, no local onde Genivaldo foi abordado, na manhã desta quinta-feira (26), com queima de pneus e fechamento de vias. O próprio prefeito da cidade, Humberto Maravilha (MDB), participou da manifestação. “Nosso sentimento é o mesmo da população, de revolta e indignação com ocorrido no dia de ontem, esperamos urgentemente que os policiais envolvidos sejam afastados imediatamente e que a justiça seja feita”, escreveu em um vídeo que publicou no Instagram.

A Ponte ligou durante a tarde para a delegacia de Umbaúba, mas ninguém atendeu. Um outro irmão de Genivaldo, o agricultor Domingos de Jesus Santos, 55, fez um boletim de ocorrência às 20h do mesmo dia do crime no Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis da Polícia Civil em Aracaju (SE), relatando que não presenciou o que aconteceu, mas soube da situação pela população e pelos vídeos que circularam, apontando que os policiais deixaram a vítima no hospital e saíram, sendo depois constatada a morte. Ele afirmou que o irmão “sofria de problemas mentais e já havia sido internado em uma clínica” e que ele não era uma pessoa agressiva. Domingos ainda pediu o registro da ocorrência.

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À reportagem, o assessor da Polícia Civil Lucas Rosário disse que os policiais não foram ouvidos na delegacia de Umbaúba porque “o clima ficou tenso” no local. “Como a vítima passou mal ainda na viatura da PRF, eles foram direto para o hospital para o atendimento e foi constatado o óbito.

Os policiais rodoviários voltaram, conversaram informalmente com o delegado, mas ele ouviu formalmente dois parentes da vítima e os depoimentos dos parentes foram encaminhados para a Polícia Federal”, explicou. “Inclusive, começou a juntar muita gente na delegacia, o clima ficou tenso e os policiais não ficaram lá. Os policiais rodoviários não foram ouvidos formalmente, mas a investigação não está aqui na Polícia Civil de Sergipe.”.

Moradores protestam na rodovia BR-101, onde Genivaldo foi morto | Foto: Redes sociais 

“Geralmente, acontece isso [de constar identificação dos policiais no BO], mas a oitiva deles ficou completamente prejudicada”, completou. Ele disse que, na atuação da Polícia Civil de Sergipe, resta a conclusão dos laudos sobre o que pode ter causado a asfixia e que serão remetidos à Polícia Federal, que é quem vai investigar o caso.

O Instituto Médico Legal, por meio da assessoria, informou que a causa preliminar da morte foi insuficiência respiratória aguda secundária a asfixia. “A asfixia mecânica é quando ocorre alguma obstrução ao fluxo de ar entre o meio externo e os pulmões. Essa obstrução pode se dar através de diversos fatores e nesse primeiro momento não foi possível estabelecer a causa imediata da asfixia, nem como ela ocorreu”, explicou.

Segundo o boletim interno da PRF que a Folha citou e o Intercept divulgou, os agentes disseram que Genivaldo foi parado por pilotar moto sem capacete e que se negou a cumprir as ordens de levantar a camisa e colocar as mãos na cabeça, “levantando o nível de suspeita da equipe”.

Depuseram que, diante da “desobediência aos comandos legais” por parte do homem, tiveram de usar de armas menos letais, como “espargidor de pimenta e gás lacrimogêneo”, e que puderam algemá-lo em seguida. “No compartimento de presos da viatura, novamente o abordado resistiu, se debateu e deu chutes a esmo, deixando as pernas do lado de fora, sendo necessário mais uma vez o uso das tecnologias”, justificaram.

Depois, Genivaldo teria aceitado ser levado para a delegacia. “Durante o trajeto, o conduzido começou a passar mal e [foi] socorrido prontamente. A equipe seguiu rapidamente para o hospital local, onde foram adotados os procedimentos médicos necessários para reanimação, porém, possivelmente devido a um mal súbito, a equipe foi informada que o indivíduo veio a óbito”, afirma o depoimento.

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O jornal apontou que a corporação entendeu que a morte de Genivaldo foi “uma fatalidade, desvinculada da ação policial legítima”. Não é citado se a PRF analisou as imagens que foram gravadas e divulgadas por testemunhas.

Além disso, o uso de munição química em ambientes fechados não é recomendado em normas nacionaisl e internacionais de uso progressivo da força. Componentes a gás nunca devem ser usados em ambientes fechados, à curta distância ou em direção à cabeça e membros superiores das pessoas porque podem causar asfixia, segundo o Guia de Uso de Armas Menos Letais na Aplicação da Lei (leia aqui, em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU). “Você não vai encontrar em nenhum manual de polícia no Brasil, nem de polícia no mundo, mesmo os mais autoritários, alguma instrução de imobilização que permita fazer aplicação de munição química em ambiente confinado”, criticou em entrevista à Ponte o gerente do Instituto Sou da Paz Bruno Langeani. “Foi uma sessão de tortura”.

Na manhã desta quinta-feira (26), o Ministério Público Federal em Sergipe publicou nota informando que instaurou procedimento para acompanhar as investigações e solicitou informações à delegacia de Umbaúba e à Polícia Rodoviária Federal e pediu que a Polícia Federal apure o caso. A procuradoria deu um prazo de 48 horas para os órgãos se manifestarem.

A Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Sergipe (OAB-SE), repudiou o episódio e disse em nota que a sua Comissão de Direitos Humanos solicitou reunião com a Corregedoria da Polícia Rodoviária Federal e se colocou à disposição dos familiares da vítima. “A OAB Sergipe respeita as instituições, mas não compactua com qualquer tipo de violência ou de tortura, razão pela qual se manterá atenta à apuração da responsabilidade pela fatídica morte”, escreveu.


O que diz a Polícia Rodoviária Federal

Questionamos a respeito do registro em delegacia, dos depoimentos dos policiais envolvidos e sobre o resultado preliminar do laudo do IML, a corporação não respondeu.

A corporação divulgou uma nota no Twitter afirmando que “está comprometida com a apuração inequívoca dos fatos” e que os policiais envolvidos foram afastados.


O que diz a Polícia Federal

Perguntamos sobre a apuração, a assessoria informou que “diligências acerca do caso já foram iniciadas e a PF trabalha para esclarecer o ocorrido o mais breve possível”.

Jeniffer Mendonça, Ponte Jornalismo.



As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Jeniffer Mendonça

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