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ToggleO Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD) são cúmplices das graves violações dos direitos humanos e da morte da democracia que ocorreram em Bangladesh sob a primeira-ministra Sheikh Hasina.
Continuaram fornecendo sangue financeiro ao regime de 15 anos de Hasina, agora fugitiva, bem documentado por suas corrupções, violações dos direitos humanos – como desaparecimentos forçados e torturas sob custódia – e vícios na votação, inclusive a politização das instituições estatais em sua queda na autocracia.
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Tudo isso apesar de seu compromisso declarado com a transparência, a prestação de contas e a boa governança a que obrigam as políticas a respeito, tanto do FMI, como do Banco Mundial e do BAD.
Um governo eleito democraticamente não deve carregar a responsabilidade de nenhum acordo de créditos que estas organizações tenham feito com um regime que permanece no poder graças a eleições viciadas.
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O apoio financeiro destas instituições multilaterais deu legitimidade a um regime amplamente considerado ilegal, permitindo-lhe assim sobreviver. FMI, Banco Mundial e BAD continuaram auxiliando a autocracia de Hasina.
O FMI aprovou o resgate de Bangladesh, como também se conhece o país, no valor de 4,7 bilhões de dólares em janeiro de 2023.
A primeira revisão do plano de resgate foi aprovada em dezembro e deu a Bangladesh acesso imediato a 468,3 milhões de dólares para sua economia e 221,5 milhões para apoiar seu programa de mudança climática.
Em 21 de junho, a Diretoria Executiva do Banco Mundial aprovou dois projetos num total de 900 milhões de dólares. O compromisso anual de créditos do Banco aumentou de 2 bilhões de dólares em 2015 para 3 bilhões em 2018.
O BAD, por sua vez, foi uma importante fonte de financiamento externo para Bangladesh, proporcionando uma média de 2 bilhões de dólares por ano desde 2016.
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Até 31 de dezembro de 2023, o BAD tinha comprometido a concessão a Bangladesh de 726 créditos, subvenções e assistência técnica para o setor público, num total de 31,8 bilhões de dólares.
Os desembolsos acumulados de empréstimos soberanos e não soberanos e subsídios ao país asiático chegam a 23,52 bilhões de dólares.
Legitimação do regime antidemocrático de Hasina
O governo de Hasina, que se demitiu e fugiu do país em 5 de agosto depois de governá-lo com mão cada vez mais dura desde janeiro de 2009, reteve o poder em mandatos sucessivos mediante eleições viciadas, algo sem precedentes na história do país.
Utilizou sua maioria no Parlamento para mudar a Constituição, especialmente o sistema para estabelecer um governo provisório neutro quando o governante quisesse participar das eleições, assim como para politizar as instituições do Estado com o único objetivo de aferrar-se ao poder.
As eleições de 2014 foram precedidas por uma severa repressão governamental contra a oposição, que incluiu detenções generalizadas, violência, ataques a minorias religiosas e execuções extrajudiciais por parte do governo, com cerca de 21 pessoas mortas no dia das eleições.
Em 2018, as urnas se encheram na noite anterior à jornada eleitoral. Depois das eleições viciadas daquele ano, meios de comunicação internacionais informaram as conclusões da Fundação Bertelsmann, segundo as quais Bangladesh se convertera em uma autocracia.
A revista Time expressou em sua capa de 30 de novembro de 2023 sua profunda preocupação com o destino da democracia em Bangladesh sob o “poder duro” de Hasina. The New York Times informava em 3 de setembro de 2023 como “a democracia em Bangladesh está sendo esmagada silenciosamente”.
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As últimas eleições, realizadas em 7 de janeiro de 2024, foram uma farsa, caracterizando-se pela proibição dos candidatos da oposição e o boicote do principal partido da oposição, candidatos “fictícios”, voto coagido e uma baixa participação eleitoral.
Infelizmente, o FMI, o Banco Mundial e o BAD fizeram vista grossa e continuaram apoiando o regime de duvidosa legitimidade. Isto permitiu que o regime não só fosse cada vez mais autoritário, como também extremamente corrupto.
Permitir a corrupção em Bangladesh
Louvavelmente, em 2012, o Banco Mundial se retirou de um projeto para construir a maior ponte de Bangladesh, alegando problemas de corrupção. No entanto, parece que o Banco estava buscando eximir-se.
O crédito de 900 milhões de dólares que o Banco Mundial acaba de aprovar para Bangladesh se destina aparentemente a reforçar o setor fiscal e financeiro e a garantir um crescimento sustentável e resistente ao clima.
Nesta ocasião, não pareceu importar ao Banco Mundial que cerca de 54,40% do financiamento para projetos de mitigação da mudança climática fosse malversado ou se desperdiçasse por meio de diversas irregularidades e corrupções, e que o setor financeiro do país “esteja há muito tempo devastado por uma corrupção escandalosa”.
Bangladesh é considerada o décimo país mais corrupto do mundo. Quando o regime de Hasina se tornou uma cleptocracia depois de sua chegada ao poder em 2009, foram desviados do país quase 50 bilhões de dólares em seis anos (2009-2015).
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A lavagem de dinheiro por parte das elites de Bangladesh é de “domínio público”. Os nomes de 89 bangladeshianos apareceram nos Paradise Papers e 6 nos Pandora Papers do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ).
Existe um claro vínculo entre autocracia e corrupção. Os Estados Unidos impuseram sanções a um antigo Chefe do Exército por sua “importante envolvimento na corrupção”. Também é investigado um ex-chefe de polícia por corrupção em grande escala. Ambos desempenharam um papel importante no debilitamento do processo eleitoral democrático em Bangladesh e na institucionalização da repressão política.
“Todos os homens da primeira-ministra”
Um documentário de investigação de 2021 sobre Bangladesh, All the Prime Minister’s Men (Todos os homens da primeira-ministra), realizado pela Al Jazeera, trouxe à luz a corrupção em grande escala de poderosas figuras políticas e militares relacionadas com a própria Hasina.
Bangladesh se encontra em uma encruzilhada histórica, pois acaba de ser testemunha do desaparecimento de um regime autocrático e corrupto.
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Em uma Bangladesh renascida, o novo governo eleito democraticamente deveria rever todos os acordos de empréstimo do regime corrupto e ilegítimo, inclusive os assinados com a China. Se são duvidosos e grande a proporção perdida em corrupção, deveriam ser declarados “odiosos”.
Como ressalta a Unctad, a obrigação de direito internacional de devolver a dívida nunca foi aceita como absoluta. A obrigação de reembolsar os empréstimos se limita unicamente à categoria ou parte dos mesmos que não são considerados odiosos, como é o caso dos outorgados ao governo de Hasina.