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Democracia ou Plutocracia?

Paulo Cannabrava Filho

Tradução:

Plutocracia, segundo o Aurélio

1 – Poder da riqueza e do dinheiro

2 – Dominação dos homens ricos

Democracia, no mesmo dicionário

1 – governo em que o povo exerce a

soberania, direta ou indiretamente

2 – Partido democrático

3 – O povo (em oposição a aristocracia)

Ditadura – 1 – governo de ditador.

2 – Absorção do poder legislativo pelo

poder executivo
Paulo Cannabrava Filho*
Paulo-Cannabrava1 (1)Na história do Brasil nunca houve democracia, entendida como hegemonia do povo. Tivemos, ao longo do processo uma autêntica plutocracia, ou, a ditadura dos ricos e poderosos. Pode-se ressalvar que houve algumas fases com processo em direção à democracia que contudo jamais conseguiu se firmar.
A Plutocracia precisa do disfarce de democracia para sobreviver. A tal democracia representativa. Pura farsa. As eleições, como nos foram impostas, foram criadas e são manipuladas pelos ricos para assegurar a hegemonia, ou seja, a manutenção do status quo. Eleições, portanto, pura farsa para disfarçar a ditadura da plutocracia. O que temos, como bem define o sábio Boaventura de Sousa Santos, são “regimes autoritários que se disfarçam com um verniz democrático”. Leia entrevista em Diálogos do Sul.
Ilustração: tt Catalão
Em outubro passado, por ocasião das eleições, comprovamos tratar-se de uma farsa. No lugar de confronto de ideias e programas tivemos uma disputa entre especialistas em marketing (mercado) e manipulação das consciências vendendo candidatos como se vende produtos de consumo. (Leia em: Eleições 2016: Concluída uma nova farsa eleitoral) (2)

Plutocracia sem rumo

Saímos da aristocracia do Reino e do Império para a República dos Coronéis: plutocracia pura. A chamada República Velha, dos ricos fazendeiros, negou escolas e saúde para a população. Tinha a deseducação como projeto como tem hoje a má escola como projeto. Projeto de dominação.
A Revolução de 1930 rompeu com a institucionalidade e conseguiu semear o país de escolas, boas escolas. Seguiram-se algumas décadas de desenvolvimento econômico e social e de empoderamento das classes populares: dos trabalhadores, através do movimento sindical e principalmente a classe media, pela educação e através dos meios de comunicação e do consumo.  
Contudo, esse processo frequentemente tem sido interrompido, seja pela velha aristocracia frustrada ou pela nova plutocracia sem rumo. Isto permanece na raiz da instabilidade do regime.
Não houve, nesse processo, ideologização das classes. Esse vazio facilitou também a ausência de uma consciência de pátria e a perpetuação do poder plutocrático. Paralelamente, em todo esse processo, houve também a demonização de qualquer pensamento divergente, com foco nas correntes progressistas, sejam trabalhistas, socialistas, comunistas ou mesmo social democratas. A Igreja de Roma teve papel preponderante na demonização das ideias e líderes alternativos assim como tem hoje os cultos neopentecostais.
A partir dos anos 1990, com o Consenso de Washington, o processo toma rumo bem definido, pois consolidou a ditadura do pensamento único imposta pelo capital financeiro, ou, se preferirem, a ditadura do capital financeiro imposta pelo pensamento único. Uma plutocracia sui generis com prevalência do deus dinheiro venerado pelos plutocratas de turno. Um deus implacável que não aceita desobediência.

A pior das servidões: a servidão intelectual

Ilustração: tt Catalão
Ilustração: tt Catalão

Tudo foi cooptado, dominado: sindicatos, partidos políticos, igrejas, universidades, forças armadas, soberania. E, pior, isso tudo facilitado pela inteligência em todos os seus sentidos. Isso nos leva a necessitar, com extrema urgência, de um segundo movimento abolicionista, desta vez para combater a pior das servidões: a servidão intelectual.
Nesse contexto, a tarefa primordial é a abolição da servidão intelectual. Em outras palavras, recuperar o pensamento livre, crítico e criativo. Repensar o país e formular um projeto nacional. É o que vimos preconizando com insistência, não tem porque não repetir exaustivamente.
Não creio que isso possa ter início sem que se rompa com a institucionalidade. Para que isso ocorra é preciso a formação de uma grande frente de salvação nacional em torno de um projeto nacional, que defina a forma de governar, de organizar o povo e eleger o governo, ou seja, como construir uma democracia autêntica no lugar da atual plutocracia. Um projeto que recupere a soberania nacional e contemple uma estratégia de desenvolvimento integral e sustentável.
Antes que isso aconteça teremos mais do mesmo. Com diferentes nomes e pessoas, porém, mais do mesmo. Não obstante, pode-se aplainar o caminho com reformas simples que estão na pauta desde os anos 1960, como as reformas agrária, tributária, bancária, urbana… Pode-se avançar com a simples obediência à Constituição e às leis, refundando os mecanismos de democracia participativa já ensaiados em nosso meio.

A nova plutocracia dá náuseas

Ilustração: tt Catalão
Ilustração: tt Catalão

O que leva um acadêmico transformar-se em político, assumir um partido que tem a social democracia no nome e fazer tudo o contrário?
O que leva um político a comprar deputados e senadores para mudar a constituição e se reeleger? Tendo sido eleito por eleição direta agora diz que eleição direta é golpe institucional! Depor uma presidenta não foi golpe?

A resposta é simples: o dinheiro

Para se eleger senador e depois presidente contou com todo o dinheiro do mundo, vindo das mesmas fontes que financiaram sua carreira como o arauto da política da dependência e que também financiou a implantação do Cebrap. Dinheiro espúrio porque vindo do estrangeiro. Com que cinismo fala que se deve respeitar a Constituição e as leis.
Entende-se porque apoiou as diatribes do pupilo Aécio e a deposição da presidenta legitimamente eleita. São as mesmas motivações que o levam a apoiar agora o governo ilegítimo de Temer.
Quer que Temer complete a lição de casa, as chamadas reformas da previdência e trabalhista. Terminar o serviço iniciado por ele ao entregar os bancos estaduais, a Vale do Rio Doce (com o mapa da mina), as teles, a segurança nacional, entregar o que falta.
O que leva um filho da aristocracia mineira a envolver-se que o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro? Que coisa mais feia. Até hoje ninguém sabe o que aconteceu com os 300 quilos de cocaína aprendidos no helicóptero de um empresário dono entre outras coisas de um grande hotel. Por que os dois milhões dos irmãos Batistas destinados ao líder mineiro foram parar nas mãos desse empresário?
A resposta é simples: sempre o dinheiro.

E agora?

PÓS-TEMER  com indiretas é PÓS-TÚMULO com final PÓSTUMO Ilustração: tt Catalão
PÓS-TEMER
com indiretas é
PÓS-TÚMULO
com final
PÓSTUMO
Ilustração: tt Catalão

Pergunta que paira no ar, é o que virá no pós Temer. Acho que mais pertinente é perguntar se haverá pós Temer.
Rodrigo Maia presidente? Gilmar Mendes? Tasso Jereissati? Fernando Henrique é carta fora do baralho. Lula? Tudo leva a crer que tudo permanecerá como dantes no quartel de Abrantes.
A ditadura do capital financeiro quer um banqueiro na presidência. Não deixa por menos, cansou de intermediários incompetentes e problemáticos. É o que conseguiram na França e, antes, Na Argentina. Qualquer outra hipóteses não governa. Como não governou Dilma e não está governando Temer.
Lula presidente? Foi “o cara” enquanto executor do projeto neoliberal. Perdeu essa condição. Dificilmente ganhará a eleição no atual contexto; se ganhar não governa, como não governou Dilma.
Lula só tem chance se liderar uma frente capaz de romper a institucionalidade. Ficaria na história como o homem que derrotou a ditadura do capital financeiro. Gloriosamente na história. Ou… vergonhosamente derrotado, ou cooptado, ou neutralizado.
Lula e o VI Congresso do PT clamam por eleições diretas. Fernando Henrique diz que eleições diretas constituem golpe institucional.
Celso Amorim, na sua santa ingenuidade, propõe que as duas maiores lideranças brasileiras (Lula e FHC) “se unam com objetivo de facilitar essa reforma (política, eleitoral)”. Amorim fez a coisa certa quando ministro das Relações Exteriores, porém, nessa altura da vida ignorar ou fingir que não sabe quem é Fernando Henrique é inaceitável, como é inaceitável o FHC.

Direita burra

Ilustração: tt Catalão
Ilustração: tt Catalão

Os acadêmicos e a mídia discutem o papel da direita no país e no continente. Há que perguntar, o que é direita? Para uns é ser contra o Estado de bem estar social; ser a favor de neoliberalismo, da desregulamentação total da economia. Em suma, a direita é o poder da plutocracia, o resto é resto.
Sem dúvida se trata de uma direita burra, pois, nessa linha, fazendo o jogo do capital financeiro, mantendo uma economia sustentada na agroindústria predadora e exportadora, submetendo-se aos interesses do Império, essa direta não vai ter país nem povo para governar.
Contudo, na atual conjuntura, todas as ações são e estarão voltadas a manter-se no poder. Manter o status quo pela força, claro. Esta aí o Estado Policial, a repressão crescente, a política genocida contra a juventude e contra os povos originários.
Os contrastes sociais recrudescem a cada dia. São 14 milhões de desempregados. Essa conta não computa os que deixaram de procurar emprego e vivem pela imensa capacidade de gerar estratégias de sobrevivência.
Sobrevivem os que escapam da política genocida. A cada hora três jovens morrem assassinados. 59474 jovens entre 15 e 29 anos foram assassinados em 2015. 60.464 em 2014. Em dez anos, de 2005 a 2015, 318 mil vítimas de homicídio. Média de mais de 30 mil por ano, sendo 53.8 por cento jovens entre 15 e 19 anos, a maioria negros e pobres.
Ao mesmo tempo recrudescem também os conflitos pela posse da terra e os assassinatos de camponeses, indígenas e povos ribeirinhos, os donos tradicionais das terras e que são os responsáveis pela preservação da natureza.
Os excluídos terão que reivindicar seus direitos, haverão de querer um país. Chegará então “la hora de los Hornos”(i): em que os povos se assumirão pela libertação nacional.
(i) Alusão ao emblemático filme dos argentinos Fernando Solanas e Octavio Getino sobre a revolução na Nossa América.
*Jornalista editor de Diálogos do Sul
Ilustrações: tt Catalão
Leia também:
(1) A difícil reinvenção da democracia frente ao fascismo social / Entrevista especial com Boaventura de Sousa Santos
(2) Eleições 2016: Concluída uma nova farsa eleitoral, por Paulo Cannabrava Filho
Assista também a entrevista: “Contracorrente com Paulo Cannabrava”


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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