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Por Mithre J. Sandrasagra*
Nairóbi, 02/12/2009 – “A capacidade de recuperação – particularmente das grandes economias emergentes – nas recentes crises financeiras marca um novo capítulo nas relações internacionais”, disse à IPS, Richard Kozul-Wright, da Unidade de Cooperação e Integração Econômica entre Países em Desenvolvimento, da Unctad. O novo peso econômico do mundo em desenvolvimento se complementa com o rápido ritmo do comércio e dos investimentos Sul-Sul.
Esse comércio cresceu, em média, 13,4% ao ano desde 1995, chegando a US$ 2,4 bilhões, ou 20% do intercâmbio mundial, em 2007, segundo a Organização das Nações Unidas, e as exportações dos países pobres e emergentes aumentaram cerca de 40% do total mundial.
No mesmo período, as exportações africanas para o Sul cresceram, em média, 7% ao ano, e as exportações anuais combinadas de África, Índia e China aumentaram aproximadamente US$ 40 bilhões. Dois novos informes da Secretária Geral da ONU destacam estas tendências atuais.
A IPS conversou com Kozul-Wright, da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), antes da Conferência de Alto Nível das Nações Unidas sobre Cooperação Sul-Sul, que termina amanhã em Nairóbi.
IPS – Devido à crise econômica e financeira, os países do Sul já não podem depender das economias do Norte industrial com principais sócios para o comércio e o desenvolvimento. Este desafio é um incentivo para criar novas formas de cooperação para o desenvolvimento que promovem um crescimento inclusive em todo o Sul?
Kozul-Wright- Em boa parte. A cooperação Sul-Sul se faz em torno da necessidade de mitigar os impactos e riscos que derivam das tendências e assimetrias nas relações Norte-Sul, e de impulsos mais positivos em matéria de crescimento e desenvolvimento que derivem de uma interdependência econômica mais estreita. A crise financeira serviu como lembrança de quando esses colapsos podem ser prejudiciais e há renovados interesses em novos mecanismos de cooperação financeira e monetária entre as nações em desenvolvimento, como Banco do Sul e fundos monetários regionais.
Do ângulo positivo, o surgimento de economias dinâmicas no Sul deu novas oportunidades ao comércio e aos investimentos entre si. Mas, também se deve reconhecer que o crescimento das relações Sul-Sul durante os últimos anos foi guiado, em parte, pela demanda – impulsionada pela divida – dos consumidores do Norte. Os ajustes que o Norte agora faz para corrigir os desequilíbrios caseiros, financeiros e nacionais serão prolongados. Particularmente as economias maiores do Sul necessitarão garantir que os vínculos que construíram nos últimos anos se estendam a economias mais fracas do Sul.
IPS – Quais suas expectativas em relação à conferência de alto nível? Como seu resultado poderá fortalecer os compromissos do Plano de Ação para a Cooperação Técnica entre os Países em Desenvolvimento, selado em1978 em Buenos Aires?
KW – Numa retrospectiva, a conferência de Buenos Aires demonstrou ser um ponto alto dos esforços de um país em desenvolvimento para criar uma nova ordem econômica internacional. Esses esforços acabaram com a crise da divida do começo dos anos 80. O desafio atual tem menos a ver com recuperar o perdido há 30 anos do que com responder às novas crises e oportunidades que surgiram de um prolongado período de desregulamentação global.
Os últimos 30 anos se caracterizaram por ciclos de auge e queda econômica que geraram crescimento muito desigual no Sul, mas a partir dos quais surgiram várias economias muito dinâmicas. Além disso, a capacidade de recuperação – particularmente das grandes economias emergentes – às recentes crises financeiras marca um novo capítulo nas relações internacionais. A conferência é um reconhecimento dessa capacidade e de que novas coalizões e novos mecanismos podem ajudar a abordar históricos desafios para o desenvolvimento.
IPS – A ONU tem um papel histórico em garantir às nações pobres um estímulo ao comércio Sul-Sul e investimentos inter-regionais? Há oportunidades de ampliar as iniciativas existentes?
KW – Primeiro, e principalmente, os próprios países deveriam manejar vínculos econômicos Sul-Sul mais próximos. Mas a ONU certamente pode dar apoio e assessoramento político. A este respeito, como a ONU alertou consistentemente sobre os limites do Consenso de Washington (conjunto de políticas de liberalização elaboradas na década de 90 pelos órgãos de crédito internacionais com escritórios na capital dos Estados Unidos), está melhor situada do que as instituições de Bretton Woods para estender esse assessoramento.
A Unctad faz isso com seu trabalho sobre acordos comerciais, especialmente o Sistema Global de Preferências Comerciais Entre Países em Desenvolvimento e acordos e investimentos. Esse trabalho se soma a um reconhecimento de que conseguir o máximo da interdependência econômica mais estreita não se trata apenas de uma rápida liberalização, mas de um enfoque político mais integrado, com atenção no espaço que os políticos precisam para manejar um caminho de crescimento mais sustentável.
IPS – A cooperação Sul-Sul pode ser vista de um ângulo mais de desenvolvimento do que político?
KW – Tem de ser de ambos. A solidariedade e a empatia são a coluna vertebral da cooperação Sul-Sul, mas isso deve complementar-se com vínculos econômicos sólidos. Nos últimos anos, ambos tenderam a se mover segundo parâmetros diferentes este parece ser o momento correto para caminhar com as duas pernas, para usar um ditado chinês.
IPS – Um dos elementos-chave de potencializar a cooperação Sul-Sul é compartilhar experiências e conhecimentos. Pode destacar algumas iniciativas deste tipo ou associações triangulares que tenham apresentado resultado positivo?
KW – Há muitas, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) é muito diligente na promoção de histórias de sucesso. Atualmente, a Unctad organiza uma reunião de um grupo de especialistas sobre a contribuição da cooperação Sul-Sul e triangular no impulso da segurança alimentar, e há muitos exemplos animadores de tal cooperação no setor agrícola.
IPS – Como a cooperação Sul-Sul pode incrementar os esforços dos países pobres para cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, entre eles reduzir pela metade a proporção de indigentes e famintos até 2015, em relação a 1990?
KW – O primeiro Objetivo é a pedra fundamental de todo o esforço dessas metas. Também é o que representa maior desafio. A comunidade internacional pode ajudar aumentando a ajuda oficial ao desenvolvimento, reduzindo as condições a ela vinculada e estabelecendo uma economia mundial mais equilibrada. Em todos estes sentidos, a responsabilidade recai claramente nas nações industriais. Pessoalmente, me inclino a voltar o olhar para o Plano Marshall (proposto em 1947 pelos EUA para reconstruir a Europa após a Segunda Guerra Mundial, 1939/45), que ainda é um ponto alto da cooperação para o desenvolvimento. Os doadores tradicionais têm muito a aprender com a cooperação Sul-Sul.